Alesina: ele tem uma influência sobre os principais momentos de reformas fiscais e avanços institucionais pelos quais o Brasil passou, diz Felipe Salto, diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente (Lucas Schifres/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 25 de maio de 2020 às 16h02.
Última atualização em 25 de maio de 2020 às 18h59.
Quantos economistas criaram um novo campo na disciplina e ainda influenciaram o rumo de continentes inteiros?
Poucos, mas um deles certamente foi Alberto Alesina, que morreu neste sábado, 23, de um infarto aparente, após uma caminhada com sua esposa Susan nas montanhas de Massachusetts.
O italiano, que tinha 63 anos, era professor da Universidade Harvard e costumava figurar nas listas de cotados para o Prêmio Nobel de Economia. Ao longo do final de semana, colegas como Barry Eichengreen e Olivier Blanchard foram às redes sociais lembrar tanto do seu estilo humilde, bem-humorado e agregador, quanto do seu enorme legado.
"Há poucos economistas que mudaram a forma que pensamos a economia, e ele é sem dúvida um deles. Ele criou o campo da economia política", escreve Paola Giuliano, professora da Universidade da Califórnia em Los Angeles e ex-colega, no blog Pro Market.
Quando Alesina começou a publicar, nos anos 80, havia pouca integração entre os campos da economia e da ciência política. Mas trabalho após trabalho, ele foi provando que entender os incentivos de burocratas e políticos era essencial para explicar os ciclos econômicos e de negócios.
Um dos seus primeiros estudos sugeria que países com bancos centrais independentes tinham mais sucesso em controlar a inflação, pois se blindavam do impulso dos políticos de inflacionar para aquecer a economia no curto prazo.
Alesina ficaria mais conhecido, no entanto, como um defensor do controle de gastos públicos, ou "pai da austeridade". Apesar de ter rejeitado o título até o fim, este foi o tema do seu último livro, publicado em janeiro de 2019 com Carlo Favero e Francesco Giavazzi.
"Ele acreditava que em muitas circunstâncias, mas certamente não em todas, a austeridade poderia estimular a economia, particularmente se envolvesse cortes de gastos ao invés de aumentos de impostos", escreve Lawrence Summers em artigo para o Washington Post.
A ideia da "contração fiscal expansiva" e o trabalho de Alesina influenciaram na decisão nos Estados Unidos e especialmente na Europa de retirar estímulos fiscais e focar na austeridade já a partir de 2010.
Enquanto críticos keynesianos como Paul Krugman apontaram a decisão como equivocada e responsável pela fraqueza da retomada, Alesina se defendia desenhando o que teria sido o cenário alternativo: "default da dívida, o colapso financeiro dos bancos que detinham dívida pública, e a desintegração do euro".
A ideia de que um ajuste fiscal pode ser contracionista no curto prazo, mas expansionista no médio e longo prazo se acompanhado por reformas liberalizantes, também foi frequentemente evocada (e criticada) durante o governo Michel Temer.
"O Alesina tem uma influência sobre os principais momentos de reformas fiscais e avanços institucionais pelos quais o Brasil passou", diz Felipe Salto, diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente.
Este impacto também pode ser visto na Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000 no governo Fernando Henrique Cardoso, o que é confirmado por José Roberto Afonso, um de seus autores.
"Para Alesina, o cuidado com as decisões políticas que afetam governos sucessores deve ser redobrado, especialmente em períodos de eleição. Não foi outro motivo que inspirou o parágrafo único do art. 21 da LRF, que veda reajustes salariais na administração pública em final de mandato", escreveu o economista do Senado e especialistas em finanças públicas, Leonardo Ribeiro, no Twitter.
Vale lembrar que mesmo tendo virado alvo de progressistas em alguns momentos, Alesina também foi um pioneiro em questões mais associadas a este campo, como a desigualdade.
Em 1994, ele publicou com o economista turco-americano Dani Rodrik um artigo delineando como a distribuição inicial de riqueza ajudava a determinar o crescimento posterior.
Uma desigualdade excessiva, por exemplo, gera pressões políticas para sua distribuição, o que mexe com o incentivo ao investimento e acumulação de ativos. Hoje, o impacto da desigualdade sobre o crescimento é reconhecido até por organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Alesina também publicou estudos sobre o efeito da cultura sobre a economia, conflitos étnicos e as origens dos papéis de gênero, entre outros temas.
Mais importante do que concluir qualquer debate, porém, são as lições de que economia e política são indissociáveis e que os caminhos de sucesso tendem a passar pela construção de instituições de longo prazo que nos protejam dos nossos piores instintos. Lições que o Brasil ainda teima em ignorar.