Economia

Governo vai taxar Shein? Sem citar empresas, Haddad diz que combaterá "contrabando"

"Empresas brasileiras estão sofrendo concorrência de um ou dois players desleais", disse Haddad nesta segunda-feira; ajuste na tributação está entre as medidas que serão propostas pelo governo

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 3 de abril de 2023 às 19h52.

Última atualização em 5 de abril de 2023 às 09h32.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, detalhou nesta segunda-feira, 3, um pacote de medidas de arrecadação que a Fazenda planeja enviar ao Congresso paralelamente ao texto do novo arcabouço fiscal. As medidas incluirão frentes como taxação de apostas online e de empresas de e-commerce atuando de forma irregular em relação às normas da Receita Federal.

A Fazenda tem evitado citar nomes de empresas específicas. Em falas sobre as medidas de arrecadação, no entanto, Haddad reforçou ao longo do dia que o foco será estender a tributação a situações hoje não taxadas no comércio eletrônico, como modelos em que a empresa vendedora "se faz passar por uma remessa pessoa-pessoa para não pagar impostos".

Haddad diz que a proposta não é uma taxação "do comércio eletrônico" como um todo, pois empresas do setor hoje já pagam tributos. "Comércio eletrônico faz bem para o país, estimula a concorrência. O que nós temos que coibir é contrabando", disse o ministro a jornalistas em Brasília na tarde desta segunda-feira.

Questionado se a medida seria voltada a empresas como a varejista chinesa Shein e a singapurense Shopee, que têm ganhado popularidade no Brasil no último ano, o ministro disse não saber quais empresas estão atuando de forma irregular.

Haddad afirmou que a taxação não é pensada para empresas específicas, mas para qualquer companhia que descumpra as regras da Receita para esse tipo de comércio.

"Você não taxa 'uma empresa'. Não existe taxar uma empresa. Existe coibir o contrabando. Todas as empresas podem operar no Brasil. O que elas não podem é fazer uma concorrência desleal com quem está pagando imposto aqui", disse Haddad.

"Quem paga imposto está reclamando de quem não paga. É natural isso", disse o ministro.

Tebet, Haddad e secretários na apresentação do arcabouço: governo precisa aumentar arrecadação para cumprir metas de superávit (Diogo Zacarias/MF/Divulgação)

Mais cedo, em entrevista à GloboNews, o ministro já havia citado o e-commerce como uma das três frentes de receita que o governo espera ajustar de modo a zerar o déficit primário em 2024, uma meta estabelecida na nova proposta de arcabouço fiscal.

Nos bastidores, varejistas têm pressionado a Fazenda a atuar, à medida em que vendedores estrangeiros avançam em sua atuação no Brasil. Juntou-se a isso a necessidade da Fazenda de rever alíquotas e benefícios tributários para atingir suas metas fiscais, e o e-commerce irregular virou o alvo da vez.

"Empresas estrangeiras e brasileiras que estão sofrendo concorrência desleal de um ou dois players estrangeiros estão cobrando providência", disse Haddad à GloboNews.

O ministro não detalhou quanto espera arrecadar especificamente com a taxação de modelos de varejo considerados irregulares, mas apontou que as perdas estimadas são hoje entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões.

Os detalhes devem ser finalizados pela equipe econômica e enviados ao Congresso nos próximo dias.

Reportagem anterior de EXAME IN mostrou que somente a Shein, especializada em varejo de roupas e acessórios, deve alcançar R$ 16 bilhões em vendas no Brasil neste ano.

Além de e-commerce, empresas de aposta estão na mira

O pente fino contra as remessas de pessoa física, usado por algumas varejistas internacionais para vender bens a clientes no Brasil, é uma das três grandes medidas que a Fazenda enviará ao Congresso pela via da arrecadação.

Haddad afirmou que a projeção é arrecadar entre R$ 100 bilhões e R$ 110 bilhões com um pacote de medidas via receita.

São três medidas principais: além da taxação de e-commerce atuando de forma irregular, o ministro citou a tributação de empresas de aposta online e um ajuste na cobrança de tributos federais, como IRPJ e CSLL, para empresas com isenção fiscal nos estados.

  • Tributação de empresas de apostas eletrônicas, podendo arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões;
  • Tributação de comércio eletrônico que Haddad chamou de "contrabando", citando o uso de remessa de pessoa física para não pagar impostos (para esta medida, Haddad não citou o valor estimado de arrecadação);
  • Ajuste na cobrança de tributos federais para empresas com isenção fiscal nos estados, podendo arrecadar entre R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões.

Ao todo, Haddad disse que o governo precisará ampliar a receita entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões para conseguir atingir a meta prevista no novo arcabouço fiscal apresentado, de zerar o déficit em 2024 e, a partir daí, estabilizar a trajetória da dívida pública em 2026. Assim, a receita dessas medidas de arrecadação seria suficiente para cumprir a meta prevista para 2024 na proposta de arcabouço.

Apostas online: tributação de empresas do setor está nos planos do governo (krisanapong detraphiphat/Getty Images)

Sobre as apostas eletrônicas, Haddad afirmou que essa é "uma atividade que muitas pessoas nem concordam que exista no Brasil, mas é uma realidade". "Não é justo você não tributar", disse. O ministro afirmou que a projeção inicial era arrecadar cerca de R$ 6 bilhões, mas que a estimativa subiu desde então. As empresas de apostas online não são tributadas atualmente, uma vez que o modelo ainda não foi regulamentado no Brasil.

Já a subvenção nos tributos federais diz respeito à cobrança de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) de empresas que receberam incentivos fiscais dos estados em que atuam. No termo técnico, o governo quer proibir que "subvenção a estados para investimento seja equiparada a custeio". O formato mudou em 2017 e pode, segundo o ministro, gerar perda de arrecadação de mais de R$ 200 bilhões até 2026 se não for alterado.

Medidas chegam ao Congresso nos próximos dias

Haddad disse que as medidas de arrecadação serão enviadas ao Congresso paralelamente ou com pouco espaço de diferença em relação ao texto final do arcabouço fiscal, previsto para chegar à Câmara na semana que vem ou, no máximo, até o dia 15, segundo afirmou o ministro. Embora o desenho geral do arcabouço tenha sido apresentado na semana passada, o texto não foi ainda protocolado no Congresso.

"O arcabouço vai junto com as medidas de recuperação da base fiscal", disse. "Provavelmente vai tudo [junto], se não for com um dia de diferença", disse o ministro.

As medidas de arrecadação devem constar em Medida Provisória, enquanto o arcabouço consiste em lei complementar.

"Não é aumento de carga tributária. Houve uma perda de carga tributária grande que nós estamos minorando, ajustando o texto ao que o Brasil precisa", disse Haddad à GloboNews sobre os ajustes na arrecadação.

Depois desse primeiro combo de medidas arrecadatórias, Haddad afirmou que o governo focará na reforma tributária, que precisará ser aprovada no Congresso por emenda complementar (que exige três quintos dos votos e uma maior articulação do governo). "Vamos parar por aí porque queremos, depois disso, aprovar a reforma tributária", disse. Segundo ele, a reforma "tem um efeito importante de trazer para dentro do sistema quem hoje consegue sonegar".

Haddad afirmou que a reforma tributária está prevista para ser votada na Câmara até julho e até outubro no Senado. Passado esse primeiro momento, o ministro afirmou que há ainda outras seis medidas "saneadoras" que podem ser apresentadas.

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