BARCELONA: População espanhola vai às ruas contra o Pacto do Euro e afirma: “Grécia, você não está sozinha” / David Ramos/Getty Images
Isabel Seta
Publicado em 6 de janeiro de 2017 às 16h26.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 15h09.
Quando os representantes de países europeus assinaram, em 7 de fevereiro de 1992, o Tratado de Maastricht – ou Tratado da União Europeia –, foram formalizadas as bases para um experimento nunca antes testado em tamanha escala: a criação de uma união monetária entre 11 países completamente diferentes e que, em 1999, daria origem ao euro.
Em um contexto de recessão econômica, com a taxa de desemprego na região em torno dos 10%, as promessas do euro – baixas taxas de juro, eliminação dos custos de transação, aumento das exportações dentro da zona e, o mais importante, a criação de uma moeda com força suficiente para competir com o dólar – pareciam uma ótima solução.
Atualmente, com uma Europa se recuperando a passos lentos da crise financeira, os mesmo problemas pré-euro assombram o continente — a taxa de desemprego é de 9,8% — muitos economistas vêm questionando o sucesso da unificação.
Em seu novo livro, “The Euro: How a Common Currency Threatens the Future of Europe” (O euro: como a moeda única ameaça o futuro da Europa, em tradução livre), o Nobel de economia Joseph Stiglitz classifica a criação da moeda como uma “decisão fatal”, responsável pela dificuldade de vários países de sair da crise e voltar a crescer.
A origem
As duas maiores forças por trás da criação do euro foram Alemanha e França. Segundo Fernando de Holanda Barbosa, doutor em Economia pela Universidade de Chicago e professor da Fundação Getúlio Vargas, a moeda única foi uma construção política que visava atender alguns dos interesses dos países mais importantes do bloco. Para a França, era a chance de deixar de ter o marco alemão como moeda central da zona, e, para a Alemanha, a possibilidade de criar briga com o dólar.
“Desde o início o euro foi uma construção política. Não existia nem na França e nem na Alemanha uma área monetária ótima que atendesse às condições propostas pelo Nobel Robert Mundell“, explica Barbosa. Foi Mundell que traçou um dos primeiros planos de moeda comum, na década de 70, num projeto que resultou na criação do euro. As condições que ele previa para o acordo pudesse funcionar eram até 3% de déficit (a diferença entre o que um país gasta e arrecada) e 60% de dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Se nem França e Alemanha conseguiram corresponder às regras, os demais países muito menos.
No livro “The Euro and the Battle of Ideas” (O euro e a batalha de ideias, em tradução livre), da universidade de Princeton, os três autores – um economista alemão, um historiador econômico inglês e um ex-banqueiro francês, hoje professor – traçam um panorama de como as diferenças ideológicas entre França e Alemanha foram determinantes na criação do euro – e como, no final, a visão alemã prevaleceu.
A grande preocupação alemã era de que os países mais pobres acabassem sendo financiados pelos outros. Assim, para abrir mão do marco, a Alemanha não só exigiu que o Banco Central Europeu (BCE) fosse criado à imagem e semelhança do Banco Central alemão (Bundesbank) – e com sede em Frankfurt.
Como a Alemanha era a principal economia europeia e o marco de fato era a moeda mais importante da região, a taxa de juros foi ajustada de acordo com os interesses alemães. Países como Espanha, Portugal, Itália e Grécia, cujas taxas de juros eram mais altas, viram-se de repente com uma taxa de juros extremamente baixa. “Eles passaram a ter taxas de juro de primeiro mundo. Abdicaram de suas moedas e adotaram um regime de câmbio fixo. Se endividaram mais do que se deram bem”, diz Barbosa, que vê ainda mais um fator na escolha desses países pela moeda única: o desejo de sentir-se europeu.
Ao optarem pelo euro, os países abriram mão dos dois principais instrumentos do Estado para lidar com choques e eventuais crises: a taxa de juro, que passou a ser determinada pelo BCE, e a taxa de câmbio, que deixou de existir. A única opção restante era manter uma política fiscal saudável e não se endividar para se proteger de eventuais choques. Pela lógica alemã, os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento, como a dívida pública correspondendo a um máximo de 60% do Produto Interno Bruto e a cláusula de não-resgate em caso de crise, seriam suficientes para que cada país mantivesse suas respectivas casas em ordem.
A crise
Como mostra a hitória, não foi isso que aconteceu. Com a crise de 2008, os países europeus foram forçados a praticar uma política fiscal expansiva, aumentando o gasto público para acelerar a economia. Esse fator, somado à sobreapreciação implícita do euro ao longo da última década (a lira e o escudo português, por exemplo, valiam bem menos do que o euro e, nesses países, a moeda se tornou incompatível com os níveis de produtividade), deram origem à crise da Zona do Euro, que disparou a dívida pública e a taxa de desemprego dos chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha).
Sem dúvidas, o país mais atingido pela crise foi a Grécia. Em 2009, o déficit grego chegou a 13,6% do PIB, um dos índices mais altos da Europa e mais de quatro vezes acima do tamanho permitido pelas regras da Zona do Euro. Naquele mesmo ano, a dívida pública grega chegou a 126,7% do PIB. Em 2014, bateu o patamar de 180%, em 2014. Em cinco anos, a economia grega encolheu 30%.
A situação dos PIIGS ficou tão grave que o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia decidiram agir, apesar da forte resistência da Alemanha em desrespeitar a cláusula de não-resgate. Em maio de 2010, foi acordado um pacote de 110 bilhões de euros para resgatar a Grécia. Em novembro, foi a vez da Irlanda receber 85 bilhões de euros. Em maio de 2011, Portugal recebeu 78 bilhões de euros. No mesmo ano, mais um resgate no valor de 109 bilhões de euros foi acordado para a Grécia, e o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que passaria a comprar títulos públicos da Itália e Espanha. O banco chegou a aumentar as taxas de juros na época, mas voltou a diminuí-las em 2012 e hoje opera com mínima recorde.
Com os países presos a uma moeda única, sem a possibilidade de depreciar o euro internamente por meio da taxa de câmbio — para assim estimular as exportações —, ou aumentar a taxa de juros para elevar a demanda, os pacotes foram acompanhados por duras medidas de austeridade. “Espanha e Irlanda foram os mais bem sucedidos nessa empreitada”, afirma o economista, cientista político e professor emérito da FGV Luiz Carlos Bresser-Pereira em entrevista a EXAME Hoje. “Esses países depreciaram a moeda internamente por meio de ajustes fiscais, e diminuíram os salários para recuperar a competitividade. O problema é que isso é muito agressivo”, explica.
Com a persistência da crise (o desemprego na Grécia, por exemplo, continua em 25%), o BCE lançou um novo programa de estímulos por meio da compra de títulos públicos. “O Banco Central Europeu encontrou oposição para comprar os títulos, mas acho que vão continuar fazendo isso enquanto o problema persistir. E, no momento, é esse o instrumento que tem para usar”, diz Holanda de Barbosa. O BCE anunciou em dezembro que vai estender a medida, que vem injetando 80 bilhões de euros por mês no mercado, por pelo menos mais seis meses. O pacote estava previsto para encerrar inicialmente em março de 2017.
Há solução?
Para Stiglitz, a forma como as instituições europeias foram obrigadas a lidar com a crise e o desempenho econômico pífio de seus países são a prova do fracasso da moeda única. O prêmio Nobel usa a Alemanha como exemplo: o país é considerado um sucesso, mas, na verdade, não está indo tão bem assim. “A economia alemã cresceu 6,8% desde 2007, mas com uma taxa média de apenas 0,8% por ano – um número que, sob circunstâncias normais, seria considerado quase um fracasso. (Para comparação, a taxa de crescimento dos Estados Unidos no mesmo período foi de 1,2%)”, escreve o economista.
Para Bresser-Pereira, o problema do euro estaria em sua própria genética, a de ser uma moeda sem estado. A ideia é similar ao que escreveu o jornalista John Lancaster em sua resenha do livro de Stiglitz para a revista New Yorker: “Haveria uma união monetária, sem uma união fiscal. O Banco Central Europeu administraria a moeda e estabeleceria a taxa de câmbio, mas não haveria um ministro das finanças pan-europeu para administrar a economia.”
Para Stiglitz, o erro foi adotar uma moeda única sem prover as instituições necessárias para fazê-la funcionar. “Uma moeda única implica em uma taxa de câmbio fixa entre os países, e uma taxa de juro única. Mesmo que essas sejam definidas para refletir as circunstâncias da maioria dos países membros, dada a diversidade econômica, é preciso haver uma série de instituições que possam ajudar as nações para as quais as políticas não são adequadas. A Europa falhou em criar essas instituições”, escreveu.
Stiglitz ainda vai além e diz que o euro falhou em atingir seus dois principais objetivos de prosperidade e integração política. “Esses objetivos estão mais distantes agora do que antes da criação da Zona do Euro. Em vez de paz e harmonia, os países europeus agora se olham com desconfiança e raiva”.
Mas, com tantos problemas, há alguma saída para o euro? Para os especialistas ouvidos por EXAME Hoje, há poucas chances dos países deixarem a moeda comum. Segundo o professor e economista espanhol Juan José Toribio, em todos os países há partidos que pedem pela saída do bloco, mas eles são minoritários. “Sair do euro seria muito complicado e o custo seria enorme, não valeria a pena. Temos que permanecer no euro e avançar na construção europeia”, afirma.
Bresser-Pereira tem opinião semelhante. “É uma saída muito difícil de ser acordada. Seria necessário estabelecer novas taxas de câmbio, é uma negociação muito difícil, e ninguém quer se meter nessa transição”.
Se sair do euro não é uma opção, o foco precisa estar na reconstrução da zona. Para Toribio, não basta praticar uma política monetária e fiscal mais expansivas, é necessário fazer reformas estruturais. “Temos uma população que está envelhecendo e precisamos estimular a natalidade e dar abertura à imigração”, diz o professor.
Em 1999, quando o euro foi estabelecido, o jornal britânico The Guardian escreveu: “A história pode mostrar que a tentativa de usar uma união monetária como meio para atingir a integração – em vez de ser o prêmio por tê-la atingido – pode ser equivocada”. Em seu livro, Stiglitz concorda: “O euro não é um fim em si mesmo, mas um meio, que, se bem manejado, pode trazer ainda mais prosperidade”. A história ainda vai dizer se a União Europeia soube se reinventar.