Supermercado: Três itens devem ter os preços influenciados de forma expressiva no período da Copa: alimentação fora do domicílio, hotelaria e passagens aéreas (spijker/Creative Commons)
Da Redação
Publicado em 23 de fevereiro de 2014 às 15h19.
São Paulo - A inflação de junho e julho de 2014 deve fugir à sazonalidade padrão observada nos últimos anos e dar um salto. O impulso virá, principalmente, do setor de serviços, que enfrentará um pico de demanda em função da Copa do Mundo. Mas especialistas ponderam que a aceleração será pontual e, nos meses posteriores ao torneio, haverá acomodação dos preços. No fim de 2014, pode ser até que o Mundial passe batido pela inflação.
Na previsão da LCA Consultores, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses vai atingir o pico em julho, a 6,46%. "Isso não faz parte da sazonalidade normal, pelo contrário. Historicamente, salvo outras exceções, os meses do meio do ano têm inflação mais perto da mínima do que da máxima", explica o economista Étori Sanchez, da LCA.
Três itens devem ter os preços influenciados de forma expressiva no período da Copa: alimentação fora do domicílio (que inclui refeições, lanches e bebidas), hotelaria e passagens aéreas. No resultado do IPCA de janeiro, esses itens tiveram pesos de 8,52%, 0,42% e 0,67% na inflação geral, respectivamente.
Levando em consideração esses pesos, o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), estima que cada 1% de alta simultânea nos três itens provocará um impacto positivo de 0,1 ponto porcentual na leitura mensal do IPCA. No caso específico das passagens, o impacto pode começar já em maio, por uma questão metodológica. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) captura os preços para viagens dali a 30 dias. Ou seja, a variação de preços dos bilhetes de junho será medida no índice do mês anterior.
Apesar disso, Braz afirma que o evento envolve condições que são difíceis de antecipar, o que se torna um obstáculo para projeções de quanto esses itens realmente poderiam subir no período do Mundial. "Não tenho como prever a magnitude desse movimento de alta", diz.
O economista-sênior do Besi Brasil, Flávio Serrano, também evita cravar um número, mas observa que a Copa trará um 'microchoque' aos preços. "(A Copa) é sim um fator de incerteza. Não se consegue saber a intensidade da pressão, quantificar com precisão o impacto. Vai ser algo empírico", avalia.
"A inflação de serviços já vem pressionada, e a pressão será ainda maior na Copa", observa o economista-chefe da Concórdia Corretora, Flávio Combat. Segundo o IBGE, o IPCA de serviços registrou alta de 8,26% em 12 meses até janeiro, acima do índice geral (5,59%) no período.
Em dezembro de 2013, o próprio Banco Central (BC) tentou mensurar o peso dos megaeventos esportivos sobre os preços. Num estudo publicado junto ao Relatório Trimestral de Inflação (RTI), a autoridade monetária estimou que a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 vão adicionar dois pontos porcentuais à inflação acumulada entre 2007 (quando o Brasil foi confirmado como país-sede da Copa) e 2017. Ainda de acordo com o estudo, o efeito máximo para a inflação ocorreria em 2015, ano seguinte à realização do Mundial.
"Se o BC tem estudos sobre qual pode ser o impacto, é para tentar reduzir a incerteza", avalia Serrano. Para Combat, contudo, o BC tenta apenas sinalizar ao mercado que está atento. "O BC está adotando uma política de forward guidance (sinalização de próximos passos)", afirma.
Devolução
A pressão sobre os preços de serviços durante o Mundial é incontestável para os analistas. Mas o impacto, segundo eles, será limitado em termos anuais, já que nos meses posteriores ao evento haverá devolução das altas. André Braz, da FGV, ressalta que o Brasil receberá muitos turistas de fora do País. Quando isso passar, a concorrência se encarregará de promover os ajustes para baixo. "Não acho que vá haver efeito permanente", diz.
Há chances, porém, de o retorno ao patamar anterior não se realizar integralmente, já que empresários podem aproveitar o ensejo e recompor alguma margem de lucro perdida nos últimos tempos. "Mas esta inflação residual deve ser pequena", opina Étori Sanchez, da LCA. "Quando a demanda adicional sair, será preciso trazer os preços de volta, porque nada aconteceu em termos de renda ou poder aquisitivo para que a curva seja deslocada eternamente."
Os analistas tampouco apostam que a inflação "extra" provocada pela Copa será suficiente para romper o teto da meta perseguida pelo BC, que é de 6,5%. "Acho pouco provável que ultrapasse, pois o BC está prolongando o ciclo de aperto monetário", diz Combat, da Concórdia. "Isso tem reflexo em termos de desaceleração de demanda."
Serrano acrescenta que, a não ser que fatores secundários entrem em jogo, como uma escassez na oferta de alimentos, dificilmente o teto da meta será ultrapassado, mesmo nos meses de maior pressão por conta da Copa. "Esperamos uma aceleração da inflação no terceiro trimestre, chegando a 6,4% (em 12 meses), mas será devido à base mais baixa", afirma, lembrando que o IPCA de julho de 2013 foi de apenas 0,03%, influenciado pela queda nas tarifas de ônibus urbanos. A partir de setembro deste ano, a descompressão fará com que o IPCA encerre o ano em 6%, nas projeções do economista.
O professor de Economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Reginaldo Nogueira pondera que os preços já estão fortemente pressionados por fatores como o câmbio e as eleições gerais, que ocorrem em outubro. "Como temos uma inflação próxima do teto da meta, qualquer choque para cima pode estourar os 6,5%. O fato é que a inflação em 2014 é um problema para o governo, e a Copa não ajuda em nada, só atrapalha."