Bill Gates: no início do ano, Gates defendeu o polêmico imposto sobre robôs (Ron Wurzer/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 18h50.
Última atualização em 6 de fevereiro de 2018 às 14h26.
No início deste ano, o fundador da Microsoft, Bill Gates, divulgou apoiar uma política polêmica: um imposto sobre robôs. Como os trabalhadores estão sendo substituídos por máquinas em vários setores, o governo perde muito com o que provinha das receitas tributárias. A cobrança de impostos para as empresas que empregam robôs poderia ajudar a diminuir o ritmo de automação e a renda poderia ser usada para reciclar funcionários, argumenta Gates.
Sergio Rebelo, professor de finanças na Kellogg School, ficou com a pulga atrás da orelha quando ouviu o argumento de Gates. Há décadas os economistas sabem que tributar os chamados "bens intermediários"—bens que são usados para produzir outros bens, como tijolos usados para construir casas, ou robôs usados para fabricar carros—pode dificultar a criação e venda dos produtos de fornecedores.
“Neste caso, o nível de produção na economia é reduzido", diz Rebelo.
No entanto, Rebelo considerou que o imposto sobre robôs proporcionava um tema de pesquisa interessante. Assim, uniu-se a João Guerreiro, pós-graduando na Universidade Northwestern, e Pedro Teles, da Universidade Católica Portuguesa.
Eles imaginaram que o estudo que fizessem iria confirmar o que as pesquisas anteriores sugeriam: que um imposto sobre robôs criaria mais problemas do que soluções.
“Talvez não merecesse nem um mísero artigo", diz Rebelo.
Então imagine a surpresa quando descobriram que estavam errados—que um imposto sobre robôs poderia fazer parte de uma agenda política para segurar a desigualdade de renda e melhorar a economia em geral.
De fato, o estudo sugere que, se os robôs continuarem substituindo pessoas sem nenhuma intervenção de políticas, as pessoas substituídas podem sofrer grandes reduções de renda, possivelmente criando um grande aumento na desigualdade de renda. Ao mesmo tempo, a automação gera um grande aumento na renda total.
"Não é um cenário extravagante", adverte Rebelo. “Já está acontecendo".
Hoje, cada vez mais o trabalho é automatizado sem uma espécie de rede de segurança para as pessoas que perdem o emprego. Primeiro os autores queriam entender como a economia continuará a evoluir na sua rota atual.
Eles imaginaram uma economia na qual metade da força de trabalho estivesse envolvida no que os economistas chamam de trabalho de "rotina"—qualquer trabalho com tarefas programáveis passíveis de automação (como operários em uma linha de montagem ou em uma central de atendimento onde se segue um roteiro). A outra metade da força de trabalho realizaria uma atividade não rotineira, que não pode ser automatizada (como bombeiros ou cientistas).
Os pesquisadores usaram esse modelo para ver como seria a transformação na renda dos dois grupos à medida que as máquinas se tornassem cada vez mais baratas.
Resultado: “É um cenário muito, muito difícil para os trabalhadores de rotina", diz Rebelo.
Muitas pessoas presumem que, se a automação continuar sem qualquer tipo de controle, as máquinas irão assumir todo o trabalho rotineiro na economia. No entanto, os pesquisadores descobriram que os trabalhadores de rotina provavelmente continuarão trabalhando—e suas circunstâncias só irão piorar.
“Se eu for um trabalhador de rotina, terei que alimentar minha família", explica Rebelo. Assim, ao longo do tempo, à medida que as máquinas se tornam mais baratas e mais eficientes, os trabalhadores de rotina não terão outra opção senão aceitar salários cada vez mais baixos para que possam competir com os robôs.
“Pelo fato de eu poder ser substituído por uma máquina, minhas oportunidades ficam cada vez piores", diz ele.
Enquanto isso, a outra metade dos trabalhadores prospera. Aqueles que não podem ser substituídos por robôs são capazes de usar as máquinas a seu favor, permitindo que elas funcionem de forma mais eficiente, o que aumenta sua renda. Por exemplo, um médico que usa robôs para ajudar a fazer cirurgias pode tratar mais pacientes em um dia do que um médico sem robô.
Assim, a diferença entre ricos e pobres fica cada vez maior.
Entretanto, o modelo também revela que, no sistema atual, os robôs nunca substituirão inteiramente o trabalho humano de rotina. Eventualmente, as máquinas chegarão a um ponto no qual não têm condições de ficar mais baratas, e os salários dos trabalhadores de rotina atingirão o mesmo nível. Este cenário é problemático não só para trabalhadores de rotina (que terão de trabalhar por míseros centavos), mas também para trabalhadores não rotineiros, uma vez que a economia global produz menos do que produziria se houvesse a automatização de todas as rotinas.
Embora o modelo dos pesquisadores seja teórico, Rebelo diz que, pelo menos até agora, o que descobriram reflete as tendências em curso nos EUA. Ressalta que o único grupo cujo salário médio aumentou desde 1979 é o de trabalhadores com ensino superior, que tem uma chance desproporcionalmente maior de realizar trabalhos não rotineiros. Os funcionários de formação inferior, por outro lado, em geral viram seu salário real diminuir.
Será que um imposto sobre robôs poderia impedir esse futuro distópico? Os autores duvidavam dessa possibilidade.
A noção de que a tributação dos bens intermediários deva ser evitada teve sua origem em um artigo icônico de 1971, dos vencedores do prêmio Nobel, Peter Diamond e James Mirrlees. Os dois concluíram que esse imposto tornava a economia menos eficiente, o que anulava quaisquer benefícios líquidos do imposto. Neste sentido, Rebelo e os coautores esperavam que, na perspectiva de maximizar o bem-estar geral da economia, um imposto sobre robôs seria indesejável.
Porém, quando adicionaram o imposto ao seu modelo, depararam-se com uma surpresa. “Descobrimos que, em algumas circunstâncias, na verdade, o ideal é tributar os robôs", diz Rebelo.
Como os robôs podem ser substituídos por trabalhadores de rotina, tudo o que fizer com que os robôs fiquem mais caros também aumentará os salários dos trabalhadores de rotina. Um imposto sobre robôs oferece uma maneira indireta de tributar trabalhadores não rotineiros e distribuir a renda de forma mais equitativa na economia como um todo.
“É isso que muda completamente o cenário, e torna ideal usar um imposto sobre robôs", diz Rebelo.
A Coreia do Sul, que recentemente introduziu punições fiscais para empresas que automatizam empregos, agora é o primeiro e, até agora, o único país a implementar tal imposto.
Mesmo assim, apesar de a cobrança de imposto sobre robôs ser melhor do que o cenário atual, ela tem efeitos limitados.
O imposto sobre robôs teria de ser extremamente alto para começar a amenizar a desigualdade, diz Rebelo, uma vez que é necessário que o imposto compense a forte pressão das máquinas sobre o achatamento dos salários dos trabalhadores rotineiros. Um imposto muito elevado impediria que os trabalhadores não rotineiros usassem máquinas para aumentar sua produtividade, distorcendo a produção geral na economia.
Os pesquisadores determinaram que a melhor opção em termos de aumento do bem-estar geral seria simplesmente transferir a renda de trabalhadores não rotineiros para os rotineiros, sem distorcer a produção e outras decisões. Não é ideal usar impostos sobre robôs nesse cenário idealizado.
No entanto, este plano seria difícil de ser implementado no mundo real. O governo não consegue distinguir com facilidade entre mão-de-obra rotineira e não rotineira, e os trabalhadores teriam muitos incentivos para tentar ser categorizados de uma forma e não de outra que os prejudicasse.
Por isso, os autores testaram um plano alternativo: um imposto sobre robôs combinado com um pagamento de renda mínima para todos. Eles concluíram que a concessão de pagamentos regulares do governo a todos os trabalhadores resulta em uma economia onde todos se beneficiariam da automação.
Vale ressaltar que, neste cenário, o imposto sobre robôs retardaria o ritmo da automação, mas não o interromperia inteiramente. Ao contrário da projeção na situação atual, todos os trabalhadores de rotina acabariam sendo substituídos por robôs. (Como neste cenário os trabalhadores de rotina atualmente recebem um salário mínimo, eles não precisam mais trabalhar para sobreviver. Assim, uma vez que a automação impulsiona seus salários para baixo de um determinado nível, eles abandonarão seu trabalho de baixa remuneração para os robôs.)
Rebelo explica que a eficiência que os robôs proporcionam é boa para a economia como um todo.
“O que as pessoas tendem a esquecer é que, quando se usa robôs, aumenta-se a produtividade da economia", diz ele. “Queremos atingir um alto nível de eficiência, mas também desejamos redistribuir a recompensa que vem da tecnologia para que todos possam colher os benefícios".
Texto originalmente publicado no site da Kellogg School of Management.