Ilhas Bermudas são um dos paraísos fiscais identificados no mapa (Wikimedia Commons/Wikimedia Commons)
João Pedro Caleiro
Publicado em 28 de setembro de 2019 às 10h00.
Última atualização em 30 de setembro de 2019 às 10h43.
São Paulo - O que é um paraíso fiscal? Não há uma definição única aceita internacionalmente, mas o mapa Missing Profits sugere que a resposta pode estar na expressão "eu sei quando vejo um".
O mapa interativo mostra em verde os países que têm ao mesmo tempo baixa taxação corporativa e altos níveis de receita cuja origem são transferências de multinacionais estrangeiras.
Entre eles estão ilhas do Caribe como Aruba, Bermudas e Bahamas, ilhas do Pacífico como as ilhas Seychelles e Maurício, países da Ásia como Singapura e europeus como Bélgica, Holanda, Mônaco e Irlanda.
Do outro lado estão os países, identificados pelas cores amarela e rosa, que taxam as corporações em níveis mais altos e acabam perdendo os maiores níveis de receita de impostos, como os Estados Unidos e grandes economias europeias como Itália, França e Alemanha.
O mapa foi feito com base em um estudo de pesquisadores da Universidade de Copenhagen usando fontes da OCDE, Eurostat e do escritório de análise econômica dos Estados Unidos (US BEA).
A coordenação é de Gabriel Zucman, professor da Universidade da California em Berkeley e autor de “The Hidden Wealth Of Nations” (“A Riqueza Escondida Das Nações”, em tradução livre), que se tornou uma referência sobre o tema.
Zucman é assessor econômico de Elizabeth Warren, uma das favoritas para ganhar a candidatura democrata para a Presidência dos Estados Unidos.
O texto indica que as multinacionais americanas enviam comparavelmente mais lucro (cerca de 60% dos seus lucros) do que multinacionais de outros países (40% na média mundial).
"Os acionistas das multinacionais dos EUA parecem ser portanto os grandes ganhadores do desvio global de lucros", diz o texto.
Vale lembrar que, apesar das críticas, isso não significa que os esquemas criativos de desenho tributário para aproveitar vantagens em escala global sejam ilegais.
Os mais de US$ 650 bilhões de dólares em 2016 desviados para os "paraísos fiscais" reduzem a receita advinda do imposto corporativo em cerca de US$ 200 bilhões, ou 10% do total.
Uma estimativa anterior da OCDE fazia um cálculo "conservador" de que essa perda anual ficava na faixa entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões por ano.
O mapa não traz estimativa para vários países latino-americanos e para quase nenhum país africano e do Oriente Médio, mas o Brasil está exatamente na média mundial: 10%, próximo do México e da Polônia mas o dobro de Índia e Turquia, ambos com 5%.
"Esses países tem grandes setores domésticos, em particular China e Índia, então estão menos expostos à transferência de lucros", escreve Ludvig Wier, um dos pesquisadores, em e-mail para EXAME.
No caso do Brasil, o desvio anual é de US$ 17 bilhões, o que significa uma perda de receita em impostos de quase US$ 6 bilhões.
Para Ludvig, o ideal é que o país publicasse os dados de transferências de cada multinacional que opera no país, além de investir em inteligência artificial avançada para acompanhar todas as transações.
No plano internacional, os autores pedem por uma reforma global com uma taxação mínima e um sistema pelo qual uma multinacional que tenha 10% das suas vendas no Brasil, por exemplo, reporte a mesma proporção em lucros no país.
O principal destino identificado no mapa para os lucros que saem do Brasil é a Holanda, que não é considerado um paraíso fiscal pela Receita Federal.
Isso porque o critério brasileiro é que paraísos fiscais são aqueles que tributem lucro abaixo de 20% ou no qual os registros dos sócios das sociedades sejam sigilosos, destaca Fernando Brandariz, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/SP subseção Pinheiros e sócio do Mingrone e Brandariz Advogados.
Frederico Bastos e Daniel Zugman, sócios do BVZ Bastos Advogados e professores de direito tributário da FGV e do Ibmec, observam que a escolha da Holanda não se dá apenas por razões tributárias, mas também por ser um país com grande ramificação de tratados internacionais que historicamente serviu como plataforma para multinacionais atuarem em outras economias.
"Isso deixa o investidor estrangeiro que vai para um outro país mais confortável. Não é algo apenas financeiro, é também uma questão de previsibilidade e cultura de estabilidade", dizem.
Eles notam que o país já tem algumas ferramentas contra deslocamento de lucros, como regras de preço de transferência e tributação de controladas no exterior, e para subcapitalização, que é quando a empresa se endivida com entidades estrangeiras do mesmo grupo para obter benefícios tributários.