Sede do BNDES: o MP entrou com representação no TCU pedindo a suspensão da linha de US$ 12 bilhões destinada a exportação de serviços de engenharia (Arquivo)
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2015 às 17h55.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) perdeu um total estimado em mais de US$ 2 bilhões ao fixar taxas de juros ilegalmente baixas para obras de construtoras em países de grau especulativo, segundo o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP/TCU).
O órgão, responsável por aferir gastos públicos, entrou com representação no tribunal pedindo a suspensão da linha de US$ 12 bilhões destinada a exportação de serviços de engenharia.
O MP alega que os empréstimos estão corroendo um fundo trabalhista estatal, que, segundo a Constituição Federal, pode ser usado pelo BNDES, mas deve ter seu valor preservado.
Mais de dois terços desse dinheiro foram usados para financiar projetos em países como Angola e Venezuela tocados pela construtora Odebrecht SA, cujo presidente foi indiciado nesta semana em meio a uma investigação separada de corrupção à estatal Petrobras.
Os empréstimos usam recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), usado para pagamento de seguro-desemprego e abono salarial.
O procurador responsável, Marinus Marsico, encontrou o que considera serem outros indícios de irregularidade na forma de concessão dos empréstimos.
Apenas duas empresas concentram 91% dos recursos, foram financiados apenas países com risco elevado de calote e há possível classificação indevida como exportação, pois não há garantia de emprego de brasileiros em obras no exterior.
“Estamos questionando os reais benefícios sociais desses empréstimos”, disse o procurador federal Marinus Marsico, que liderou o inquérito preliminar de nove meses sobre o banco, em uma entrevista.
“Se o objetivo do BNDES é promover o desenvolvimento nacional, por que o banco está alocando fundos escassos para poucas empresas privadas no exterior?”.
A representação vem ao mesmo tempo em que a Câmara autorizou pedido de abertura de uma CPI do BNDES. Escândalos de corrupção em série paralisaram as construtoras e racharam a aliança política de que a presidente Dilma Rousseff precisa para estabilizar a economia e evitar um rebaixamento da nota de crédito soberano.
No governo Dilma e no de seu antecessor, o BNDES se transformou em uma potência do crédito, cujo portfólio é 50 por cento maior do que o do Banco Mundial.
Marsico apresentou o relatório com suas conclusões na segunda-feira, em Brasília, e está pedindo que o tribunal que supervisiona os gastos do governo, o TCU, suspenda os empréstimos para exportação de serviços de engenharia até que a corte chegue a uma conclusão.
Também pede responsabilização de agentes públicos, em caso de confirmadas irregularidades.
O cálculo do MP de perdas de US$ 2,15 bilhões é uma estimativa feita com base nas regras de dois contratos públicos na República Dominicana, estendidas a 539 contratos da linha, e inclui perdas por custo de oportunidade.
Marsico diz que um cálculo preciso é inviável diante da negativa do banco em compartilhar informações.
O procurador considera a posição ilegal e pede responsabilização do presidente do banco, Luciano Coutinho.
Por e-mail, em resposta a perguntas, o BNDES disse que não foi notificado a respeito da representação e que emprestou os recursos de acordo com a legislação brasileira e com base em critérios técnicos.
O montante de US$ 1,75 bilhão do BNDES em bonds seniores para 2023 caiu 0,75 centavos na terça-feira, para 99,75 centavos de dólar, seu terceiro dia seguido de prejuízos. É o nível mais baixo dos últimos quatro meses.
Tráfico de influência
O inquérito surge em um momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é alvo de uma investigação paralela do Ministério Público do Distrito Federal por suposto tráfico de influência, após o fim de seu mandato, para ajudar a Odebrecht a conseguir contratos no exterior.
A Odebrecht e Lula negaram qualquer irregularidade e preferiram não comentar essa reportagem.
Marsico, que é ex-membro do conselho fiscal do BNDES, estimou os prejuízos analisando os 539 contratos de financiamento de projetos de 10 construtoras entre 2007 e maio de 2015 usando dinheiro do FAT.
Os empréstimos ficaram muito concentrados na Odebrecht e na Andrade Gutierrez e, segundo o procurador, as taxas de juros de 2,8 por cento a 5,4 por cento não eram suficientemente altas para compensar a inflação, conforme exigido por lei.
O BNDES disse em seu comunicado que o uso do fundo dos trabalhadores é permitido por lei de 1996 e que oferece taxas em linha com as de outros bancos de exportação do exterior.
Entre os empréstimos investigados estão US$ 3,5 bilhões em projetos em Angola e US$ 2,2 bilhões, cada, para a Venezuela e a República Dominicana.
A Moody’s Investors Service classifica Angola como Ba2, dois níveis abaixo do grau de investimento. A República Dominicana e a Venezuela estão classificadas em quatro níveis e nove níveis abaixo do grau de investimento, respectivamente.
A representação faz uma análise técnica e não menciona a investigação de corrupção da Petrobras, que está sendo conduzida a partir de Curitiba, nem a investigação do Ministério Público a Lula por suposto tráfico de influência, em Brasília.
O caso agora passa ao TCU, onde deve ganhar um relator antes de poder entrar em processo de julgamento.