São Paulo - O escândalo de corrupção aparentemente sem fim que consome o Brasil, centrado principalmente na Petrobras, tem dominado as manchetes e a atenção de investidores.
Mas o país ainda enfrenta, talvez, um problema maior e possivelmente mais difícil resolver: como tornar suas empresas menos dependentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES?
Os R$ 651,2 bilhões (US$ 212,5 bilhões) da carteira de crédito do banco estatal pressionam a dívida do governo e contribuem para colocar o país sob risco de um rebaixamento do crédito soberano para junk (grau especulativo).
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que tem reiterado desde que assumiu em janeiro esforços para preservar o grau de investimento, agora busca conter a generosidade do banco estatal demandando que as empresas obtenham parte de seu financiamento no mercado local de crédito corporativo.
“Vimos uma grande expansão de bancos públicos, inclusive do BNDES, nos últimos anos, mas isso não pode durar para sempre”, disse Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra SA.
Ainda que a ampliação da Operação Lava Jato em meio a uma economia em dificuldades sejam fatores que limitam o apetite do investidor, o Brasil poderá ter poucas outras chances de fazê-lo após anos de apoio estatal aos chamados “campeões nacionais”.
O aumento nos empréstimos totais do banco com sede no Rio de Janeiro -- cujos créditos podem sair a uma taxa de juros subsidiada de cerca de metade da taxa básica do país -- foi impressionante. O montante praticamente quintuplicou na última década, acima até do total de empréstimos concedidos pelo Banco Mundial, segundo dados disponíveis do site do BNDES.
Os R$ 187,8 bilhões que o banco emprestou no ano passado representaram mais de duas vezes o volume emitido no mercado de títulos corporativos do Brasil.
Aumento da dívida
Para pagar tudo isso o governo transferiu cerca de R$ 388 bilhões para o banco controlado pelo estado entre 2009 e 2014, segundo a Moody’s Investors Service.
Tais repasses ajudaram a elevar a dívida bruta do Brasil para o equivalente a 65,1 por cento do PIB, nível mais alto desde ao menos 2006.
“A expansão do BNDES com recursos do Tesouro se esgotou”, disse Levy, ao lado do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista coletiva para anunciar o plano no dia 9 de abril. “Nós precisamos aumentar o apetite por instrumentos de renda fixa”.
Coutinho disse que as empresas terão que vender no mercado local debêntures com vencimento de pelo menos dois anos para se qualificarem para o montante máximo possível de empréstimos do BNDES com a taxa subsidiada de 6 por cento. O programa é destinado a empresas com rating AA ou superior.
Múltiplos obstáculos
Em um comunicado enviado por e-mail, a assessoria de imprensa do BNDES disse que o banco não possui projeções sobre qual será a diminuição no volume total de empréstimos como resultado do programa.
O Ministério da Fazenda não respondeu a mensagens telefônicas e a e-mail questionando o possível impacto da medida sobre as contas fiscais do país.
O plano de Levy enfrenta múltiplos obstáculos.
Com a maior economia da América Latina a caminho de sua pior contração em um quarto de século e a taxa básica de juros a 12,75 por cento, nível mais alto dos últimos seis anos, as vendas de títulos locais despencaram 60 por cento no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.
Levy também tem enfrentado oposição no Congresso a esforços para reduzir gastos em um momento em que o descontentamento com a presidente Dilma Rousseff gera protestos e alimenta pedidos de impeachment.
Ainda assim, uma maior de títulos no mercado local ajudará a empresas do país a reduzir dependência em relação ao BNDES, disse Mansueto Almeida Jr., consultor econômico independente e ex-membro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, ligado ao governo.
“Isso deverá trazer algum alívio”, disse ele por telefone, de Brasília. “Trata-se de uma medida que pode ser tímida no início, mas que deverá criar uma estrutura legal importante para o futuro”.
