Economia

Hidrelétricas podem passar por novo período crítico de geração, alerta ONS

Mudanças climáticas estariam levando a irregularidade de chuvas; estudo do ONS indica que não há risco de racionamento até 2023

Hidrelétricas: Reservatórios sofrem impacto com mudanças climáticas (Luciana Whitaker/Pulsar Imagens/Divulgação)

Hidrelétricas: Reservatórios sofrem impacto com mudanças climáticas (Luciana Whitaker/Pulsar Imagens/Divulgação)

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Reuters

Publicado em 19 de julho de 2019 às 18h59.

Última atualização em 19 de julho de 2019 às 19h00.

São Paulo — O sistema elétrico do Brasil pode estar atravessando o que seria um "novo período crítico" para a produção das hidrelétricas, principal fonte de geração do país, com os reservatórios das usinas mostrando tantas dificuldades para se recuperar quanto nos piores anos já registrados até então, de 1948 a 1955.

A avaliação consta de estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e levanta dúvidas sobre os eventuais efeitos da mudança climática global sobre a indústria de energia do Brasil, que por décadas baseou-se principalmente na geração hídrica.

As hidrelétricas representam mais de 60% da capacidade instalada em energia do Brasil, um percentual que chegou a ser bem maior, de cerca de 80% até o final dos anos 90, a partir de quando o país passou a investir mais em termelétricas e depois em novas fontes renováveis, como usinas eólicas e solares.

"Desde 2012 para cá, tivemos uma redução muito forte nas precipitações na região Nordeste, e de 2013, 2014 para cá, também se deu isso no Sudeste/Centro-Oeste... então essa é uma provocação que estamos lançando", disse à Reuters o diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata.

A conclusão preliminar do órgão do setor de energia leva em conta o fato de que os reservatórios hidrelétricos não conseguiram recuperar seus níveis desde meados de 2012.

"Tudo indica que o sistema interligado nacional (SIN) estaria em um novo período crítico face ao longo horizonte de meses (79) a partir do qual saiu do armazenamento máximo e não houve mais reenchimento pleno", apontou o ONS no chamado Plano da Operação Energética 2019-2023 (PEN), divulgado nesta semana.

Entre as décadas de 40 e 50, o sistema ficou 89 meses sem atingir essa recuperação.

O diretor-geral do ONS disse que ainda é preciso maior interação com meteorologistas para entender o cenário, destacando também a dificuldade de se tirar conclusões sobre as repercussões futuras do atual momento de crise hidrológica.

"Há uma dúvida nesse ponto também sobre se teríamos um período crítico e depois voltamos para a média ou se isso é fruto de mudanças climáticas... se essa é a nova média de longo prazo (MLT), o novo normal. Pode acontecer", afirmou Barata.

Ele destacou que, apesar disso, o ONS não enxerga qualquer risco de desabastecimento ou necessidade de racionamento de energia no horizonte de seu estudo, até 2023.

A confirmação de um novo período crítico, no entanto, geraria amplas repercussões no setor elétrico, onde diversas decisões do governo e de empresas baseiam-se em modelos computacionais que levam em conta fatores que incluem o histórico climático.

Esses dados são utilizados, por exemplo, no cálculo da chamada garantia física das hidrelétricas, que é o montante de energia que cada usina pode vender no mercado, e significa na prática uma estimativa de quanto uma usina conseguiria gerar mesmo em um período crítico.

"Existem algumas decisões que são tomadas, como o cálculo da garantia física, que são tomadas levando em conta o período crítico. Se houver um novo, alguns estudos terão que ser refeitos", apontou Barata.

"De fato, tudo aquilo que fazíamos considerando o período crítico 1948-1955 passaria a usar o novo período. Mas ainda não existe um movimento nesse sentido", acrescentou ele.

Questionados sobre os fatores que poderiam estar por trás do novo cenário de chuvas e armazenamento nas hidrelétricas, Barata disse que esse é um tema que ainda merecerá estudos.

Por outro lado, ele destacou que o crescimento de fontes como as usinas eólicas e solares reduziu a dependência do Brasil das hidrelétricas nos últimos anos, diminuindo riscos.

"A diversidade de fontes sempre é boa, mas antigamente a questão dos custos não nos permitia. Agora temos sol e vento como fontes muito mais baratas que anos atrás, então vamos ter uma matriz muito mais diversificada. Então você fica mais imune a problemas em qualquer uma delas", acrescentou Barata.

No último leilão do governo brasileiro para contratar novas usinas, em junho, projetos solares tiveram pela primeira vez na história a menor cotação entre todas fontes da licitação, aproximando-se de recordes registrados por parques eólicos e hidrelétricas no passado.

O estudo do ONS aponta ainda que o abandono da construção de novas hidrelétricas com reservatórios desde praticamente metade da década de 90, por questões ambientais, faz com que a geração térmica seja agora mais necessária mesmo em anos com chuvas mais próximas da média.

Mudança climática?

Dois ex-diretores do ONS disseram à Reuters avaliar que as mudanças climáticas podem estar por trás do clima mais severo dos últimos anos, que levou a dificuldades para a geração hidrelétrica.

Um deles afirmou que as médias de chuvas no longo prazo utilizadas para diversos cálculos no setor de energia não parecem mais refletir a nova realidade, como mostraria a possibilidade de um novo período crítico.

"Esses últimos 10, 15 anos, têm sido muito diferentes da média de longo termo. Realmente, os anos passados eram mais pródigos... a média não reflete muito o que está acontecendo agora. Esperar que a gente volte a ter vazões como no passado é muito complicado", afirmou um dos diretores — ambos não quiseram ser identificados.

"Para mim, é realmente uma mudança climática que a gente tem tido. Podem dizer que isso não existe, mas a realidade está mostrando. Os fenômenos climáticos têm sido muito mais intensos, pelo menos uma parte da situação decorre disso", acrescentou.

Um segundo ex-diretor do ONS afirmou que, além dos maiores níveis de CO2 na atmosfera, questões ambientais também interferem na capacidade de recuperação dos reservatórios.

"Isso tem a ver como a bacia é tratada — desmatamento, assoreamento... um fenômeno de tal latitude e tal complexidade não tem um fator específico, tem uma soma de fatores", disse.

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