Economia

Não dá para evitar recessão apostando com vidas, diz Richard Baldwin

Economista traça analogia entre isolamento social e final de semana e diz que estamos em raro momento da história com potencial para união global

Richard Baldwin (Alberto Cristofari/Divulgação)

Richard Baldwin (Alberto Cristofari/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 9 de abril de 2020 às 08h00.

Última atualização em 9 de abril de 2020 às 19h24.

Não há nada de errado em analisar friamente ganhos em saúde contra potenciais custos econômicos - mas este não é o dilema no caso na pandemia de coronavírus.

"Isso não é como não colocar uma ciclovia, e então alguns a mais morrerão. É outra ordem de magnitude", diz Richard Baldwin, professor de economia internacional no Geneva Institute, fundador do portal VoxEU e ex-diretor do Centro para Pesquisa em Política Econômica (CEPR).

O economista diz que o isolamento social funciona economicamente como um longo fim de semana, e que o objetivo deve ser garantir que empregos e empresas estejam vivos na segunda-feira. Ele também imagina que daqui para frente, países irão tratar equipamentos médicos como fator de defesa nacional.

Veja a entrevista exclusiva de Baldwin para EXAME, realizada em março:

Como você vê o questionamento, por alguns líderes, das medidas de isolamento social?

Eles não estão ouvindo os médicos, estão usando sua experiência pessoal para fazer julgamentos para os quais não estão qualificados, e como resultado muitos vão morrer.

Se você olhar para os líderes que estão ouvindo aos epidemiologistas e que entendem o que está acontecendo, eles estão fazendo tudo que podem para desacelerar a curva.

É levantado um dilema entre mortes e dano econômico. O dano econômico é inevitável?

Governos fazem o tempo todo esse trade-off entre custo econômico e vidas salvas - em medidas de segurança do trabalho ou velocidade nas estradas, por exemplo. Não é errado pensar nisso, mas neste caso a escolha é mal-entendida por duas razões.

Os epidemiologistas, como mostra o estudo do Imperial College, falam do risco de morte de uma fração da população. Não é como não colocar uma ciclovia e alguns a mais morrerão; é outra ordem de magnitude.

A segunda coisa é como eles vão morrer. Vai saltar o número de pessoas chegando aos hospitais, que vão parecer operações de guerra, e pessoas serão mandadas de volta porque não há camas suficientes. Isso na televisão será explosivo, e destruirá a carreira política daqueles no comando.

O Brasil é altamente desigual, e dá para imaginar que não serão todos recusados nos hospitais, o que pode causar mais agitação civil. Se você for sábio sobre trade-offs, precisamos evitar esse tipo de calamidade. É miopia; estão tentando evitar a recessão, mas apostando com a vida das pessoas.

Como governos devem garantir a produção e evitar desabastecimento neste momento?

As pessoas terão que consumir bens essenciais, cujos estoquem se esgotam em dias ou semanas, então precisamos manter essa produção. É uma época de guerra, quando as prioridades mudam. “Armas ao invés de manteiga”, como o economista Paul Samuelson disse nos anos 40. Agora, é garantir a produção de comida, remédios e coisas assim.

Trabalhadores destas fábricas devem ter garantias razoáveis de que não vão ficar doentes por estarem lá, o que significa dar algum tipo de proteção, como máscaras, e rearranjar o espaço para que não fiquem tão próximos uns dos outros.

Já o governo precisa identificar quais são os itens essenciais e sua cadeia de suprimento. A maioria dos governos já não tem essa capacidade de planejamento, mas podem formar conselhos com varejistas, farmácias, médicos e outros para tomar essas decisões.

Como essa crise é diferente de outras, como 2008? E o que deve ser diferente na resposta?

A maioria das crises no passado tinha um estopim único: seja bancos, falta de moeda estrangeira, escassez de crédito, ou uma inundação ou furacão. Mas por causa das políticas de fechamento, cada aspecto da economia hoje vive um enorme choque de oferta. Ao mesmo tempo, os consumidores não estão indo para as lojas e estão muito cautelosos, então há um enorme choque de demanda.

