Indústria de veículos e calçados: Brasil antecipa crescimento nas exportações para a Argentina com as mudanças econômicas recentes (Luis ROBAYO / AFP)
Agência de notícias
Publicado em 15 de abril de 2025 às 07h17.
Última atualização em 15 de abril de 2025 às 07h20.
As indústrias brasileiras de calçados e de veículos estão otimistas diante das mudanças na economia argentina puxadas pelo novo acordo bilionário do país com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Ao mesmo tempo que veem perspectiva de mais exportações e estímulo a negócios e investimento com o país vizinho, porém, alertam que o cenário de guerra comercial entre Estados Unidos e China vai trazer desafios adicionais ao Brasil, com novos concorrentes de olho no mercado sul-americano.
Entre as montadoras, por exemplo, a expectativa é de expansão do mercado interno argentino e, por consequência, das exportações de peças e veículos brasileiros para o país vizinho.
"A Argentina é uma extensão do mercado brasileiro. Os investimentos e linhas de produção dos dois países são complementares, ficam sob uma mesma administração. Em 2024, o mercado argentino produziu cerca de 400 mil veículos. A estimativa seria de um crescimento para 600 mil este ano. Com o regime de banda cambial, os carros tendem a encarecer na Argentina e essa previsão pode cair um pouco, mas ficando em cerca de 550 mil", afirma Márcio Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
O primeiro trimestre deste ano, diz Leite, da Anfavea, já demonstra avanços. De janeiro a março, o Brasil exportou 67,3 mil veículos para a Argentina, aumento de 120% na comparação com igual período de 2024, quando foram 30,7 mil. Nos primeiros três meses de 2025, o Brasil importou 53 mil veículos argentinos, tendo a balança comercial a seu favor.
"A expectativa é que neste ano mais de 50% das vendas de veículos produzidos no Brasil sejam feitas na Argentina. Ainda que haja um pequeno recuo, o Brasil vai exportar de 270 mil a 300 mil veículos para lá", frisa o executivo. "É importante para o Brasil a Argentina estar encontrando um caminho bom, com mercado crescendo e inflação sendo contida".
As preocupações da indústria automobilística nacional estão concentradas nos efeitos indiretos que a taxação de importações do México para os Estados Unidos pelo governo de Donald Trump poderá trazer para o Brasil. Leite explica que 76% das exportações das montadoras mexicanas seguem para o mercado americano.
"Essas medidas dos EUA farão o México ter capacidade excedente de produção. E ele terá de buscar novos mercados. Pelo acordo com o Mercosul, a região e o Brasil serão destino para esse excedente. Então, teremos maior concorrência dos mexicanos, que têm custo de produção entre 15% e 20% mais baixo que o nosso", alerta o presidente da Anfavea.
A indústria calçadista brasileira viu as exportações subirem para 31,5 milhões de pares no primeiro trimestre, 14,1% mais que em janeiro a março de 2024. Em valor, o avanço foi de 6,5%, para perto de US$ 270 milhões, movimento puxado por Estados Unidos e Argentina. Em março, o país sul-americano assumiu a dianteira, com um salto de quase 111% nas exportações do Brasil na comparação com igual mês do ano passado.
Para Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, que reúne as empresas do setor calçadista, a redução do prazo de acesso a câmbio para exportações vai trazer agilidade a esse comércio.
"Agora, assim que a importação entrar na Argentina, já será possível acessar o mercado de câmbio para pagar o produtor exportador. E isso vai trazer mais agilidade. Mas não há, até agora, um cronograma de liberação de valores retidos anteriormente. Há empresas com saldos de um a dois anos a receber", destaca.
De outro lado, como estratégia para forçar a redução de preços na Argentina, o governo anunciou a redução da tarifa de importação sobre roupas e calçados de 35% para 20%.
"O Brasil nunca pagou esse imposto por estar no Mercosul. Mas, no mesmo momento em que há a melhora no câmbio, permitindo a todo exportador brasileiro receber no momento em que a remessa é internalizada - na Argentina, o país baixou a tarifa padrão. E isso pode ser acesso a outros países, mais risco de concorrência", frisou ele, destacando que a principal concorrência poderá vir da China.
Também a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) avalia que, se o novo sistema cambial argentino tiver êxito, será positivo para o comércio entre os dois países. Luiz Ribas Júnior, gestor de Mercado Internacional da entidade.
"Se der certo, pode trazer previsibilidade nos negócios. Para o exportador, pode trazer uma segurança quanto à previsibilidade do câmbio e nas negociações", diz ele.
Ribas Júnior espera ainda que o comércio retome seu fluxo regular, inclusive no que diz respeito ao pagamento de valores em dólares devidos às exportadoras brasileiras e ainda retidos na Argentina:
"A tendência de maior agilidade para o acesso ao mercado de câmbio deve facilitar o comércio, que deve retornar ao seu fluxo normal".
A Argentina é o maior produtor de trigo da América do Sul e o principal fornecedor do mercado brasileiro. No ano passado, foram 4,2 milhões de toneladas, cerca de 63% do volume total de trigo importado, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).
Em 2024, cada tonelada de trigo importado da Argentina saiu por, em média, US$ 250,19, o quarto melhor preço entre os países produtores.
Presidente-executivo da associação, Rubens Barbosa afirma que o setor não prevê impacto das mudanças cambiais do país nas importações brasileiras, já que o preço segue a cotação internacional da commodity. Mas prevê um aumento no volume de importações por conta na melhora na safra argentina:
"Acredito que vamos importar mais e isso não tem a ver com o preço, mas com a oferta. A produção de trigo na Argentina cresceu e a expectativa para esse ano é que fique entre 17 e 18 milhões de toneladas. Normalmente, de 80% a 85% da nossa demanda vem de lá, mas a produção estava mais baixa".