Delfim Netto: "Se o miserável do Banco Central não elevar os juros, vão dizer que ele passou a ser dependente (do governo)" (ARQUIVO/WIKIMEDIA COMMONS)
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2011 às 13h28.
São Paulo - Embora seja um dos principais conselheiros econômicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto critica a perda de transparência nas contas fiscais, gerada pela exclusão da Eletrobras dos cálculos e a antecipação de receitas do pré-sal. “O governo deveria ter dito claramente: ‘Esse ano nós não vamos cumprir isso (a meta) porque nós estamos preferindo estimular o desenvolvimento econômico do Brasil e recuperar o tempo perdido na crise’. Não teria nenhum problema.”
Em entrevista ao programa “Momento da Economia”, na Rádio EXAME, Delfim demonstrou indignação com o fato de o Brasil ainda ter a maior taxa de juros real do mundo. “Não é concebível nem justificável imaginar que o Brasil é um país teratológico que precisa de uma taxa de juros real de 7%. Isso é uma das coisas absurdas com a qual nós temos vivido nos últimos 25 anos.”
A consequência óbvia, segundo o economista, é a valorização cambial, que prejudica o setor industrial. O Brasil tem registrado ótimo desempenho nas exportações de matéria-prima, mas números negativos em vendas de manufaturados.
“A sobrevalorização do câmbio por um tempo tão longo produz resultados muito ruins do ponto de vista do futuro do Brasil. O Brasil não é um país pequeno, vai ter 230 milhões habitantes em 20 anos e vai ter de dar emprego de boa qualidade para 150 milhões pessoas. Você não vai fazer isso exportando matéria-prima para China, né?”
Durante a entrevista (para ouvir a gravação na íntegra, clique na imagem ao lado), Delfim Netto também falou sobre a disputa do Banco Central com o mercado financeiro, as negociações do governo com as centrais sindicais em torno do reajuste do salário-mínimo e o papel do BNDES na economia.
EXAME.com - O Brasil vive ou não um processo de desindustrialização?
Delfim Netto - É muito difícil você dizer o que é desindustrialização. Inclusive, essa ideia de uma doença holandesa tem atrapalhado a análise do assunto. Evidentemente o Brasil tem hoje uma taxa de câmbio supervalorizada – a mais valorizada do mundo quando você pega um horizonte de 24 meses – e compete num mundo onde tem taxas de câmbio enormemente desvalorizadas, particularmente na China. Com isso, é criada uma dificuldade muito grande de exportação de produtos industrializados.
Continuação da resposta - Nós temos tido grande sucesso na exportação de matéria-prima, alimentos e minérios, mas, na verdade, nossa exportação de manufaturados tem deixado muito a desejar e tem havido um avanço inteiramente despropositado das importações industriais. Eu digo despropositado porque obviamente não tem nenhuma correspondência com o problema interno de produtividade. É produto, na verdade, de uma taxa de câmbio que não é mais o que foi no passado, um preço relativo de equilíbrio entre oferta e procura de exportação e importação. É hoje um ativo financeiro que depende do diferencial de taxa de juros interna e externa e o Brasil vai ter de enfrentar esse problema. Não adianta ficar triste e não adianta dizer que não funciona e que é impossível. Na verdade, a sobrevalorização do câmbio por um tempo tão longo produz resultados muito ruins do ponto de vista do futuro do Brasil. O Brasil não é um país pequeno, vai ter 230 milhões habitantes em 20 anos e vai ter de dar emprego de boa qualidade para 150 milhões pessoas. Você não vai fazer isso exportando matéria-prima para China, né?
EXAME.com - Nesse contexto, há alguma medida que o governo ainda poderia adotar?
Delfim - O que o governo precisa - e eu acho que está no programa do novo governo - é dar uma ênfase maior ao equilíbrio fiscal e caminhar para reduzir o déficit nominal. É preciso dar garantias ao Banco Central de que você vai trabalhar nessa direção e reduzir a relação dívida-PIB, permitindo que o Banco Central exerça a sua musculatura e reduza a taxa de juros real no Brasil para 2% ou 3%. Não é concebível nem justificável imaginar que o Brasil é um país teratológico que precisa de uma taxa de juros real de 7%. Isso é uma das coisas absurdas com a qual nós temos vivido nos últimos 25 anos.
EXAME.com - Para calcular o superávit primário, o governo tirou os investimentos do PAC, contabilizou dinheiro da capitalização da Petrobras e agora excluiu a Eletrobrás da meta. Isso não tira a transparência do resultado fiscal?
Delfim - Sem dúvida. Na verdade, o resultado fiscal se presta a essas coisas. Então, é por isso que eu digo que temos que caminhar para o equilíbrio nominal (que inclui juros), que é o equilíbrio que as famílias procuram. Porém, não vamos também exagerar. Foi durante um momento de crise, em 2009 e 2010, que o governo cometeu alguns pecados veniais. Na minha opinião, o governo deveria ter dito claramente: ‘Esse ano nós não vamos cumprir isso (a meta) porque nós estamos preferindo estimular o desenvolvimento econômico do Brasil e recuperar o tempo perdido na crise’. Como o Brasil saiu primeiro da crise, não teria nenhum problema se o governo tivesse dito com toda a clareza que não iria fazer esse ano a meta de 3,1% (em relação ao PIB) como se imagina, mas 1,6% como será feito.
EXAME.com - O sr. criticou os juros elevados no Brasil e a gente está observando a inflação em alta.É a inflação do feijãozinho, como disse o ministro Guido Mantega, ou de fato é uma inflação que requer elevação de juros?
Delfim - Provavelmente você está hoje com algumas tensões externas, que se refletem no IGP, muito influenciado pelos preços no atacado. A inflação só não é maior por causa da supervalorização do real. Se o real tivesse caminhado para o seu verdadeiro valor, você teria uma pressão inflacionária aparentemente muito maior. Na verdade, você tem tensões que são provavelmente estacionais e tem pressões que são de demanda, sendo que as de demanda são muito menores que as estacionais.
EXAME.com - Então o Banco Central não vai precisar elevar juros?
Delfim - Esse negócio de precisar ou não precisar elevar juros é complicado. Hoje você criou um estado de espírito de tal ordem que se o miserável do Banco Central não elevar os juros, vão dizer que ele passou a ser dependente (do governo). O sistema financeiro é especialista em colocar em corner o governo.
EXAME.com - Qual a sua opinião sobre a ideia do ministro Guido de Mantega de se criar um índice de inflação que retire alimentos e combustíveis, o chamado núcleo de inflação?
Delfim - Isso não é ideia do Mantega. Isso é uma coisa usada no mundo inteiro. A discussão é uma tempestade em copo d’água. O Banco Central do Brasil provavelmente já usa o núcleo de inflação, pois ele não obedece simplesmente as pressões estacionais. O que eu acho que o ministro disse é que, se a sociedade entendesse o núcleo de inflação, provavelmente ficaria exigindo menos erros do Banco Central.
EXAME.com - Gostaria de ouvir a sua opinião sobre o papel do BNDES, que foi importante durante a crise, mas agora recebe críticas de alguns economistas porque o Tesouro tem ampliado a dívida bruta para turbinar o capital do banco. Esse é o momento de o BNDES pisar no freio ou ainda há um papel importante a desempenhar?
Delfim - O BNDES tem um papel importante, mas isso não significa que ele precisa continuar na velocidade em que ele vinha. Eu acho que vai ser reduzida naturalmente (a velocidade dos empréstimos). O BNDES vai ter uma redução importante da dotação orçamentária do governo para 2011, como parte do processo de ajuste que está sendo feito.
EXAME.com - O governo está negociando com as centrais sindicais o reajuste do salário-mínimo. Se a regra que está em vigor fosse mantida, a gente teria dessa vez um reajuste apenas pela inflação já que o PIB de 2009 foi negativo. O sr. acha que é o momento de se quebrar essa regra e criar outro mecanismo ou isso é preocupante do ponto de vista fiscal?
Delfim - A regra em si mesma, na minha opinião, é ruim. Nós deveríamos acabar com todo esse tipo de indexação. Deixar isso para a livre negociação torna os mercados muito mais sensíveis e você vai aprendendo nesse processo. O que acontece é o seguinte: nesse ano, se você aplicar a regra, você deveria até reduzir o salário ou ficar nulo e, no ano que vem, você teria um aumento importante do salário-mínimo. Então é bastante razoável que você negocie dividir isso em duas vezes porque seguramente o salário-mínimo tem sido um fator importante na redução da pobreza, mas também é um dos fatores mais importantes da elevação de preços nos serviços. Se você olhar, os serviços continuam crescendo 7% nos últimos quatro anos e ele não volta ao nível anterior porque você está dando toda vez um choque, que é um aumento real do salário. Isso foi uma coisa muito importante na construção do mercado interno e no processo de eliminação da pobreza, mas é evidente que existe um limite pra esse negócio. Então, na minha opinião, nós deveríamos ficar no valor de R$ 540 que foi proposto pelo governo.
EXAME.com - Guido Mantega, Alexandre Tombini e Miriam Belchior. O sr. gostou do trio econômico?
Delfim - É um trio craques.
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