Operação Carne Fraca: Indiciados são acusados de crime por corrupção e contra a saúde pública (iStock/Thinkstock)
João Pedro Caleiro
Publicado em 21 de março de 2017 às 19h01.
Última atualização em 21 de março de 2017 às 19h02.
São Paulo – Começaram as restrições à carne brasileira - nossa terceira principal exportação, atrás só da soja e do minério de ferro.
A China suspendeu embarques por uma semana e a Coreia do Sul bloqueou produtos da BRF (mas já voltou atrás). Chile, Hong Kong e Egito também anunciaram suspensões temporárias.
A União Europeia já garantiu que nada com origem nos estabelecimentos investigados entra no bloco.
O estopim foi a Operação da Carne Fraca da Polícia Federal, que revelou o envolvimento de fiscais e frigoríficos em fraudes e propinas para liberar mercadorias adulteradas e estragadas.
“No curto prazo, é muito ruim. Você leva muito tempo para construir um patrimônio de certificações e quando dá errado, a suspensão é imediata. Se um grande mercado comprador proibir durante um determinado tempo, isso tem um efeito cascata sobre o setor”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRIClab da Universidade de Columbia.
Segundo a consultoria inglesa Capital Economics, a perda de receita brasileira pode chegar a US$ 3,5 bilhões por ano caso as restrições durem muito tempo.
33 países ou blocos importaram produtos dos estabelecimentos investigados na Operação Carne Fraca nos últimos 60 dias.
Mas segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o volume movimentado pelos investigados é de menos de 1% do total exportado pelo setor em 2016.
Ou seja: o problema é real, mas não generalizado. E mesmo se os países importadores quisessem, interromper o fluxo por um longo período causaria desabastecimento do mercado.
O Brasil responde por 38% do volume de comércio mundial de frango, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
"O barulho parece ser mais interno do que externo. É improvável que o Brasil perca a liderança global em carnes pois existem poucos fornecedores desses produtos no mundo. Não há muita alternativa", diz Marcel Motta, diretor geral da consultoria Euromonitor International no Brasil.
As ações da JBS e da BRF, duas gigantes citadas no escândalo, desabaram na sexta-feira mas já recuperaram boa parte das perdas - o que indica que o mercado acha que as restrições terão vida curta.
Produção
De acordo com a Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o setor de proteínas emprega mais de 7 milhões de pessoas e as restrições causarão perda de empregos e renda.
Mas do ponto de vista agregado, o impacto é baixo porque a economia brasileira ainda é muito fechada e tudo que o Brasil exporta soma apenas 10% do PIB total.
“É um efeito marginal na economia como um todo. Não é isso que vai fazer o país crescer ou não. Mas o agronegócio deve sentir esse impacto na cadeia de carnes", diz Felippe Serigati, economista do Centro de Agronegócio da FGV.
Ele diz que o efeito deve ser mais sentido em estados como Santa Catarina, que tem grande concentração de pequenos produtores de aves, e Paraná, o maior produtor em volume total.
Uma possível consequência para o consumidor brasileiro é que com menos produto saindo do país, a oferta aumente internamente e o preço caia, e isso em um cenário onde a inflação de alimentos já estava caindo.
A expectativa continua sendo de que o motor da retomada econômica brasileira venha do corte de juros com estabilização do consumo das famílias, responsável por 2/3 do PIB.
Negociações
No caso da UE, o medo é as negociações do acordo de livre comércio com o Mercosul sejam afetadas.
“Eles são um mercado grande, diverso e que cria ferramentas injustas de competição – tarifárias, não tarifárias e de subsídios. Obviamente, uma coisa dessas reforça o lobby interno da produção local, que sempre usou o argumento da segurança alimentar”, diz Troyjo.
De acordo com um estudo encomendado pela Comissão Europeia, as as vendas de produtos agrícolas do Mercosul para a UE poderiam crescer mais de R$ 50 bilhões em 10 anos mesmo com um acordo modesto.
Uma nova rodada de negociações do tratado começou ontem em Buenos Aires, na Argentina. Segundo o ministro Marcos Pereira, do Mdic, o escândalo não está na pauta.