Dublin, Irlanda: de acordo com alguns critérios, país virou um paraíso fiscal (Thinkstock/yktr)
João Pedro Caleiro
Publicado em 13 de julho de 2016 às 11h41.
São Paulo - O governo da Irlanda anunciou ontem uma revisão dos seus números de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015.
Os 7,8% anunciados anteriormente foram multiplicados em quase 4 vezes para impressionantes 26%, taxa sem paralelo em nenhum lugar do mundo.
Crescimento de dois dígitos é raro e costuma estar reservado a países pobres, que partem de uma base de comparação baixa. A maior taxa de crescimento da história da China, por exemplo, foi de 19,4% em 1970.
Na verdade, o número da Irlanda foi inflado por causa de uma prática chamada de inversão corporativa. Várias empresas estão transferindo sua sede fiscal para a Irlanda porque lá a taxa de impostos é baixa.
Uma empresa americana grande pode comprar uma pequena empresa irlandesa, por exemplo, e transferir todos os seus ativos para ela. Na prática, a operação continua a ser internacional, mas no papel, entra como movimentação para dentro da Irlanda.
“O que acontece é que a folha de balanços inteira de uma empresa que se realoca de algum outro lugar para a Irlanda entra como estoque de capital ou posição de investimento internacional", diz Michael Connolly, estatístico sênior no Escritório Central de Estatísticas, para o The Guardian.
O jornal britânico cita três empresas americana que fizeram o esquema: a farmacêutica Allergan, a Medtronic, de tecnologia médica, e a Tyco, de sistemas de segurança. A importação de aeronaves para leasing internacional também teve um impacto grande.
"Outro exemplo famoso é o do Google, que transferiu sua propriedade intelectual para sua subsidiária nas Bermudas e utiliza uma subsidiária na Irlanda para coletar seus lucros na Europa. Essa subsidiária irlandesa manda os royalties para a holding nas Bermudas através de uma corporação compartilhada na Holanda", explica Gabriel Zucman, economista francês especialista em paraísos fiscais, em entrevista para EXAME.com.
Esses esquemas fiscais tem chamado a atenção da União Europeia, que abriu em 2014 uma investigação ainda em curso que tem a Apple como principal alvo.
A Irlanda viu seu investimento direto triplicar em 2015 de US$ 31 bilhões para US$ 101 bilhões segundo o último relatório da Unctad, que aponta as operações de domicílio fiscal como um dos responsáveis pelo salto.
Isso não significa, é claro, que a Irlanda não esteja bem. O país foi uma das principais vítimas da crise de 2008 e era parte do infame grupo dos PIGS, mas também foi o primeiro a reemergir após pacotes duros de cortes de despesas, aumentos de impostos e reformas.
Sua economia é bastante ligada a dos Estados Unidos, que está em recuperação, e as exportações foram auxiliadas por um euro enfraquecido.
"Não há dúvida de que a Irlanda tem uma economia voltada para a exportação e que isso está sendo impulsionado por investimento estrangeiro direto americano. Mas esses pulos enormes de crescimento não estão vinculados a bens e serviços reais. Não deveriam estar nos números de PIB", diz um post no blog de Seamus Coffey, professor de Economia no University College Cork.
É problemático que o PIB seja tão distorcido, já que ele serve de base para vários outros cálculos. Do dia para a noite, a renda per capita disparou e a dívida pública foi de 93% para 79% do PIB.
Economistas dizem que para saber o crescimento real do país, é melhor olhar para números como o de aumento do consumo em 4,5% - ainda assim suficientes para fazer da Irlanda a economia que mais cresce na Europa.