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1. Nem só de Vale vive o BNDES
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1/11 (Divulgação)
São Paulo – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ganhou destaque nas últimas semanas, ao ser o principal representante do governo federal na Vale, a segunda maior mineradora do mundo. Por meio do BNDESPar, seu braço de participação em empresas, o banco é a voz do governo na articulação da queda de Roger Agnelli da presidência da Vale. Com 6,7% das ações ordinárias e 5,4% do capital total da empresa, o BNDESPar se alinhou aos fundos de pensão de estatais, que também participam do controle da Vale. Embora seja uma das empresas mais vistosas de seu portfólio, a Vale não é a que possui maior participação do BNDES. A atuação do banco é mais forte em outros setores, como energia e carnes. Confira, a seguir, as empresas onde o banco tem maior peso.
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2. CEG, privatizada, mas com presença do BNDES
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2/11 (Pedro Rubens)
A CEG, distribuidora de gás do Rio de Janeiro, foi privatizada em julho de 1997. Na ocasião, o governo federal obteve 430 milhões de dólares com sua venda ao grupo espanhol Gás Natural. Mesmo assim, o BNDESPar conta com uma participação remanescente de 34,56% no capital total da empresa. Em 2009 (últimos dados disponíveis), a CEG contava com quase 747.000 cliente sem 16 municípios do Rio de Janeiro, dos quais, 735.000 eram usuários residenciais.
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3. Brasiliana, herança das dívidas da AES
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3/11 (Caio Coronel)
A Brasiliana Energia foi criada em 2003, com o objetivo de reestruturar as dívidas que a americana AES possuía com o BNDES – à época, a cifra era de 1,2 bilhão de dólares. A Brasiliana é uma holding que assumiu o controle dos ativos da AES no Brasil, como a AES Tietê, Eletropaulo e Uruguaiana. Hoje, o BNDES detém 49,99% das ações ordinárias da empresa, o equivalente a 53,85% do capital total.
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4. Fibria e a criação de multinacionais brasileiras
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4/11 (Ricardo Teles)
A Fibria foi criada em setembro de 2009, a partir da fusão da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel (VCP). A formação da empresa contou com forte impulso do BNDES, seguindo a estratégia do governo de criar grandes multinacionais brasileiras. Para tanto, o BNDESPar assumiu o controle da operação. Na época, o banco detinha 34,9% da Fibria, deixando o Votorantim com 29,3%. Em troca, o BNDES liberou 2,4 bilhões de reais para que o Votorantim pudesse comprar a Aracruz. Atualmente, o banco possui 30,45% das ações ordinárias da empresa, maior produtora de celulose de eucalipto do mundo.
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5. Copel, intenção inicial era desestatizar a empresa
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5/11 (NANI GOIS)
O BNDESPar entrou para o quadro de controladores da Copel (Companhia Paranaense de Energia) em 1998, quando assinou um acordo de acionistas com o governo paranaense, dono da empresa. Na época, o objetivo era preparar a empresa para ser privatizada, dentro do Programa Nacional de Desestatização. Desde que assinou o acordo, o BNDES possui 26,41% das ações ordinárias da Copel e 21,21% das preferenciais, o que corresponde a 23,96% do capital total da empresa.
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6. Rede Energia conta com 21% nas mãos do BNDES
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6/11 (NANI GOIS)
A Rede Energia atua na distribuição, geração e venda de energia em sete estados, com maior presença no Centro-Oeste e no Norte. A empresa foi criada em 1985. Entre aquele ano e 1998, a companhia adquiriu cinco concorrentes. Hoje, atende 16,5 milhões de habitantes em 578 municípios. A Rede Energia é controlada pela Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema, com 79% das ações ordinárias. O BNDES não possui papéis com poder de voto na companhia. Sua participação é de 67,09% das ações preferenciais, o que equivale a 21,02% do capital total.
