Economia

"Investimento público direto não tem e não terá", diz Pérsio Arida

Em entrevista para EXAME, coordenador econômico de Geraldo Alckmin e um dos idealizadores do Real expõe uma agenda para o país

O economista Pérsio Arida (Foto/Exame)

O economista Pérsio Arida (Foto/Exame)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 21 de setembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 21 de setembro de 2018 às 12h26.

São Paulo - Pérsio Arida, coordenador econômico do programa econômico de Geraldo Alckmin (PSDB), não acredita que seja possível aumentar o investimento público nos próximos anos.

O motivo é que será preciso transformar o déficit público em um superávit e isso deve ser feito sem altas de impostos.

Em entrevista para EXAME, o economista defendeu a manutenção do teto de gastos e da reforma trabalhista e delineou uma agenda de abertura comercial e privatizações.

Ex-presidente do BNDES e um dos fundadores do banco BTG Pactual, do qual está desligado, Arida também foi um dos idealizadores do Plano Real e passou brevemente pela direção do Banco Central durante sua implementação em 1995.

Veja os principais trechos da entrevista realizada na última sexta-feira (14):

EXAME – Alckmin disse que se ganhar, o país pode crescer 4% já em 2019. Como?

Pérsio Arida – No começo do ano todos esperavam alta de 3% e hoje caminhamos para 1%. Um pouco disso é o cenário externo menos favorável, mas essencialmente é perda de confiança e incertezas eleitorais, e mostra o quão dependente de confiança é a economia.

O motor do crescimento é investimento e ganhos de produtividade. Normalmente se entende que políticas fiscais contracionistas diminuem a atividade, mas não é o caso brasileiro, onde elas aumentam a confiança nas finanças públicas e tendem a aumentar o investimento privado.

Eu sou muito otimista. Abstraindo o setor externo, com um governo comprometido com a meta fiscal e com reformas e capaz de articular sua aprovação no Congresso, o efeito confiança é poderoso.

O investimento público é hoje 1,7% do PIB e não será muito maior, porque é fundamental transformar o déficit de -2% do PIB em algo como 2% no final de mandato. Em outras palavras: investimento público direto não tem e não terá. Mas com segurança jurídica e bom marco regulatório, boas agências reguladoras e bom planejamento de infraestrutura, temos capacidade extraordinária de atrair capitais.

Mas o discurso pós-impeachment era esse e a retomada decepcionou. Qual a diferença?

Discordo. Transformar uma recessão que chegou a -8% em crescimento de 3%, onde poderia estar, é uma virada extraordinária em um período curto e mostra o efeito da confiança.

Vocês pretendem manter o teto de gastos como está? Como evitar que os grupos mais politicamente articulados prevaleçam como atualmente, em que há espaço para aumentar salários da elite do funcionalismo, mas não para bolsas de pós-graduação?

O estado de São Paulo não teve teto, mas Alckmin cortou gastos no ritmo da receita. Mas como a União tem capacidade de financiamento, fomos de 11% do PIB de gastos para quase 20% do PIB agora, e sem teto seria maior ainda. Para gastar todo santo ajuda, para segurar é que a coisa muda. O teto é necessário.

Como evitar que os grupos corporativamente mais articulados absorvam o quinhão dos menos articulados? Um exemplo é o Museu Nacional: os gastos com pessoal da UFRJ aumentaram muito, mas não tinha dinheiro para manutenção elétrica do Museu. Cabe ao governante resistir aos grupos organizados para manter prioridades. Os gastos com pessoal da União estão elevados.

Além da Previdência...

Boa parte da expansão é Previdência. São duas dinâmicas diferentes: as injustiças estão nos regimes próprios, mas a dinâmica explosiva está no regime geral. Quem acha que crescimento resolve ou que hoje dá para implementar capitalização precisa refazer a matemática.

O ideal para o Brasil é um sistema híbrido, de capitalização e repartição, mas estamos no mundo real. Para fazer a transição precisa ter um superávit primário que a financie, mas estamos com déficit. Não dá para escapar da dura realidade: idade mínima é fundamental.

