Economia

Loes, da Kairós: Não veremos quadro completo do orçamento de 2021 agora

Acaba na segunda-feira o prazo para que o governo envie seu plano de gastos de 2021 ao Congresso; o Renda Brasil, porém, ainda não deve estar no documento

André Loes, economista e sócio da gestora Kairós Capital (Leo Martins/Kairós/Divulgação)

André Loes, economista e sócio da gestora Kairós Capital (Leo Martins/Kairós/Divulgação)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 29 de agosto de 2020 às 08h00.

Última atualização em 31 de agosto de 2020 às 15h27.

Na segunda-feira, 31, expira o prazo para o governo enviar ao Congresso seu plano orçamentário de 2021. A tarefa é especialmente desafiadora neste ano, pois exige que a equipe técnica encontre espaço para atender a demandas sociais e econômicas que se tornaram urgentes na pandemia, mas sem perder o tom do ajuste fiscal.

Diante da falta de concordância sobre o desenho do Renda Brasil — substituto mais amplo do Bolsa Família, e um dos principais projetos do governo para estimular a retomada —, no entanto, é pouco provável que o quadro completo do ano que vem apareça agora, segundo André Loes, sócio da gestora multimercado Kairós Capital.

Mesmo com mais de 90% do orçamento comprometido, há espaço para criação do programa assistencial sem ferir a regra do teto de gastos (que virou lei em 2017 para impedir o aumento dos gastos obrigatórios acima da inflação), segundo ele. Porém, isso demandaria uma redução das despesas obrigatórias do governo. Da forma como está hoje, o teto de 2021 não comporta o Renda Brasil, que consumiria R$ 40 bilhões a mais ao ano.

"Eu ficaria muito surpreso se o governo conseguisse mandar uma proposta de criação de um programa permanente de assistência junto com contrapartidas orçamentárias agora", diz Loes, que foi diretor executivo do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) até o ano passado, e é ex-economista-chefe de instituições financeiras como HSBC e Bozano, Simonsen.

À Exame, Loes diz que o Brasil passa por um momento delicado de definição de estratégias para a retomada, e que vê o quadro fiscal com preocupação. No entanto, acha pouco provável que a política fiscal expansionista vista no segundo governo Dilma se repita: "Acredito que o país aprendeu alguma coisa com a recessão de 2015/2016", diz.

Leia trechos da entrevista:

Diante da aparente falta de sintonia entre alas de dentro do governo sobre os planos para a retomada, qual é o risco de o país repetir erros da 2ª metade da gestão Dilma no cenário fiscal?

Acredito que o país aprendeu alguma coisa com a recessão de 2015/2016. Isso se refletiu na eleição de um presidente amparado em um discurso fiscalista, e de um Congresso que aprovou uma boa reforma da Previdência. Nesse sentido, não vejo o governo enveredando por um caminho que signifique deterioração fiscal adicional àquela que já sofreremos por conta da pandemia.

No entanto, nossa situação fiscal pós-pandemia é muito delicada, e é muito importante que o teto de gastos seja respeitado em seu formato original em 2021, mesmo que se venha a discutir modificações nas regras de indexação do teto para os anos seguintes, pois, nesse momento, há percepção entre os agentes econômicos de que a trajetória da relação dívida/PIB está em risco.

Criar as condições para que se acomode as demandas políticas do presidente (programa de renda mínima + aumento do investimento público em infra-estrutura) sem desrespeitar a regra do teto não é simples, mas é factível. Basta avançar em uma série de matérias que já se encontram propostas nas PECs Emergencial e do Pacto Federativo.

Há chances de essa questão estar bem resolvida no projeto de lei orçamentária que o governo deve enviar ao Congresso na segunda-feira? 

Me parece que ainda não há consenso em torno do desenho do Renda Brasil internamente. Por isso, acho mais provável que ele mande o que der, por enquanto, e, depois, introduza os assuntos que faltarem no Congresso.

Seria, basicamente, o Renda Brasil, a PEC emergencial e a do pacto federativo, que seriam formas de abrir espaço no orçamento para acomodar os planos do governo sem desrespeitar o teto. A gente não vai ter o quadro completo agora, só daqui a alguns meses.

Eu ficaria muito surpreso se o governo conseguisse, no dia 31, mandar uma proposta de criação de um programa permanente de assistência junto com contrapartidas orçamentárias agora, que dependem de aprovação.

Com o teto apertado e insuficiente para o ano que vem, há quem defenda uma flexibilização para acomodar investimentos do governo. Como o senhor vê essa discussão?

Não acho provável haver flexibilização do teto agora, porque ainda há espaço para cumprir com algumas acomodações. Mas agora é uma boa oportunidade para começar a discutir alternativas para enquadrar novas despesas em 2021 e, assim, reduzir as incertezas para o futuro. Não sei se o governo vai conseguir isso, politicamente, não é fácil essa negociação.

Por outro lado, o volume de investimentos que o governo faz hoje é ridículo, de pouco mais de 0,5% do PIB. Nenhum país consegue crescer e se desenvolver com um nível baixo de investimento público. Por mais que você faça privatização, concessão etc, há uma série de investimentos que o setor privado não vai suprir.

Reduzir as despesas obrigatória, que crescem rapidamente, durante muitos anos, é a solução ideal para solucionar essa equação perversa. Enquanto não conseguimos fazer uma reforma administrativa, há outras ferramentas. Além das PECs dos gatilhos, que devem ser analisadas pelo Congresso, há também muitas desonerações a setores e regiões que foram sendo criadas ao longo dos últimos 20 anos, que podem ser reduzidas.

 

 

Acompanhe tudo sobre:CongressoEntrevistaOrçamento federalRenda Brasil

Mais de Economia

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor