Coronavírus no Brasil (Antonio RODRIGUEZ/AFP)
Ligia Tuon
Publicado em 18 de junho de 2020 às 14h58.
Última atualização em 18 de junho de 2020 às 15h49.
O governo federal conseguiu usar até agora cerca de 28% do orçamento disponível para saúde no âmbito do enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, mostra relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.
Ações como o pagamento do auxílio emergencial de 600 reais à população mais vulnerável, repasses a estados e municípios, a ajuda a empresas para desestimular demissões em massa contam com um orçamento de 403,9 bilhões de reais, aprovado pelos parlamentares por meio de 25 medidas provisórias (MPs) nos últimos meses.
Mas na prática, apenas 43,47% já foi executado (leia tabela abaixo). Vale ressaltar que nem todo o orçamento disponível deveria já ter sido pago, já que há gastos cuja execução sempre esteve planejada para os próximos meses. É o caso do socorro a informais, estendido por mais três meses.
No caso do enfrentamento da crise sanitária, que engloba gastos diretos com saúde mais aqueles burocráticos e administrativos, o governo tem à sua disposição 44 bilhões de reais. Estes recursos não seguem a mesma dinâmica de pagamento de programas de auxílio mensal, por exemplo.
A falta de coordenação do governo e as sinalizações do presidente Jair Bolsonaro contra as orientações sanitárias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate à pandemia acabaram resvalando na performance da equipe econômica, segundo Felipe Salto, diretor executivo do IFI:
"O Executivo tem papel muito grande na execução de politicas públicas no nosso modelo de federação, principalmente em momentos de crise, que exigem celeridade. Não é simplesmente passar recursos e achar que eles vão ser executados", diz.
Enquanto os recursos estão parados, estados e municípios na linha de frente do combate à doença enfrentam avanço de casos e mortes com estrutura insuficiente. É o caso de estados do Nordeste e no interior de São Paulo, onde algumas das maiores cidades, como Campinas e Ribeirão Preto, estão com lotação de leitos de UTI chegando a 100% em alguns casos.
Algo similar ocorre com o programa de financiamento das folhas de pagamentos de empresas, que teve um volume de desembolso pior do que o esperado.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu no início do mês em audiência pública no Congresso que o programa precisava de ajustes para ganhar eficiência. Segundo ele, 2 bilhões de reais haviam sido distribuídos, de um potencial de 40 bilhões de reais em empréstimos, até o fim de maio, um mês após o anúncio do programa.
O valor abrange 1,3 milhão de empregados beneficiados em mais de 79.000 empresas, muito abaixo dos 12,2 milhões de empregados e 1,4 milhão de empresas previstos no anúncio. De acordo com Salto, as maiores vítimas acabaram sendo as empresas menores:
"[O governo] demorou para perceber que precisaria do fundo garantidor para que os bancos privados concedessem os recursos com garantia do Tesouro. Demorou para acontecer e eu não vi esse atraso em outros países, onde recursos foram liberados mais rápido", diz.
É esperado que, num momento inédito e que pede urgência, como o que vivemos agora, o governo tenha de ir ajustando aqui e ali a operacionalização de seu plano de ataque, destaca Marcel Balassiano, pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV)
"No Brasil, a crise econômica gerada pela pandemia é agravada por várias crises politicas. Uma delas tem como eixo a própria condução do combate ao vírus, que envolveu as demissões recentes de dois ministros da Saúde", diz Balassiano.
As previsões para o crescimento econômico em 2020 têm sido revisadas para baixo. O Boletim Focus, que mede a expectativa do mercado, aponta para uma queda de 6,5% do PIB neste ano, semelhante à do Ibre, de 6,4%. Outros órgãos são mais pessimistas, como o Banco Mundial, que prevê retração de 8%.
O relatório do IFI também alerta para a necessidade de retomar os planos de equilíbrio fiscal em 2021, já que os riscos vêm aumentando significativamente com a trajetória da dívida bruta.
"As medidas necessárias para mitigar os efeitos da crise sobre os trabalhadores e as empresas, e também para guarnecer o setor de saúde são essenciais. O que se deve evitar é a tomada de ações que não estejam relacionadas à crise e/ou que tenham custos fiscais permanentes, sem que novas fontes de recursos sejam indicadas", diz o texto.
O efeito nas contas do governo central das medidas de enfrentamento ao coronavírus chega a 601,3 bilhões de reais, 8,7% do PIB, em 2020, levando o déficit primário total para 877,8 bilhões de reais, ou 12,7% do PIB. Além disso, o risco de rompimento do teto de gastos já em 2021 também aumentou.