A ideia é recuperar o projeto que está no Congresso ou apresentar um novo?

Muitas vezes quando começa do zero, o processo atrasa. O projeto atual tem vários méritos, mas está na terceira versão, a mais aguada. Há quem diga que não se aprova a reforma, mas o governo Temer, sem ser eleito pelo voto direto, teria aprovado se não fosse pela história da JBS.

O que mais dá para rever em gastos?

Desonerações fiscais, estão maiores do que já foram. Nós não estamos querendo criar novos impostos ou aumentar a carga tributária. O Brasil foi de 21% para 33% do PIB em carga e o déficit cresceu, então não adianta subir impostos; equilibra temporariamente e vem um novo ciclo de gastos. Acho importante dizer que parou aí; o ajuste é todo na despesa.

Há muito a ser feita para tornar a parte tributária socialmente mais justa (os ricos pagam pouco), mais simples (reforma do IVA) e de mais fácil cumprimento; a burocracia é infernal. Mas o elemento crítico é corte, e a ineficiência do setor público é visível a olho nu. Tem programas sobrepostos e mal focalizados e gente demais com tarefas repetidas.

Se tem algum consenso na campanha, é o modelo do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Qual a resistência para sua implementação?

Ela afeta estados, União e municípios, e na penúria fiscal que estamos, ninguém quer perder o seu quinhão. O importante é a ideia de neutralidade, mas ela é difícil de calcular. Com o IVA todos têm a ganhar, mas se a transição for muito longa, não tem efeito, fazer em 50 anos é o mesmo que não fazer. Mas uma vez aprovada para entrar em vigor pleno em 6 ou 7 anos, a alocação de investimento já passa a levar isso em conta e já ganhamos o efeito de não distorção.

Algo que precisa ser definido já em 2019 é a fórmula de reajuste do salário mínimo. Qual é a ideia: manter a regra atual, criar uma nova ou fazer de forma discricionária?

Eu gosto da regra porque já vi o que acontece quando não tem: todo dezembro é um desgaste político enorme.

Salários evoluem de acordo com produtividade em qualquer lugar do mundo. A regra atual, inflação mais PIB, não faz sentido porque os salários não evoluem de acordo com o PIB. A regra de longo prazo que faz sentido é a que reflete o ganho de salário real por produtividade; se for negativa, óbvio que você não vai reduzir salário, mas espera ser positiva, compensa e segue.

Outro aspecto é o efeito sobre Previdência, piso e os benefícios assistenciais todos; não faz sentido ter uma regra que protege corretamente quem recebe salário mínimo na iniciativa privada, mas desequilibra as contas públicas. Essa vinculação precisa ser repensada.

E reforma trabalhista, também está sujeita a mudanças?

A reforma trabalhista foi um enorme avanço, tirou o Brasil dessa herança getulista, acabou com o imposto sindical obrigatório. O Brasil tem 16.500 sindicatos dos quais 5.500 são patronais. Comparado com qualquer lugar do mundo, obviamente tem algo de errado.

A filiação sindical é sempre livre, que é o conceito correto; a nível infraconstitucional, foi certamente o melhor que podia ser feito. As pessoas se perguntam porque não diminuiu a taxa de desemprego, mas o efeito é ao longo do tempo. Pode ser aperfeiçoada em detalhes, mas o importante é manter.

E o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço?

Uma questão é conceitual: você deve forçar as pessoas a pouparem? Há evidências grandes que as pessoas poupam pouco ao longo da vida, mas não pode penalizar o trabalhador com a pior taxa de aplicação do mercado.

O atual regime é socialmente regressivo, e é extraordinário o suposto partido dos trabalhadores nunca ter feito nada para mudar isso. Você penaliza os empregados formais em benefício dos grupos empresariais que tomam empréstimo barato, o que piora a distribuição de renda e distorce o mercado de crédito. Se for para manter tem que remunerar adequadamente, com a taxa de juros de longo prazo do Tesouro Nacional (TLP).

