Na semana passada, a venda de dólares no mercado futuro não impediu que o dólar chegasse a 2,25 reais na quinta-feira (REUTERS/Gregg Newton)
Da Redação
Publicado em 25 de junho de 2013 às 06h12.
São Paulo - Até a sexta-feira da última semana observou-se a subida do dólar em relação ao real. No último dia da semana, a moeda fechou em queda, por influência de fatores externos e internos. Para economistas, a mistura da falta de credibilidade da política econômica brasileira com a redução do programa de estímulos à economia dos Estados Unidos levaram o real à desvalorização – o que também pode afetar inflação e, consequentemente, a taxa de juros.
O Boletim Focus divulgado na manhã de hoje elevou sua projeção para a taxa de câmbio em 2013 e 2014. Após manutenção na última semana, a expectativa do Boletim para a taxa de câmbio (fim de período) em 2013 passou de 2,10 (real/dólar) para 2,13 e a projeção para 2014, saltou de 2,15 (real/dólar) para 2,20. Há cerca de um ano, o cenário era bem diferente – o dólar não saía da faixa entre 2 reais e 2,10 reais e o governo fazia intervenções tendo em vista manter a moeda nessa faixa. Na semana passada, a venda de dólares no mercado futuro não impediu que o dólar chegasse a 2,25 reais na quinta-feira.
No começo do mês, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, eliminou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 6% sobre aplicações de renda fixa de estrangeiros no Brasil e também zerou a alíquota de IOF, que estava em 1%, sobre e venda de dólares no mercado futuro. Na semana passada, foi a vez do swap cambial (venda de dólares no mercado futuro).
As medidas tornam a vida do investidor estrangeiro mais fácil, mas não foram suficientes, segundo Mauro Rochlin, professor do Ibmec-RJ. Para o economista, uma opção que ainda poderia ser adotada pelo governo é vender dólar à vista no mercado. “Aparentemente o nível de reservas é muito alto, cerca de 1,5 de um ano de exportações. Nesse parâmetro, o nível é muito alto, por outro lado o volume do capital especulativo no Brasil é muito elevado”, disse. Apenas em uma situação limite – diferente da que se vive hoje, segundo Rochlin – as reservas não seriam suficientes. Em 19 de junho, as reservas eram de 376,111 bilhões de dólares, pouco abaixo dos 378,613 bilhões de dólares que o país possuía no final de 2012 (ver tabela no final da matéria) e acima dos 239,054 bilhões de dólares do final de 2009.
Há um ou dois anos, o governo comprou reservas para evitar a apreciação, agora o governo pode aproveitar o acumulo e vender, segundo Marçal. Uma política fiscal mais contracionista ajudaria a inflação nesse momento, de acordo com o professor. “O governo tem instrumentos via Banco Central e via gasto publico para controlar a inflação. Não é só juros”, disse.
Ainda há várias medidas que podem ser feitas para evitar uma alta abrupta do dólar ante o real, segundo Emerson Marçal, professor da escola de economia da FGV-SP, incluindo vender reservas de forma mais agressiva e uma série de pequenos instrumentos e medidas para tornar a transição mais suave, como operações de gestão do dia-a-dia - restringir quanto os bancos podem comprar de dólar, por exemplo.
Mas essas medidas no mercado cambial na verdade são medidas tópicas, segundo Rochlin, para quem o necessário são bons fundamentos – com a finalidade de aumentar a credibilidade. Nesse sentido, as medidas que poderiam ser adotadas pelo governo seriam buscar maior solidez nas contas públicas e resgatar a credibilidade da política monetária, por exemplo.
A política monetária ficou arranhada quando o BC manteve juros baixos enquanto a inflação não se comportava. “O superávit fiscal está em cheque, o governo tem hoje uma conta para o superávit primário que é um emaranhado de condições. Existe a meta, mas possíveis deduções que não se sabe até onde podem alcançar. Não se sabe, de fato, o que o governo pode fazer em termos de política fiscal”, disse o professor do Ibmec. Para Marçal, não dá para ter múltiplos objetivos. Se a busca é por inflação sob controle e economia crescendo num ritmo mais rápido, as outras variáveis precisariam flutuar. “A cotação do dólar não é uma coisa que o governo deveria ter como meta, mas ele deve evitar grandes solavancos no mercado”, disse Marçal.
