DE BOLLE: reforma tributária de Trump pode ter severas consequências para o comércio internacional, com implicações para o crescimento (Fernando Lemos/Exame Hoje)
Thiago Lavado
Publicado em 22 de dezembro de 2017 às 17h20.
Última atualização em 22 de dezembro de 2017 às 17h20.
A primeira vitória para os republicanos e Donald Trump foi aprovada nesta semana no Congresso: a reforma tributária, a maior revogação de impostos que os Estados Unidos viram em 30 anos. Apesar disso, os efeitos benéficos da reforma para a economia são alvo de debates entre economistas e especialistas do governo. O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, afirma que o déficit gerado pela reforma, de 1,5 trilhão de dólares em 10 anos, irá se pagar com o crescimento proporcionado. Gary Cohn, diretor do Conselho Econômico Nacional, disse que espera “facilmente” um crescimento de 4% no PIB dos Estados Unidos no ano que vem.
Poucos fora do governo concordam com essa visão. O banco Goldman Sachs afirma que o crescimento gerado será muito menor, e deve surtir efeito só nos primeiros anos. Segundo o Goldman, a economia americana deve crescer 2,5% no próximo ano, 1,8% em 2019 e depois os efeitos da reforma devem sumir dos cálculos. Para Monica de Bolle, economista e pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional em Washington, a reforma pode ter aspectos positivos, mas as promessas do governo parecem um pouco exageradas e podem ter consequências mais drásticas no comércio internacional.
Como você enxerga a reforma tributária aprovada pelos republicanos nesta semana?
Para avaliar os cortes de impostos, há que separá-los em duas partes: a redução dos impostos corporativos, e os cortes que incidem sobre indivíduos. A redução dos impostos sobre as empresa é, de modo geral, positiva, na medida em que serve para equiparar a tributação americana à tributação mais leniente de outros países maduros. Há potencial para que isso aumente a competitividade das empresas americanas, o que poderia aumentar um pouco o crescimento. Mas há dois problemas nisso. O primeiro é que iniciativa de cortar os impostos corporativos nos Estados Unidos pode fazer com que outros países resolvam fazer o mesmo para não perder competitividade relativa, o que poderia acabar não mudando muito a posição americana ao longo do tempo. Isso impediria a materialização de ganhos maiores de competitividade e crescimento no médio prazo. O segundo é que há diferenças no tratamento de insumos comprados nos Estados Unidos, sobre os quais haverá isenção tributária, e insumos importados, sobre os quais não haverá isenção. Tal tratamento diferenciado para bens domésticos e bens importados fere algumas regras da Organização Mundial do Comércio e poderia acabar servindo como um incentivo para que outros países adotem a mesma postura. Isso pode ter severas consequências para o comércio internacional, com implicações perversas para o crescimento.
Como o corte de impostos afeta os indivíduos de diferentes estratos sociais?
A redução de impostos para os indivíduos afeta desproporcionalmente os mais ricos, impulsionando a desigualdade nos próximos anos. Sociedades mais desiguais tendem a crescer menos, o que significa que no médio prazo a mudança pode ser prejudicial para o crescimento dos Estados Unidos. Além disso, várias isenções que hoje incidem sobre a classe média, como a dedução do pagamento de juros sobre hipotecas de imóveis e as deduções de impostos estaduais e locais, estão sendo reduzidas para financiar parte do rombo fiscal criado com a nova legislação. O resultado será, novamente, uma estrutura tributária mais regressiva do que a anterior.
E quanto ao crescimento econômico? Os números do governo são exagerados?
A redução de impostos pode até gerar algum crescimento maior no curto prazo — a magnitude exata é difícil de prever, mas por certo deve ser menor do que a projetada pelo Tesouro. No médio prazo, esse efeito benéfico sobre o crescimento deve desaparecer, restando uma estrutura tributária mais regressiva, o risco de efeitos perversos sobre o comércio internacional, e um déficit fiscal considerável que terá de ser eventualmente equacionado por novo aumento de impostos ou cortes de gastos, diante do alarmante estoque da dívida americana.
Trump afirma que o projeto irá gerar mais empregos. Podemos esperar por isso?
Em relação aos efeitos sobre o emprego, diante da crescente automatização da indústria tradicional e das profundas mudanças tecnológicas que estão alterando rapidamente a estrutura produtiva nos Estados Unidos, difícil é acreditar que os cortes ajudarão a criar mais postos de trabalho. Não foi assim com Reagan, menos ainda será com Trump nessa nova era de robôs e máquinas.