Economia

Ida de Neymar para o PSG esconde algo muito maior que o futebol

Transação milionária do atacante brasileiro é um marco no futebol, mas também uma declaração política do dono do time, o Catar

Neymar: se tornou o jogador mais caro na história do futebol após a transação de € 222 milhões (Christian Hartmann/Reuters)

Neymar: se tornou o jogador mais caro na história do futebol após a transação de € 222 milhões (Christian Hartmann/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 7 de agosto de 2017 às 13h59.

Última atualização em 14 de agosto de 2017 às 18h07.

São Paulo - Depois de quatro anos no Barcelona, Neymar foi oficialmente apresentado pelo Paris Saint-Germain na última sexta-feira.

Durante a primeira coletiva do atacante, o presidente do clube, Nasser Al-Khelaifi, fez questão de frisar que o jogador não tinha sido caro, pois o PSG ainda ganharia o dobro com ele.

A transação custou ‎€ 222 milhões (R$ 812 milhões) e fez de Neymar o jogador mais caro na história do futebol.

E, embora a imprensa francesa comemore a chegada do brasileiro e acredite que ele possa revolucionar a economia do futebol por lá, há outro país na jogada que deve se beneficiar com a saída de Neymar do Barcelona.

Para conseguir pagar a milionária rescisão com o Barcelona, o PSG teve apoio do fundo de investimentos Qatar Sports, do qual Al-Khelaifi também é CEO, e que é subsidiado pela Qatar Investment Authority, dona de 70% das ações do clube francês desde 2011.

De acordo com Simon Chadwick, professor de Negócios Esportivos da Universidade de Salford, no Reino Unido, entrevistado pela Bloomberg, a negociação de Neymar "é uma ofensiva charmosa de soft power".

A expressão em inglês refere-se à sutil estratégia de influenciar internacionalmente o que vai se falar sobre o Catar.

Desde junho, o Catar sofre com a tensão com Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes e Egito, que acusam o país de apoiar grupos extremistas e financiar o terrorismo na região.

Apesar de negar as acusações, o Catar teria apoiado a Irmandade Muçulmana no Egito, o Hamas na Faixa de Gaza e grupos de rebeldes sunitas que lutam contra o governo sírio de Bashar Al-Assad.

Os vizinhos chegaram a fazer exigências para que o Catar não sofresse sanções, mas, como o país não concordou com as demandas, o bloqueio econômico segue.

O Catar já pediu ajuda à ONU para resolver a crise no Golfo e entrou com queixa na OMC contra a ação das quatro nações, mas o diálogo entre os países continua praticamente inexistente.

A transferência de Neymar ao PSG, portanto, seria uma maneira do Catar estar no centro do debate mundial sob outra perspectiva.

Ao contrário das alegações de subsidiar o terrorismo, o país estaria mesmo interessado em investir no esporte, em temas pacíficos.

Além de ser uma estratégia para mostrar que, apesar do impasse com os vizinhos, ele não foi afetado pela crise diplomática.

De onde vem o dinheiro

O Catar tem a terceira maior reserva de gás natural e uma das 20 maiores reservas de petróleo do mundo.

Com reservas provadas 23,9 bilhões de barris e produção de 618 mil barris de petróleo por dia, boa parte de sua receita vem da extração do combustível.

Recentemente, o fundo Qatar Investment Authority comprou uma participação de 61% na rede de gasodutos britânica National Grid e, no fim do ano passado, associou-se a Glencore para comprar 19,5% da russa Rosneft, além de adquirir 4,6% da petroleira Royal Dutch Shell.

Mas a Qatar Investment Authority também é um dos braços do governo para diversificar seus investimentos e diminuir a dependência dos preços de gás e petróleo no mercado. A estratégia tornou-se ainda mais importante após o país concordar em seguir o limite de produção estipulado - 32,50 milhões a 33 milhões de barris por dia – pela Opep.

Vida no Catar

Após Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes e Egito romperem relações com o Catar, os habitantes do país com maior PIB per capita do mundo correram aos supermercados para comprar tudo que lhes garantisse sobreviver a uma possível escassez de produtos.

Mas as prateleiras foram reabastecidas, em seguida, e o governo está tentando garantir que os padrões de vida continuem iguais, segundo a Bloomberg.

No twitter, uma conta chamada “@DohaUnderSiege” (Doha sob sítio) começou a publicar posts sobre a vida pós-bloqueio e usuários passaram a comentar sobre o tema usando a hashtag #dohaundersiege.

Por enquanto, o governo tem conseguido garantir que a vida continue como era antes do bloqueio com a ajuda de países como Turquia, Irã e Marrocos, que passaram a exportar produtos antes fornecidos pelos países que cortaram relações.

O Irã inclusive manteve seu espaço aéreo aberto para que a Qatar Airways e outras companhias aéreas pudessem contornar o fechamento dos espaços aéreos vizinhos.

Mas embora o Catar tente assegurar a qualidade de vida de seus habitantes, eles já foram impedidos de embarcar em voos para Emirados Árabes, Arábia Saudita e Bahrein, e o Egito suspendeu os vistos para os cidadãos catarianos.

Copa do Mundo 2022

Neymar não foi a primeira experiência do Catar em investir numa nova imagem de si por meio do esporte.

O governo catariano tentou atrair os holofotes de maneira positiva para o país, após ser escolhido como sede da Copa do Mundo de 2022.

No entanto, a tentativa de “soft power” não deu certo.

As constantes denúncias sobre mortes e más condições de trabalho em obras para a Copa, as críticas às altas temperaturas em junho e julho e os possíveis efeitos do atual bloqueio econômico fazem com que o mundial tenha uma campanha midiática cada vez mais negativa.

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