ZAHONY, HUNGARY - MARCH 14: Refugees fleeing Ukraine arrive into Hungary at Zahony train station on March 14, 2022 in Zahony, Hungary. Hungary has been the second-most-popular destination for the refugees fleeing Ukraine after Russia began a large-scale attack on Ukraine on February 24. (Photo by Christopher Furlong/Getty Images) (Christopher Furlong/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 22 de março de 2022 às 16h21.
Última atualização em 23 de março de 2022 às 15h06.
Já é certo que a guerra na Ucrânia deve derrubar a economia russa com as sanções impostas por países ocidentais. Mas a grande pergunta do momento nos mercados globais é o quanto os impactos do conflito no Leste Europeu podem respingar no resto do mundo, do Pacífico ao Atlântico.
Em novo relatório sobre os cenários possíveis com a guerra, a consultoria americana McKinsey projeta que, caso o conflito se prolongue e os impactos em setores como o de energia sejam muito extensos, o pior cenário poderia ser até mesmo de recessões na Europa e Estados Unidos.
O maior risco atual é com o setor de energia, uma vez que a Rússia é a terceira maior produtora de petróleo e líquidos derivados do mundo. A crise de refugiados e impactos na cadeia de suprimentos, setor financeiro e fornecimento de alimentos também preocupam.
A McKinsey projeta que, no pior dos cenários, com a guerra seguindo por mais de um ano e a UE decidindo por sanções proibindo importações de petróleo e gás russos — além da crise de refugiados assolando amplamente a Europa Central —, a economia da zona do euro poderia cair -0,5% em 2022 e 2023.
A inflação europeia neste caso chegaria a 7%, com o barril de petróleo Brent na casa dos US$ 150. Neste cenário, embates moderados ainda seguiriam em partes da Ucrânia até mesmo em 2024, mas a economia europeia voltaria a crescer após dois anos.
Além da queda brusca na zona do euro, a economia americana também entraria em recessão em meio ao aumento dos preços dos combustíveis, inflação alta e queda na confiança dos consumidores, projeta a McKinsey.
Já em um cenário médio, de fim das hostilidades no segundo semestre de 2022 — e sem sanções no setor energético, com exportações russas ainda autorizadas —, a economia europeia estagnaria neste ano.
Depois, voltaria a crescer 2,1% em 2023 e 4,8% em 2024. A inflação chegaria a 4% com barril de petróleo na casa dos US$ 90 ou US$ 100, perto do patamar atual. Este é o cenário que se desenha com as sanções da forma como estão colocadas hoje, focadas majoritariamente no setor financeiro mas ainda não nas importações energéticas da Europa.
Nesta projeção, a economia americana ficaria estagnada, mas não em recessão.
Por fim, em um cenário mais otimista, com fim das hostilidades "dentro de algumas semanas", a expectativa seria que as sanções europeias não fossem mais ampliadas — podendo ser até mesmo reduzidas —, e com exportações energéticas russas prosseguindo.
O PIB da zona do euro voltaria assim ao patamar pré-pandemia, crescendo 3,8% já em 2022 e encolhendo só no primeiro trimestre (quando refletiria o choque da invasão). Neste caso, o barril de petróleo voltaria para a casa dos US$ 70 ou US$ 80.
Os cenários são imprevisíveis e podem se modificar à medida que a guerra continua na Ucrânia. Nos últimos dias, governos seguiram discutindo a possibilidade de novas sanções e bancos centrais começam a subir juros em todo o mundo.
Até este momento, a aposta de bancos e casas de análises é que a crise russa vá, inevitavelmente, desacelerar a recuperação econômica pós-covid no mundo, mas ainda não se projeta que cause uma profunda crise global, segundo o Fundo Monetário Internacional.
Mas o risco de uma guerra se prolongando é possível. O conflito chegou nesta terça-feira, 22, a 27 dias, e sem um cessar-fogo robusto no horizonte de curto prazo, após quatro rodadas de negociações já feitas.
Entre os países envolvidos, o impacto será, sim, devastador. A Rússia pode ver a economia caindo 12% ou mais neste ano e entrar em recessão já em abril. E a Ucrânia pode ter a economia encolhendo em um terço com grande parte de seu território ocupado.
Também há impactos nas cadeias de várias áreas, como alimentos. O Leste Europeu, inclusive a Ucrânia em guerra, é importante produtor de grãos, por exemplo, e o preço do trigo já tem batido recordes no mercado internacional.
A Rússia também é uma das maiores produtoras de fertilizantes, o que pode afetar a produção de alimentos. No Brasil, onde mais de 20% dos fertilizantes usados na agricultura vêm da Rússia, órgãos do governo estudam estratégias para que a safra não seja afetada pelo conflito global.
"A concentração de trigo, fertilizantes e produção relacionada na Rússia e na Ucrânia vai sobrecarregar o suprimento de alimentos globalmente. Garantir o fornecimento contínuo de alimentos para os países mais expostos às exportações dessas regiões está se tornando uma questão importante no curto prazo", escreve a McKinsey no relatório.
Além disso, as cadeias de suprimentos, como de alguns minérios e de semicondutores, que já estavam pressionadas por causa da pandemia, devem seguir sendo um desafio.
Isso deve afetar a competição entre os países, fazendo com que governos busquem internalizar a produção de alguns insumos, e inclusive dificultar a produção industrial no curto prazo, prejudicando a retomada econômica e geração de empregos.
Somando as pressões na cadeia de suprimentos às altas do petróleo e das commodities, o cenário piora as perspectivas para a inflação. Os EUA registraram em fevereiro inflação de 8%. O número ainda teve pouco impacto direto da guerra, que começou em 24 do mesmo mês, mas já foi a maior inflação em 40 anos (desde a chamada "Grande Inflação" que acabou em 1982).
O Banco Central americano, o Fed, elevou a taxa de juros pela primeira vez desde 2018, e seis novos aumentos estão previstos. No Brasil, o Banco Central elevou a taxa Selic a 11,75% na semana passada.
Com juros altos, inflação, guerra e choques energéticos, economistas já voltam a debater a possibilidade de "estagflação", termo que combina estagnação ou recessão com inflação alta. Nos anos 1970, choques do petróleo já levaram a um longo período de estagflação nos EUA, respingando também no Brasil e em outros países.