Economia

Lula propõe a criação de moeda comum na América do Sul para importação e exportação

O presidente também tratou da adoção de uma moeda comum entre o Brasil e a Argentina. Os dois países já estabeleceram bases para transações assim no passado, mas o mecanismo não vingou

Veja como funcionaria a moeda comum à América Latina (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Veja como funcionaria a moeda comum à América Latina (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Estadão Conteúdo
Estadão Conteúdo

Agência de notícias

Publicado em 30 de maio de 2023 às 16h12.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs nesta terça-feira, dia 30, na cúpula de países sul-americanos promovida pelo Brasil a criação de uma moeda comum para fins comerciais entre os 12 países da América do Sul.

Em linha com as seguidas contestações públicas da predominância do dólar nas transações financeiras globais, Lula sugeriu a adoção de uma moeda comum a todos na região, ao abrir o "retiro" de presidentes sul-americanos, promovido por ele em Brasília.

O objetivo do encontro é avançar em novas formas de integração continental e de diálogo permanente entre os presidentes.

Unidade de referência comum para o comércio

Lula fez uma série propostas, entre elas a criação "de uma unidade de referência comum para o comércio, reduzindo a dependência de moedas extrarregionais".

Segundo o petista, a iniciativa seria uma forma de "aprofundar nossa identidade sul-americana também na área monetária". Ele também lançou a ideia de que os países tenham mecanismos de compensação mais eficientes.

A proposta de Lula não é trocar o real ou as moedas nacionais dos demais países, de uso corrente pela população, mas instituir uma apenas para pagamentos de importações e exportações.

Escassez de dólar

A ideia vem sendo discutida pela escassez de dólar e impactos no comércio da política monetária de parceiros comerciais importantes, como a Argentina.

O presidente também tratou da adoção de uma moeda comum entre o Brasil e a Argentina, durante visita ao país em janeiro. Os dois países já estabeleceram bases para transações assim no passado, mas o mecanismo não vingou.

Em recentes viagens ao Japão e à China, Lula questionou frontalmente o domínio do dólar como a moeda mais aceita internacionalmente. O teor do discurso desagrada a Washington, e encontra eco em Pequim e Moscou, potências rivais dos Estados Unidos, único país emissor da moeda corrente.

Lula já afirmou que "sonha" com a criação de uma moeda para fins de comércio exterior como o euro, da União Europeia, pelos países dos BRICS. Ele disse que espera ver essa discussão avançar no Novo Banco de Desenvolvimento, instituição financeira criada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Além disso, os bancos centrais de Brasil e China começaram a cooperar neste ano para que o comércio e investimentos entre ambos sejam feitos driblando o uso do dólar, direto do real para o yuan, através de casas de compensação, sem necessidade de fazer a troca das divisas pelo dinheiro norte-americano.

Ideias de Lula

O presidente brasileiro fez ao todo dez propostas aos pares sul-americanos. Além da moeda comum, Lula compartilhou as seguintes ideias:

  • Retomada da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), mecanismo de diálogo abandonado desde 2014 por divergências políticas, do qual é saudoso. Somente sete países - Brasil, Argentina, Peru, Bolívia, Venezuela, Guiana e Suriname - ainda fazem parte. Ele afirmou, contudo, que a regra de decisões tomadas em consenso, deve ser flexibilizada, para que possam avançar por meio de maioria de votos.
  • Indicar um representante presidencial de confiança para formar um comitê de diálogo a fim de tomarem decisões, no prazo de 120 dias, a respeito das propostas discutidas nesta terça-feira. Chamado de Grupo de Alto Nível, essa comissão de assessores presidenciais deverá "apresentar um mapa do caminho para a integração da América do Sul".
  • Colocar a "poupança regional" a serviço do desenvolvimento econômico e social, mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul e o BNDES.
  • Implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e desburocratizando procedimentos de exportação e importação de bens.
  • Ampliar os mecanismos de cooperação de última geração, que envolva serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de concorrência.
  • Atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), reforçando a multimodalidade e priorizando os de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões de fronteira.
  • Desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do clima.
  • Reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, que nos permitirá adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer nosso complexo industrial da saúde e expandir o atendimento a populações carentes e povos indígenas.
  • Lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia, que assegure o suprimento, a eficiência do uso de nossos recursos, a estabilidade jurídica, preços justos e a sustentabilidade social e ambiental.
  • Criar programa de mobilidade regional para estudantes, pesquisadores e professores no ensino superior, algo que foi tão importante na consolidação da União Europeia.
  • Retomar a cooperação na área de Defesa com vistas a dotar a região de maior capacidade de formação e treinamento, intercâmbio de experiências e conhecimentos em matéria de indústria miliar, de doutrina e políticas de Defesa.

Retomada da Unasul

No discurso, Lula ressaltou a vontade do país de retomar instrumentos de integração regional, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

"A América do Sul tem diante de si, mais uma vez, a oportunidade de trilhar o caminho da união. E não preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor, sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção, mas ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta transições", disse.

O presidente busca recuperar a liderança regional do Brasil e atribuiu parte do vácuo político recente ao isolacionismo do ex-presidente Jair Bolsonaro, crítico do multilateralismo, que chamava pejorativamente de "globalismo".

"No Brasil, um governo negacionista atentou contra os direitos da sua própria população, rompeu com os princípios que regem a nossa política externa e fechou nossas portas a parceiros históricos. Nosso país optou pelo isolamento do mundo e do seu entorno. Essa postura foi decisiva para o descolamento do país dos grandes temas que marcaram o cotidiano dos nossos vizinhos", criticou Lula.

Grupos extremistas

O presidente afirmou que um dos desafios futuros da região é lidar com "grupos extremistas" e fez referência à tentativa de golpe promovida por bolsonaristas em 8 de janeiro. "No Brasil e em outros países, recentes ataques a instituições democráticas, inclusive às sedes dos poderes constitucionais, nos ofereceram uma trágica síntese da violência de grupos extremistas, que se valem de plataformas digitais para promover campanhas de desinformação e discursos de ódio", disse.

O petista reconheceu que a divisão ideológica na América do Sul interrompeu o esforço de integração e fez com que os líderes abandonassem os canais de diálogo e mecanismos de cooperação. Desde 2015, os países racharam em agremiações de viés político divergente, a depender da orientação do governo: Unasul e Grupo de Puebla, à esquerda; Prosul e Grupo de Lima, à direita.

Lula afirmou que é preciso superar as divisões de tempos recentes. "Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem o esforço da integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação e, com isso, todos perdemos", afirmou. "Entendemos que a integração é essencial para fortalecimento da América Latina. Uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as possibilidades de afirmar no plano internacional uma verdadeira identidade latino americana e caribenha."

Participam da cúpula os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, da Bolívia, Luis Arce, do Chile, Gabriel Boric, da Colômbia, Gustavo Petro, do Equador, Guillermo Lasso, da Guiana, Irfaan Ali, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do Suriname, Chan Santokhi, do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e da Venezuela, Nicolás Maduro.

Peru

A exceção é a presidente do Peru, Dina Boluarte, que enviou ao País o presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola. Dina assumiu o governo peruano após a destituição de Pedro Castillo pela tentativa de um golpe de Estado e, por motivos constitucionais e em meio à crise política local, não pode deixar o Peru.

Além do discurso de abertura de Lula e pronunciamentos de todos os chefes de Estado. Na parte da tarde, haverá conversas informais em formato reduzido - os presidentes podem levar apenas seu chanceler e, no máximo, mais dois assessores.

À noite, as delegações participam de um jantar organizado por Lula e pela primeira-dama Janja da Silva no Palácio da Alvorada. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, a ideia da cúpula é ser uma espécie de "retiro" - ou seja, criar a oportunidade de um diálogo informal, uma troca de ideias para retomar laços estremecidos nos últimos anos.

Acompanhe tudo sobre:ArgentinaDólarMercosulAmérica Latina

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo