Governo americano agiu de forma pró-cíclica na economia (Yuri Gripas/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 18 de abril de 2018 às 16h20.
Última atualização em 18 de abril de 2018 às 16h43.
São Paulo - Apesar de ter sido eleito junto com maiorias do Partido Republicano no Congresso e no Senado, Donald Trump tem poucas conquistas legislativas no currículo.
A principal foi a passagem, no final de 2017, da maior reforma tributária dos últimos 30 anos nos Estados Unidos.
O pacote incluiu o corte permanente de 35% para 21% no imposto corporativo e reduções temporárias na taxa individual para todas as faixas de renda, com o grosso dos benefícios indo para os mais ricos.
A perda de receita deve adicionar US$ 1,5 trilhão ao déficit americano nos próximos 10 anos, mas levou a uma euforia no mercado.
A mera perspectiva de aprovação ajudou a impulsionar em 20% as ações das 500 maiores empresas americanas entre setembro e dezembro.
A liberação de recursos para famílias e empresas também ajudou a elevar as estimativas de crescimento da economia americana para quase 3% em 2018.
No entanto, o pacote pode se provar um problema em um futuro próximo, de acordo com um relatório lançado nesta terça-feira (17) pelo banco Morgan Stanley.
"Apesar desta política apoiar o crescimento no curto prazo, ela pode agravar a próxima desaceleração e ao mesmo limitar uma reação fiscal a ela", diz o texto.
O recado para os investidores é claro: os benefícios do pacote já estão no preço, mas seus perigos estão sendo negligenciados.
A principal crítica é que o governo americano agiu de forma pró-cíclica, aquecendo uma economia que já estava em seu melhor momento desde a crise financeira de 2008.
Para cumprir exigências políticas e de procedimento, foi definido que alguns impostos voltem a subir a partir de 2022. Nada impede que sejam prorrogados, mas não é uma garantia.
O risco é que animadas por bons resultados e confiança recorde, as empresas alavanquem demais seus balanços agora e se endividem agora para se desalavancarem todas juntas daqui alguns anos.
Uma economia em que todo mundo decide parar de gastar ao mesmo tempo é uma economia que afunda em recessão. Quem pode disparar um novo ciclo positivo neste cenário é o governo.
Isso já acontece, em larga medida, de forma automática - novos desempregados passam a ganhar seguro-desemprego, por exemplo, garantindo alguma renda. Mas em 5 das últimas 7 recessões, o Congresso passou estímulos extras para aliviar o ciclo.
A dúvida é se haverá espaço para isso no futuro: de acordo com a comissão orçamentária do Congresso, a perda de receita vai contribuir para que o déficit federal americano ultrapasse US$ 1 trilhão já em 2020.
A dívida deve atingir o equivalente a 100% do PIB americano no espaço de uma década, um patamar que não é visto desde a Segunda Guerra Mundial.
"A trajetória fiscal atual pode elevar a pressão política para resistir a uma subsequente expansão do déficit", resume o banco.
E isso sem falar no impacto que a reforma tributária deve ter na desigualdade ou na incerteza gerada pelas últimas medidas de proteção comercial.
O alerta do superaquecimento já havia sido dado por Barry Eichengreen, professor de Economia Política na Universidade da Califórnia em Berkeley, em entrevista para o site EXAME em janeiro.
"Cortar impostos agora é cortar impostos no pior momento possível, quando a economia já está crescendo na sua capacidade e o país está em pleno emprego ou perto disso (...) Me preocupa que já ter cortado impostos significa que não haverá espaço para fazer isso quando a recessão chegar", disse ele.