Bifes de carne bovina em fazenda em San Antonio de Areco, na Argentina: carne de laboratório pode ser semelhante? (Victor J. Blue/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de novembro de 2018 às 18h33.
Última atualização em 12 de novembro de 2018 às 18h39.
A quatro quadras da Casa Rosada, o palácio presidencial, no centro de Buenos Aires, um trabalhador da construção civil organiza o almoço de sua equipe de 25 pessoas.
Em vez de ir buscar sanduíches em algum lugar por perto, ele coloca dois enormes pedaços de carne e linguiças dentro da pá de uma escavadeira mecânica de 90 centímetros de altura que serve de churrasqueira improvisada.
“É um luxo que nós não estamos dispostos a abrir mão”, diz Carlos, um dos trabalhadores, que pagará 135 pesos (US$ 3,80) pela refeição servida sem salada e nem mesmo prato. “Sem o nosso churrasco de fim de semana nós não sobreviveríamos.”
Os argentinos estão dispostos a sacrificar bastante em meio à recessão mais longa em 17 anos -- desde comprar pão amanhecido até renunciar a massas de marcas de primeira linha. Mas não abrem mão da carne bovina.
Na Argentina, o sexto maior país produtor de gado, o churrasco está tão arraigado nos hábitos culinários e sociais que o consumo se mostra resiliente ao aperto do cinto.
Os argentinos devoraram seus famosos cortes de carne grelhada a uma taxa anualizada de 57,7 quilos por pessoa nos 10 primeiros meses do ano, nível um pouco superior ao dos últimos dois anos, segundo dados compilados pela câmara da indústria e comércio de carnes, a CICCRA. A queda registrada em setembro não durou muito, já que o consumo voltou a subir em outubro.
Os dados mostram que a Argentina ainda é muito mais carnívora do que países muito mais ricos em uma base per capita. A conclusão não surpreende considerando a maciez e o sabor da carne do país, cujo gado é criado no pasto.
Mas isto acontece em um momento em que a projeção é de que a economia terá uma contração de 2 por cento neste ano, com uma inflação de cerca de 40 por cento, um índice de desemprego perto de 10 por cento e uma desvalorização de quase 50 por cento do peso, a maior entre as moedas de mercados emergentes. Não surpreende, portanto, que a confiança do consumidor seja a menor desde a posse do presidente Mauricio Macri, no fim de 2015.
Outros itens básicos estão sendo duramente atingidos.
O consumo de pão caiu 40 por cento em setembro em relação a agosto, segundo uma organização que representa 300 padarias, em parte devido ao aumento dos custos depois que Macri reduziu os subsídios à energia.
“Esta crise é a pior que já vi em meus 76 anos”, disse Daniel Insua, conselheiro e ex-presidente de uma associação de padeiros, por telefone. “Muitos dos nossos membros estão voltando a usar forno a lenha porque sai mais barato do que usar gás natural.”
O consumo de gasolina premium também caiu porque as pessoas estão optando pelo combustível comum, mais barato, e os consumidores estão escolhendo opções mais baratas de massas, arroz e refrigerantes. Mas não há muitos indícios de que estejam procurando proteínas mais baratas.
“Algumas pessoas, principalmente os aposentados, estão comprando menos carne, mas continuam comprando”, disse Delfina Porcel, que tem um açougue e uma mercearia no bairro de Constitución, em Buenos Aires. “A maioria parou de comprar tomate ou alface, mas não carne de vaca.”