Inflação
O aumento do dólar tem um impacto direto no custo de importação de matérias primas e produtos finais. O custo para o importador aumenta, o que vai se traduzir em maior preço no mercado doméstico. Os preços elevados têm impacto sobre a taxa de juros, uma vez que o Banco Central precisa controlar a inflação. “Quanto mais intensa é a alta do dólar obviamente maior é o reflexo nos preços domésticos e maiores terão que ser os juros que o BC terá que usar para conter a inflação”, explicou Mauro Rochlin, professor do Ibmec-RJ.
O nível atual de emprego pode agravar o quadro, segundo Pedro Raffy Vartanian, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com a economia brasileira próxima do nível de pleno emprego, as pessoas continuam consumindo e esse consumo acaba estimulando o repasse cambial para os preços.
Os efeitos da mudança de câmbio sobre a inflação só poderão ser analisados de forma mais precisa se a mudança no patamar for persistente ou duradoura, segundo Raffy. “É possível que o real volte a se valorizar como ocorreu após a crise de 2008. Nada impede que isso aconteça. Como agora o cenário é de mudança importante na conjuntura internacional, essa possibilidade existe mas é menos provável”, disse.
Para Marçal, essa mudança abrupta na taxa de câmbio vai contaminar a inflação desse ano e do próximo e colocar uma pressão adicional sobre o BC, já que a taxa de juros terá que segurar essa inflação. “O cenário, no que tange à inflação, está um pouco mais pesado do que há dois anos”, disse. Marçal calcula que uma desvalorização de 20% pode somar 1,2 ou 1,3 pontos percentuais na inflação do ano.
Ajuste
“Tentando olhar para além da situação de maior especulação do momento, eu diria que o câmbio, de toda maneira, teria que estar mais caro mesmo”, disse Rochlin. Se não fosse a inflação, poderia ser possível deixar o câmbio ter seu ajuste, segundo o professor.
Para Marçal, o movimento do dólar na última semana indica, possivelmente, um novo patamar no qual ele vai se estabilizar. O Observatório da Taxa de Câmbio da FGV já indicava que a taxa de câmbio brasileira estava abaixo do que deveria e que um ajuste estava por vir. ”Parece que ele começou”, disse Marçal.
O movimento da última semana é uma mistura da expectativa de redução do programa de estímulos à economia dos Estados Unidos com o atual déficit do Brasil na balança de transações correntes (balança de mercadorias e serviços), segundo Rochlin. “Hoje, a entrada de capital produtivo não cobre esse déficit, precisaríamos de mais capital especulativo, que hoje não se mostra disposto a vir ao Brasil”, segundo Rochlin, para quem existe hoje uma crise de confiança em relação aos fundamentos da economia brasileira.
O melhor é deixar a realidade do dólar se impor aos poucos, mas sem tentar evitar o movimento de alta, segundo Marçal. “O que o governo não pode fazer é segurar o câmbio custe o que custar. Se o mercado achar que o dólar tem que ficar em 2,30 reais ou 2,40, esse movimento tem que ser suave, mas não se deve evitar a transição”, disse.
A evolução das reservas internacionais do Banco Central:
2003 (31/12) | US$ 49.254 milhões |
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2004 | US$ 52.937 milhões |
2005 | US$ 53.800 milhões |
2006 (29/12) | US$ 85.839 milhões |
2007 (31/12) | US$ 180.334 milhões |
2008 | US$ 206.806 milhões |
2009 | US$ 239.054 milhões |
2010 | US$ 288.575 milhões |
2011 | US$ 352.012 milhões |
2012 | US$ 378.613 milhões |
2013 (19/06) | US$ 376.111 milhões |