Pequeno negócio: "É o movimento do dia a dia que financia suas necessidades de curto prazo", diz Gonzalez (Andréa Rêgo Barros/PCR/Fotos Públicas)
Ligia Tuon
Publicado em 23 de junho de 2020 às 11h00.
Última atualização em 23 de junho de 2020 às 11h47.
Responsáveis por 30% da riqueza anual gerada pelo Brasil, as micro e pequenas empresas vão sofrer os piores efeitos da retração de crédito durante a crise causada pelo novo coronavírus, diz estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgado nesta terça-feira, 23. O levantamento estima em R$ 202 bilhões a lacuna existente entre a oferta e a demanda anual por crédito do setor.
Tradicionalmente, negócios menores têm mais dificuldade de pegar dinheiro emprestado, por sofrerem maior risco de falência, e pela escassez de informações sobre histórico de crédito. Essa situação se tornou dramática há alguns meses, quando veio a quarentena:
"Grande parte do funcionamento de negócios menores vem das suas vendas. Sob a ótica da gestão financeira, é o movimento do dia a dia que financia suas necessidades de curto prazo. Por isso, perderam fonte improtante do seu capital de giro", diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV e um dos autores do estudo.
A maior parte dos 17 milhões de micro e pequenos empreendedores faz parte do comércio varejista, segmento duramente atingido pelas medidas de isolamento contra a disseminação da covid-19.
Em busca de uma fonte alternativa de capital para sobreviver, os pequenos empresários procuraram os bancos, mas 86% dos pedidos feitos entre 7 de abril e 5 de maio foram negados, como mostra pesquisa do Sebrae com parceria da FGV. Desde o início das medidas de isolamento, apenas 14% tiveram sucesso, levando a demanda não atendida por crédito a R$ 57 bilhões no segundo trimestre, estima o estudo.
Do governo federal, a primeira ajuda foi falha, como o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, admite. Os R$ 40 bilhões disponibilizados para financiar folhas de pagamento não atenderam às reais necessidades do setor, já que, na prática, o problema das empresas era manter o custo fixo das operações, o que não seria contemplado pela linha do governo criada para ajudar a pagar o salário de funcionários.
Apenas R$ 2 bilhões chegaram aos bolsos dos micro e pequenos empresários, 5% do que a equipe econômica previa emprestar. Esse valor reduziu o custo da folha de 1,3 milhão de empregados, em mais de 79.000 empresas, muito abaixo dos 12,2 milhões de empregados e 1,4 milhão de empresas previstos inicialmente.
A principal crítica de economistas é em relação às garantias, que deveriam ter sido dadas desde o início pelo Tesouro Nacional: "Não faz sentido esperar que os bancos privados assumissem o risco desses empréstimos durante a crise, se eles não fazem isso nem sem crise", diz Gonzalez. Na primeira linha anunciada, o Tesouro garantia 85% do valor em caso de calote. Os outros 15% ficariam com as instituições.
A grande maioria dos pequenos empresários foram buscar crédito primeiro nos bancos públicos, como mostrou o Sebrae em pesquisa recente. Essas instituições, no entanto, foram as que menos atenderam os pedidos do segmento, mais aceito entre as cooperativas de crédito e, em segundo lugar, bancos privados.
Gonzalez alerta ainda para a importância da saúde desses negócios para o mercado de trabalho, já que são responsáveis por mais da metade dos empregos formais no país:
Na semana passada, foi anunciado um novo plano, o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que oferece garantia total de um fundo de 15,9 bilhões de reais do Tesouro Nacional aos bancos. Desta vez, as pequenas que aderirem devem ter permissão para demitir parte do quadro de funcionários, o que antes era proibido e também acabou afastando interessados.
Para Gonzalez, no entanto, não será suficiente para atender quem precisa, já que a tendência daqui para frente é que os bancos retraiam ainda mais suas linhas em meio ao cenário de grande incerteza e risco: "Os pequenos negócios estão dependendo de duas coisas: a duração da pandemia e o quanto do dinheiro prometido ainda vai chegar na ponta. Nesse momento, o que vai funcionar é um papel contracíclico por parte do governo federal e de seus bancos públicos", diz.
O saldo da carteira de crédito nos cinco maiores bancos comerciais em 2019 foi de R$ 221 bilhões, de acordo com o estudo da FGV: "mais uma evidências de que mesmo antes da atual crise já havia insuficiência de oferta frente às necessidades de crédito das micro e pequenas.. A insuficiência persiste mesmo considerando os recursos do BNDES", diz Gonzalez.