Em quase toda crise anterior, era só consertar o lado quebrado e criar demanda agregada para a economia rodar. Mas nesse caso não basta, porque o governo também está fechando o lado da oferta.

É como um “fim de semana”: deixamos de ir ao trabalho, a produção despenca e fábricas e escritórios param. Mas na segunda-feira tudo funciona, porque as coisas ainda estão lá. Desta vez o fim de semana dura dois meses, e devemos garantir que haverá uma economia normal para quando voltarmos.

Quais são os bons exemplos de países e abordagens que vimos até agora?

Há dois tipos de reação. A primeira é da Ásia, atingida duramente pela SARS, que não era tão contagiosa, mas matava 10% dos infectados. Quando começaram os casos, Japão, Singapura, China, Taiwan e Coreia do Sul já sabiam que pandemias são reais, então começaram a testar rapidamente.

Como eles têm sociedades relativamente disciplinadas e sabiam mais ou menos quem estava doente e com quem haviam encontrado, podiam isolá-los e permitir que não-doentes seguissem a vida de forma desimpedida, mesmo com algumas coisas fechadas. Mas isso depende de testes e reações rápidas.

Na Europa e nos EUA, as lições foram esquecidas. Quando reagiram, não era possível mais testar e isolar, então precisaram isolar todo mundo, o que economicamente é muito mais danoso.

É importante que regiões coordenem suas respostas neste momento? Isso está acontecendo?

Um ponto é que não é uma boa ideia ser protecionista em uma hora como essa, porque o que vai também volta. Os EUA, por exemplo, vão ter que importar milhões de máscaras e milhares de respiradores da China, porque as fábricas americanas estarão em queda enquanto a demanda explode.

Outro ponto é impedir que uma crise se torne outras crises, particularmente de dívida. Alguns dos países europeus mais atingidos tem também os piores números na zona do euro. Se o custo dos pacotes de reação elevarem demais a dívida, podemos ter uma crise dessa região. É a última coisa que queremos, então eles estão tentando se ajudar, há todo tipo de ideia circulando e parece que algo vai acontecer.

Pode haver um problema de sustentabilidade da dívida também nos emergentes que leve a algum choque como foi a crise asiática dos anos 90, a crise da Rússia ou a crise da América Latina nos anos 80. O FMI está atento a isso e agindo rapidamente, assim como outros países. O Fed, por exemplo, estendeu linhas de swap para prevenir escassez de liquidez em bancos centrais. Há alguma ação.

Como pagar por tudo isso? Haverá maior taxação? Vê risco de uma reversão da globalização?

Se você estruturar bem, pode crescer o necessário para sair disso, pensando na relação divida/PIB. Não acho que haverá impostos maiores em todo lugar. Inflação mais alta também é uma forma de reduzir a relação dívida/PIB, e não ficaria surpreso em ver algumas consequências inflacionárias.

Na globalização, em alguma medida esse choque é único. É uma das poucas vezes em que a maioria dos humanos experimentam a mesma coisa ao mesmo tempo. E não são os humanos causando isso; não há nenhum inimigo aqui além de um fio de RNA. Em princípio, isso poderia nos unir.

Estou certo de que veremos desglobalização em equipamentos médicos, como há na capacidade militar. Quase todo grande país quer ser capaz de fazer os próprios rifles, e agora todo país vai querer ser capaz de fazer seus próprios equipamentos médicos. Não há nada de errado com isso.

Mas você também não deveria colocar todos os ovos na mesma cesta, mesmo se ela for doméstica. Por exemplo, a manufatura da China está acendendo agora, enquanto a alemã e americana se apaga. Ter a China fabricando equipamentos médicos agora será útil para eles. É uma lição de que a globalização te dá uma apólice de seguro, que é ter uma fonte alternativa de onde comprar. No geral, sou otimista.

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