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7. JBS ganha impulso para aquisições com BNDES
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7/11 (Leonardo Colosso/Divulgação)
O JBS tornou-se a maior processadora de carne bovina do mundo, graças a um agressiva política de aquisições lançada na última década. Além dos recursos do IPO, realizado em maio de 2007, o JBS sempre contou com a ajuda do BNDES para fechar seus negócios. Além de subscrever a emissão de debêntures, o banco detém 17,54% das ações ordinárias do JBS. Como a empresa é listada no Novo Mercado da Bovespa, isso equivale também a 17,54% do capital total. Recentemente, porém, a relação com o BNDES trouxe mais dor de cabeça do que alívio. O JBS fechou 2010 com prejuízo líquido de 264 milhões de reais. Parte do mau desempenho foi atribuído ao pagamento de 521 milhões de reais em prêmio aos debenturistas (incluindo o BNDES) por não abrir o capital de sua subsidiária americana no prazo previsto.
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8. Paranapanema, uma herança da Caraíba Metais
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8/11 (Germano Lüders)
A Paranapanema é a maior produtora de metais não ferrosos do Brasil. O BNDES detém 17,23% das ações ordinárias da empresa, equivalentes também à mesma proporção do capital total. A participação do banco na Paranapanema é uma herança de outro negócio fechado há bem mais tempo. Em 1974, o então BNDE (sem o esse de Social) comprou a Caraíba Metais por 1 bilhão de dólares. A Caraíba foi, posteriormente, repassada pelo BNDES para a Paranapanema, mas o vínculo nunca mais se desfez. Em 1996, a companhia, em decadência após a morte de seu fundador, Octávio Lacombe, foi comprada por um grupo de fundos de pensão liderado pela Previ, dos funcionários do Banco do Brasil.
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9. Eletrobrás tem 15% em poder do BNDES
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9/11 (Eduardo Knapp)
A estatal Eletrobrás, que atua na geração e transmissão de energia, entre outros, conta com 15,20% de participação do BNDESPar no seu capital total. O BNDES também conta com uma fatia direta de 7,30% no capital total. Assim, entre seu braço de participações e investimento direto, o banco possui 22,50% da Eletrobrás. Parte das ações em poder do BNDESPar vieram de uma capitalização promovida pelo Tesouro Nacional em 2009. Na operação, o BNDES recebeu um total de 4,4 bilhões de reais em recursos do governo federal. A maior parte desse capital veio na forma de ações, como as da Eletrobrás. Antes da capitalização, o BNDESPar detinha 11,9% da estatal.
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10. Light, mais uma compra do BNDES para evitar o apagão
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10/11 (Bia Parreiras)
No início dos anos 2000, as distribuidoras enfrentavam problemas de caixa, devido ao rombo causado pelo racionamento de energia. Em 2003, o BNDES lançou um programa para salvar o setor. A linha de crédito ficou disponível por dois anos, mas apenas a fluminense Light, controlada pela francesa EDF, buscou ajuda. O banco aportou 727 milhões de reais na Light, por meio da compra de debêntures. O BNDES exigiu que a EDF também injetasse dinheiro próprio. Em troca, o banco prometeu converter debêntures em aços, na proporção de 2 reais de debêntures para cada real que a EDF injetasse na Light. Atualmente, o BNDES detém 15,02% das ações ordinárias da empresa, correspondente também a 15,02% de capital total.
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11. Marfrig, outra aposta do BNDES no agronegócio
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11/11 (Divulgação)
A participação do BNDES no Marfrig seja a mesma lógica do JBS – criar multinacionais brasileiras em setores onde o país é competitivo. Segundo maior frigorífico do Brasil, o Marfrig conta com 13,89% de participação do BNDES em suas ações ordinárias, e o mesmo tanto sobre o capital total. O último grande apoio dado pelo BNDES ao Marfrig foi no segundo semestre do ano passado. O frigorífico emitiu 2,5 bilhões de reais em debêntures conversíveis. O dinheiro foi usado para pagar a aquisição da Keystone Foods, fechada em maio do ano passado. Segundo o Marfrig, a maior parte das debêntures foi subscrita pelo BNDES.