Economia

O que pensam os bancos centrais sobre a tática comercial de Trump

Em encontro internacional, presidente dos bancos centrais criticaram instabilidade comercial causada por Donald Trump

Jerome Powell: Trump tem atacado as decisões do presidente do FED (espécie de banco central americano) (Mark Wilson / Equipa/Getty Images)

Jerome Powell: Trump tem atacado as decisões do presidente do FED (espécie de banco central americano) (Mark Wilson / Equipa/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 26 de agosto de 2019 às 07h56.

Última atualização em 26 de agosto de 2019 às 07h58.

Os presidentes do bancos centrais do mundo estão cada vez mais preocupados com os efeitos à economia das táticas comerciais do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O temor encheu a atmosfera do centro de convenções Jackson Lake Lodge, onde os presidentes e economistas acadêmicos de todo o mundo se reúnem todo mês de agosto no simpósio de Jackson Hole. Nesta edição, o debate girou em torno das ferramentas de política monetária à disposição.

"Estamos enfrentando uma série de grandes choques políticos", disse o presidente do BC da Austrália, Philip Lowe, no painel de encerramento no sábado, 24. "E esses choques políticos estão se transformando em choques econômicos."

A crescente incerteza sobre a política comercial aumenta a lista crescente de tensões geopolíticas, incluindo protestos em Hong Kong, a ameaça da Grã-Bretanha de sair sem acordo da União Europeia em 31 de outubro, uma crise política na Itália que pode atrapalhar o euro, conflitos entre o Japão e a Coreia do Sul e o bloqueio militar da Índia na região da Caxemira, na fronteira com o Paquistão.

Mas os banqueiros centrais deixaram claro que veem a política comercial do presidente Trump como a maior dessas ameaças.

"Nunca vi o mundo tão sincronizado e tão assustado com algo que inicialmente não havia acontecido", disse o presidente do BC da Nova Zelândia, Adrian Orr, em uma entrevista na sexta-feira, 23.

O presidente do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), Mark Carney, disse que a escalada da guerra comercial já esfria os investimentos mundiais em manufatura e negócios. "É uma guerra comercial", disse ele em entrevista. "Certamente, os EUA estão envolvidos nos palcos - todos os palcos - nesta guerra."

As autoridades do Fed têm relutado muito em criticar as políticas comerciais de Trump, com poucas e ruidosas exceções. Depois que o discurso de Carney apontou deficiências mais amplas no sistema monetário internacional, o ex-vice-presidente do Fed Stanley Fischer respondeu sem rodeios. "O problema nele (sistema monetário internacional). Está no presidente dos Estados Unidos" afirmou.

Os banqueiros centrais disseram que temiam que os líderes políticos infligissem dor evitável à economia, com pouco a mostrar. "Até certo ponto, não é necessário", disse o presidente do banco central da Noruega, Øystein Olsen.

O presidente da distrital de Dallas do Federal Reserve, Robert Kaplan, alertou que as ferramentas dos bancos centrais não são adequadas para lidar com a fraqueza econômica causada pela política.

"A política monetária provavelmente não estaria criando a desaceleração e provavelmente não pode, por si só, deter essa desaceleração que vai se intensificar", disse ele.

O Fed reduziu a taxa de juros no mês passado para um intervalo entre 2,00% e 2,25%. O corte de 25 pontos-base foi o primeiro em mais de uma década.

Uma preocupação é que, após décadas de estímulo monetário, taxas mais baixas podem elevar os preços dos ativos, mas não removerão a incerteza que impede o investimento.

"As empresas estão perguntando se deveriam investir", disse o presidente do Banco de Reserva da África do Sul, Lesetja Kganyago. "Então você pode gritar com os bancos centrais o quanto quiser, mas a verdade é que com taxas de juros muito baixas, as empresas ainda não estão investindo".

Embora o crescimento do emprego tenha se mantido estável, os formuladores de política monetária disseram temer que seja apenas uma questão de tempo até que ocorra uma redução das contratações.

"Não seria preciso muito para as empresas decidirem não investir e não contratar pessoas", afirmou Lowe, do BC australiano.

Uma série estonteante de eventos em Washington e Pequim na sexta-feira ilustrou essas preocupações - e manteve as autoridades em Jackson Hole constantemente atualizando alertas de notícias em seus smartphones. Eles acordaram com a notícia de que a China imporia no próximo mês novas tarifas sobre produtos dos EUA em retaliação pelas contramedidas recentemente anunciadas pela Casa Branca.

Os mercados recuperaram brevemente as perdas iniciais, depois que o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que a instituição "agiria conforme apropriado" para sustentar a expansão. Mas eles mergulharam logo depois, quando Trump emitiu um comunicado às empresas americanas para fazer os preparativos para deixar a China.

Então, depois que o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em queda de quase 2,4% na sexta-feira, Trump anunciou que estava aumentando as tarifas. A Casa Branca disse na manhã de domingo que se arrependia de não tê-los ampliado ainda mais.

"O mundo está observando os Estados Unidos com verdadeira preocupação por causa das questões políticas", disse Orr, que comandou um corte de 50 pontos-base da taxa de juros na Nova Zelândia.

As preocupações com o papel cada vez mais imprevisível de Washington nas finanças internacionais também alimentaram discussões sobre quanto tempo o status do dólar como moeda de reserva global continuaria.

Nos bastidores, muitas autoridades ficaram sem palavras dado o crescente ataque retórico de Trump contra Powell, classificando-o como inimigo.

"Existe esse aumento do populismo, e os bancos centrais são como o para-raios", disse Kganyago, cujo banco está sob crescente pressão de alguns líderes políticos da África do Sul para desempenhar um papel maior na economia. "Os ataques ao Fed não devem ser vistos isoladamente. A resposta do Fed foi louvável."

Depois de serem pressionados a responder à crise financeira de 2008, os banqueiros centrais temem que agora enfrentem maiores riscos - um por decepcionar o público, alimentando mais ameaças à sua independência, e outro por exagerar nos estímulos, que podem causar bolhas de ativos.

Na Europa e na Austrália, as autoridades pressionaram os políticos a aumentar os gastos e aumentar o consumo para aliviar as preocupações com a recessão.

"Globalmente, a política monetária está carregando muito do fardo, e essa provavelmente é a hora em que a política monetária não é a melhor alavanca para lidar com os choques que estamos enfrentando", disse Lowe, da Austrália. "Corremos o risco de aumentar os preços dos ativos."

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