Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: direções opostas na definição da política fiscal e das privatizações (Andre Borges/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 24 de agosto de 2020 às 16h21.
Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 21h06.
Na esteira da sua estratégia para acalmar os ânimos do mercado e, ao mesmo tempo, acenar para o eleitorado de 2022, o governo prepara um mega pacote de medidas, que deve incluir desde um novo programa de renda básica, até marcos legais e gatilhos para destravar o Orçamento.
Apesar de receber de forma positiva a parte ligada à questão orçamentária, economistas de mercado temem que o plano tire o foco da atual gestão no ajuste fiscal e acabe dando início a uma nova fase de gastança pública, como aconteceu nos últimos anos do governo Dilma.
A semana já começou com sinais negativos sobre esse assunto. O núncio estava sendo esperado para esta terça-feira, 25, porém, pode ser adiado, segundo fontes próximas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ouvidas pelo jornal O Globo, porque algumas medidas ainda não estão prontas.
“Vejo vários planos com nome verde amarelo, num tom nacionalista. O problema é que vários deles significam aumento de gastos e elevam as preocupações com a questão fiscal nos próximos anos”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Vale se refere aos dois principais planos do pacote para o governo: o Renda Brasil, um substituto mais amplo do Bolsa Família, e o Casa Verde Amarela, programa de habitação que prevê juros reduzidos para a compra de imóveis, aos moldes do Minha Casa Minha Vida, criado durante a gestão petista.
O que mais interessa ao mercado, porém, parece ficar em segundo plano: “O pacto federativo e a reforma administrativa, que deveriam ser o grande foco, já não vejo indo para frente”, diz Vale.
Ambos ajudariam o governo a abrir espaço no Orçamento — que tem 95% das despesas vinculadas a despesas obrigatórias —, para reduzir a dívida federal, além de permitir mais gastos como obras de infraestrutura e outros tipos de investimentos.
Por ora, Guedes espera incluir três medidas de ajuste fiscal no pacote: uma para desvincular receitas restritas a fins específicos, outro para frear a expansão das despesas obrigatórias com um gatilho que congela salários de servidores, e a extinção de fundos públicos. Todas já haviam sido apresentadas no ano passado ao Congresso, mas não foram para frente.
Agora, a avaliação é que o apelo entre os parlamentares pelo ajuste fiscal é maior: “Me parece que os gatilhos podem ser aprovados no Congresso, porque virou uma pauta positiva perante a população e entre os próprios parlamentares, que vão poder capitalizar com isso também durante a campanha das eleições municipais”, diz Paloma Brum, economista da Toro.
A avaliação de Brum também traz o temor sobre a questão fiscal: “Existe espaço dentro do teto? Sim. O receio do mercado, porém, é que a gente possa bater esse teto no ano que vem ou 2022”, diz.
Criado em 2017, o teto de gastos é uma regra constitucional que prevê que o orçamento do ano só pode considerar a quantia do ano anterior somada da variação da inflação. Desde o ano passado, economistas alertam para a necessidade de rever as regras ou liberar espaço no orçamento.
Nesse sentido, os gatilhos serviriam para congelar gastos com salário de servidores, por exemplo, quando o uso do orçamento bater em um determinado nível, o que daria mais fôlego financeiro ao governo. Essa ideia, porém, ainda deve encontrar resistência no Senado, onde a tramitação vai exigir mais estratégia e capital político do governo, segundo Arthur Mota, economista da Exame Research:
“O Congresso emitiu um sinal ruim na semana passada, colocou um desafio apenas para o reajuste de salário, imagina agora a redução proporcional”, diz.
“O esforço de negociação (e recursos orçamentários) empregado na manutenção de um simples veto presidencial indica uma dificuldade muito maior em se aprovar a pré anunciada PEC que deverá endereçar o Renda Brasil, desvinculação de gastos e desoneração de folha de pagamento numa mesma emenda constitucional. O risco é o Congresso acabar aprovando apenas as medidas mais palatáveis e deixando as iniciativas de ajuste fiscal para um momento posterior”, completa a gestora Blueline em fechamento da semana passada.
Anunciado primeiro em abril, mas com foco em infraestrutura, o Pró-Brasil causou desentendimentos entre Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que defende a ampliação de obras públicas como motor da retomada pós-pandemia. Para agradar a gregos e troianos, o projeto final deve ser um mix das demandas dos dois lados dessa discussão.
“Esse ‘empacotamento’ num plano é bem clássico do Brasil, com o governo lançando planos grandes de uma vez só e tentando angariar capital político em cima deles, com apoio da sociedade”, diz Mota.
Na avaliação de Vale, é uma pauta muito ambiciosa para um semestre que promete ser conturbado, em função da discussão ainda indefinida sobre o orçamento do ano que vem, das eleições municipais e da troca dos presidentes da Câmara e do Senado: “Pauta muito ambiciosa para semestre apertado, parece não se conseguir avançar como se deveria”, diz.
As tensões no mercado financeiro com a respeito do cenário fiscal cresceram após o que Guedes chamou de uma “debandada” da equipe econômica, com a saída de Salim Mattar (privatizações) e Paulo Uebel (Desburocratização), há duas semanas, levando para seis o número de baixas da pasta.
O movimento foi sucedido pelo aumento das cobranças públicas do ministro por um apoio presidencial à manutenção do teto de gastos. O problema é que esse suporte por parte do presidente veio, mas de maneira dúbia, analisou a BlueLine em nota, na semana das demissões:
“A falta de convicção do presidente na agenda liberal do ministro, a baixa probabilidade de uma guinada significativa na direção de uma agenda de reformas e a ausência de saídas para o abismo fiscal que nos espera à frente, nos fazem reduzir a confiança nos fundamentos econômicos do Brasil”.