Sonda de petróleo: investimentos vultosos e arriscados à vista. (Christian Hartmann/Reuters)
Vanessa Barbosa
Publicado em 27 de abril de 2019 às 08h07.
Última atualização em 27 de abril de 2019 às 08h07.
São Paulo - A indústria de petróleo e gás planeja investir US$ 4,9 trilhões nos próximos dez anos na exploração e extração de novas reservas. É uma quantia enorme de dinheiro para gastar em combustíveis fósseis que deveriam continuar debaixo da terra para o mundo atingir as metas do Acordo de Paris e evitar mudanças climáticas catastróficas.
Essa é a conclusão central de um estudo feito pela ONG Global Witness, que compara os últimos cenários usados pelos principais cientistas de clima do mundo no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) com as previsões da indústria de petróleo e gás para produção e investimento em novos campos entre 2020 e 2029.
Segundo o IPPC, a meta de limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius até o final do século só poderá ser atingida com cortes quase imediatos e drásticos na produção e consumo de petróleo, gás e carvão. Pelo visto, não é o que está acontecendo.
Dados da consultoria Rystad Energy, que embasam o estudo, apontam que a produção de petróleo deverá crescer 12% na próxima década, impulsionada pelo investimento em novos campos. Caso não haja exploração de novas reservas, a produção nos campos atualmente em produção ou em desenvolvimento deverá cair 36%, uma queda alinhada com o que o IPCC indica ser conveniente para mitigar as mudanças climáticas.
"Se esse vasto investimento [de US$ 4,9 trilhões] em novos campos for adiante, ele nos levará para os impactos mais perigosos e imprevisíveis do aquecimento: mais incêndios florestais, mais secas, mais inundações, mais furacões, mais perda de espécies. E embora isso provavelmente não deixe ninguém intocado, são as pessoas mais pobres do mundo que seriam as mais atingidas", alerta o estudo.
A boa notícia, segundo a ONG, é que as empresas de petróleo e gás já estão sentindo a pressão. A Shell se prepara para associar parte da remuneração de seus executivos com metas de redução de emissões, e a BP anunciou que divulgará como sua estratégia e investimentos estão alinhados com as metas do acordo de Paris.
Muitas dessas iniciativas, porém, são otimistas demais, segundo a ONG. Isso porque muitos dos modelos de negócios de petróleo e gás com foco em clima se baseiam em alto uso de tecnologias de captura e remoção de carbono da atmosfera (CCS), que não foram testadas em escala global.
Para a Global Witness, tais modelos "aumentam as fronteiras da plausibilidade e não servem como um guia confiável para o alinhamento com os objetivos de Paris".
Murray Worthy, principal autor do estudo, disse que a análise demonstrou uma "lacuna alarmante" entre os planos das petrolíferas de extrair mais combustíveis fósseis e o que a ciência mais recente do IPCC mostrou que precisa acontecer para evitar uma catastrófica climática.
Em artigo no Financial Times, Worthy alerta para os riscos que essa tendência representa para os investidores no futuro, levando em conta que, cedo ou tarde, os governos aumentarão a pressão sobre empresas do setor.
"Os atuais planos de investimentos das empresas de petróleo e gás criarão riscos materiais [...] As empresas do setor podem continuar com seu modelo atual e aumentar o risco de ativos ociosos em um clima radicalmente alterado ou evitar o investimento excessivo e ajudar a garantir uma transição suave para cumprir o Acordo de Paris [...] Os investidores detêm a chave para essa decisão".