O papa Francisco (Andrew Harrer/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 23 de setembro de 2015 às 20h56.
O papa Francisco irrita os críticos que, vendo as campanhas dele contra a pobreza e a mudança climática, desejariam que ele deixasse de bancar o economista e se limitasse à teologia.
O debate, em curso já há meses, deverá chegar ao auge quando o bispo de Roma iniciar sua viagem de seis dias aos EUA.
A visão do papa sobre a economia de mercado pode ser resumida em três frases, sendo que duas delas nem sequer pertencem a ele. Elas pertencem ao Vaticano, que ao longo dos últimos 125 anos estabeleceu uma estrutura de doutrina social pensada para defender os pobres e os vulneráveis, protegendo ao mesmo tempo o meio ambiente.
Os posicionamentos do papa Francisco e de seus antecessores a respeito de assuntos econômicos são em grande medida consistentes e podem ser extraídos de uma declaração de cada um dos últimos três papas.
1. Sem “-ismos”, por favor, nós somos católicos
A julgar pelo Twitter (nota: não julgue pelo Twitter), Francisco é socialista. A verdade é que o Vaticano pretende evitar determinadas escolas de pensamento econômico.
Em 1991, o papa João Paulo II escreveu uma encíclica, ou carta de informação, que marcava tanto o centenário da doutrina social do Vaticano quanto o surgimento de economias de mercado na Europa após a queda do comunismo. Nela, ele abordou a questão: o capitalismo é uma boa ideia?
“A resposta obviamente é complexa”, escreveu João Paulo II na Centesimus Annus.
Quando o capitalismo é definido como a iniciativa que libera criatividade e assume a responsabilidade por todos os impactos de seu trabalho, escreveu ele, “a resposta é certamente positiva”.
Mas se o capitalismo é marcado pelo ganho pessoal desenfreado e, de forma crítica, não trabalha para absolutamente todos – para a “liberdade humana em sua totalidade” --, então a resposta não é tão positiva.
O problema é realizar apenas um e não o outro.
2. Economia = moralidade
As decisões econômicas e morais estão entrelaçadas em todos os níveis, do individual ao internacional, escreveu o papa Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate, de 2009.
“É bom que as pessoas entendam que a ação de comprar é sempre um ato moral – e não simplesmente econômico –”, escreveu ele.
Em uma leitura literal, isso é pedir demasiado. Se todo mundo precisasse analisar as implicações morais de tudo, o tempo todo, ninguém faria nada.
Contudo, a ideia de que negócios conscientes são bons negócios permeou, de forma independente, algumas das maiores empresas do mundo. Isso é feito ainda mais rapidamente do que pelo público em geral e, certamente, mais rapidamente do que por Washington. A Intel, por exemplo, passou os últimos anos limpando as práticas de compras ao longo de sua cadeia de abastecimento, composta por 16.000 empresas.
A firma não está fazendo isso necessariamente para ser “moral”, apesar de isso fazer parte da ação, mas por entender que no abastecimento existem outras coisas além do preço.
3. Grandes problemas pedem grandes soluções
E então, o que Francisco acrescenta a essa discussão? Vamos lá:
* Se é verdade que o Vaticano, em princípio, apoia o capitalismo como força criativa, como escreveu o papa João Paulo II...
* Se cada decisão de negócios deveria ajudar a construir pessoas “morais”, como escreveu o papa Bento XVI...
* Se um bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, como diz a Organização das Nações Unidas, e se a comunidade de nações quer enfrentar a dimensão do risco da mudança climática...
Então, para resolver as preocupações morais de grande escala do Vaticano, o comportamento econômico em grande escala precisaria mudar. Isso, só se você aceitar todos os “se”.
Francisco diz o seguinte em um parágrafo decisivo de sua encíclica sobre o meio ambiente, Laudato Si, publicada em junho: “A humanidade é chamada a reconhecer a necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam”.
Mesmo aceitando todos os “se”, fica uma questão a ser analisada: como podem os mercados -- geralmente reconhecidos como a melhor forma de mudar o mundo -- resolver melhor os problemas criados pelos mercados?
Provavelmente não exista nenhum papa que tenha uma resposta fácil para essa pergunta.