Segunda coisa: vale a pena renda fixa ou variável? O Chile tem poupança compulsória e você pode escolher quem administra, mas com pouco risco. É para desenvolver mercado de capitais, enquanto aqui se usa para o mercado de crédito. Tem todo uma estrutura da construção civil em cima do atual sistema e mudanças abruptas não devem ser feitas.

Outra regra para ser redefinida é a de reajuste de combustíveis. Qual o melhor modelo?

O subsídio deve acabar. O sistema do nosso programa é como o europeu, em que impostos funcionam como amortecedor; quando sobe o preço doméstico dos derivados do petróleo, resultante do preço internacional e da taxa de câmbio, a alíquota de impostos tem que cair. Isso suaviza no mercado doméstico as flutuações do preço internacional e do câmbio sem ônus fiscal.

É comum a visão de que a indústria tem um papel especial no desenvolvimento e que se abrir a economia ao comércio internacional, elas iriam quebrar. A indústria precisa de proteção?

É questão do ovo e a galinha: se for esperar a indústria ser moderna para fazer abertura, vai ficar esperando, porque ela só consegue ser moderna baixando a alíquota de bens de capital e informática.

A revisão da estrutura inteira tem que ser pré-anunciada para dar tempo da indústria se adaptar e evitar um choque traumático, mas tem que ser feita. É o caminho para ganhos de produtividade.

Perdemos muito tempo nos governos petistas, que ao invés de fazer acordo comercial com quem interessa, colocou o Itamaraty para fazer com Egito, Israel, Palestina com efeito zero sobre comércio, além dos absurdos terceiro-mundistas do BNDES como financiar portos em Cuba.

O Itamaraty tem um papel crítico nesses acordos com dois lados: abrir nossa economia, mas diminuir as barreiras protecionistas deles também. Precisa de redução unilateral em alguns casos, como bens de capital e informática, em que temos tarifas efetivas maiores que nossos parceiros do Mercosul e nada justifica. E abertura não só de bens, mas também serviços.

E privatizações, alguma exceção e algum calendário?

Tem estatais que não dá para privatizar porque o valor é negativo, como a EBC de televisão ou a do trem-bala. Fecha e manda todo mundo embora; adoraria privatizar, mas ninguém compra.

Tem um equívoco de achar que privatização resolve déficit público recorrente. Mas se você privatiza uma companhia e tapa o buraco desse ano, ele reaparece no ano que vem. A privatização tem que ser feita porque diminui o estoque de dívida, aumenta a eficiência, protege o Tesouro e diminui a complexidade da administração pública.

Outra ideia é que precisa de estatal para fazer política pública. Mas incentivo e subsídio existe em qualquer lugar do mundo, não precisa de estatal. Então por que não privatiza tudo? Toda estatal tem um tríplice lobby de defesa: funcionários têm medo, os políticos têm influência e uma coisa que não se fala é que tem o setor privado que lida com a estatal e ganha mais assim do que se fosse privada.

Se você logo de início diz que vai privatizar tudo, todas se unem contra você no Congresso. Então diz o que não vai privatizar: Alckmin foi taxativo que é Banco do Brasil. Na Petrobras vai privatizar refino e distribuição, mas não extração, e vai terminar a da Eletrobras.

O que você acha da proposta do Ciro Gomes de tirar os nomes do Serviço de Proteção ao Crédito?

Como não entendo qual é a proposta, eu não sei comentar. Temos um problema seríssimo de spread bancário e forma correta de combater é com uma nova lei geral de garantias para tornar os ativos mais passivos de serem colateralizados, aumentar a oferta de empréstimos, fortalecer mercado de capitais, colocar fintechs, mais bancos no Brasil e abertura. Uma agenda enorme.

Se a anistia for via setor público, piora o déficit. Se for via bancos, tem BB e Caixa, então causa efeito bumerangue sobre contas públicas mais cedo ou mais tarde. E com um efeito perverso: os bancos vão passar a aumentar o spread para cobrir o risco de que alguma nova anistia venha a surgir. Beneficia devedores, mas piora a vida de quem precisar de crédito dali para frente.

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