Estimativas mais recentes do Ministério da Fazenda apontam que a alíquota de referência do IVA brasileiro poderá chegar a até 28,55%, superando o recorde atual da Hungria, de 27% (Towfiqu Photography/Getty Images)
Repórter
Publicado em 16 de abril de 2025 às 06h05.
A promulgação da reforma tributária e a sanção de seu principal projeto de regulamentação abriram caminho para a implantação de um novo modelo de tributação sobre o consumo: o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
O tributo incidirá apenas sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia de produção e comercialização. Ele é não cumulativo e, com isso, as empresas recuperam o imposto pago nas etapas anteriores, evitando a cobrança em cascata.
Para isso, a reforma estabelece que o IVA irá substituir os cinco atuais tributos sobre o consumo — IPI, PIS e Cofins, no âmbito federal; ICMS, nos estados; e ISS, nos municípios — por dois novos impostos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerida pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sob responsabilidade de um comitê gestor formado por estados e municípios.
A unificação pretende simplificar o sistema, reduzir distorções, eliminar a cobrança de impostos em cascata e garantir maior previsibilidade para empresas e consumidores. A menos de um ano do início da transição oficial para a reforma tributária, porém, a alíquota exata do novo imposto ainda está em debate.
Especialistas e técnicos já indicam que o Brasil poderá ter a maior taxa de IVA do mundo. Estimativas mais recentes do Ministério da Fazenda apontam que a alíquota de referência poderá chegar a até 28,55%, superando o recorde atual da Hungria, de 27%. Mas o número, embora aparentemente elevado, não representa um aumento da carga tributária.
A razão por trás da alta alíquota é simples: o novo IVA precisa arrecadar exatamente o mesmo que os cinco tributos que ele substituirá — IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS — conforme determina a Constituição. Esse princípio de neutralidade impede qualquer aumento ou redução na carga tributária total.
"A alíquota que está se estimando de 27,5% ou 28% é calculada com base na arrecadação que se tem hoje com os atuais tributos", explica Melina Rocha, consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pesquisadora da FGV Direito SP.
"Estamos apenas substituindo por uma alíquota mais transparente. Mas não há um aumento da carga tributária global com a reforma porque isso já está expressamente colocado na emenda constitucional".
A especialista, considerada "mãe" da proposta, faz referência à Emenda Constitucional 132/2024, que promulgou a reforma tributária. Rocha destaca que a alíquota do novo imposto sobre o consumo for confirmada acima de 27%, isso significará que o Brasil "já tem hoje uma das maiores tributações sobre bens e serviços do mundo — a diferença é que está diluída em diversos impostos, o que dificulta a compreensão por parte dos contribuintes".
O IVA brasileiro será implementado em um modelo dual, considerado um avanço técnico e político. Na prática, serão dois tributos distintos:
Exemplo prático:
A adoção plena do novo sistema está prevista para 2033, mas a transição começa em 2026. A cobrança dos dois tributos será unificada em uma mesma guia, o que deve facilitar o cumprimento das obrigações fiscais.
No primeiro ano serão criados os dois novos impostos com alíquotas iniciais de 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS. A partir de 2027, a CBS entrará em vigor com uma alíquota a ser determinada, ao mesmo tempo em que o PIS/Pasep e a Cofins serão extintos. Já para o IBS, a transição terá início em 2029 e se estenderá até 2032.
A proposta do IVA dual nasceu em 2017 no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), como alternativa ao modelo de IVA único defendido inicialmente pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Inspirado em sistemas adotados por países como Canadá e Índia, o modelo dual busca respeitar o pacto federativo, garantindo autonomia tributária a estados e municípios.
De acordo como o relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), o IVA também se consolida com o fim da guerra fiscal entre os entes. Isso porque no novo sistema de imposto a CBS e o IBS pertencerão ao estado e ao município onde o bem ou serviço é consumido, e não mais na origem de onde o produto é fabricado.
"Sem a mudança da origem para o destino, o conceito do IVA não ficava de pé. Não se aprovou em três décadas a reforma tributária em função de não haver convergências nessas questões que eram difusas. Mas nós conseguimos um consenso. É a primeira vez que a República Federativa Brasileira aprova uma reforma tributária em regime democrático", afirma o senador.
Estimar a alíquota exata continua, contudo, um exercício complexo. De um lado, o governo precisa garantir arrecadação suficiente; de outro, há pressões por regimes diferenciados, como alíquotas reduzidas ou até isenções. Quanto mais exceções, mais alta será a alíquota geral para compensar a renúncia fiscal, de acordo com o economista do Ipea João Maria de Oliveira.
"O governo dizia que não haveria tantas exceções, mas elas vieram. Com a inclusão da carne e de outros alimentos na cesta básica com alíquota zero, a própria equipe econômica elevou a estimativa para 27,97%", diz o técnico.
Outro fator que pode influenciar a alíquota final é a adoção do split payment, um mecanismo de pagamento automático do imposto que visa reduzir a inadimplência fiscal.
Segundo o advogado Daniel Loria, ex-diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Daniel Loria, se o sistema funcionar como planejado, será possível arrecadar, nas contas da Fazenda, mais de R$ 150 bilhõesque hoje são sonegados — e, assim, abrir espaço para diminuir a alíquota básica estipulada pela reforma.
A aplicação do mecanismo, no entanto, ainda está em discussão e depende de regulamentação posterior. A previsão é que ele passe a valer em 2027 inicialmente para transações entre empresas, conhecidas como B2B.
Apesar da comparação com alíquotas menores em países como o Canadá — que varia entre 5% e 15%, conforme a província — especialistas alertam que essa comparação precisa levar em conta o peso dos tributos sobre diferentes bases econômicas.
"Países desenvolvidos tributam mais a renda e menos o consumo. No Brasil, quase metade da carga tributária incide sobre o consumo", aponta João Maria de Oliveira. Em 2021, essa carga somou 33,9% do PIB, contra uma média de 34,1% na OCDE — a diferença é a composição: lá, a maior fatia vem do imposto de renda.
"O verdadeiro avanço será uma futura reorientação do sistema tributário, que diminua o peso sobre o consumo e aumente sobre a renda e a propriedade. Isso sim impactaria na redução das desigualdades", afirma o pesquisador do Ipea.
Mesmo com os desafios, especialistas como Melina Rocha e João Maria de Oliveira avaliam que a adoção do IVA dual representa um passo importante para tornar o sistema tributário brasileiro mais simples, transparente e eficiente.
"Ainda que não altere imediatamente a carga tributária, a reforma pode melhorar o ambiente de negócios e facilitar a vida das empresas. A simplificação e a previsibilidade são ganhos relevantes", conclui Rocha.