BANCO CENTRAL: há espaço para mais cortes na Selic? (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 27 de agosto de 2020 às 19h37.
Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 20h09.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou nesta quinta-feira a transferência de 325 bilhões de reais ao Tesouro Nacional do resultado cambial do Banco Central no primeiro semestre e deixou a porta aberta para incremento deste valor caso avalie necessário.
"Houve a decisão do CMN para a transferência imediata de 325 bilhões de reais dessas reservas para o pagamento da Dívida Pública Mobiliária Interna. Caso haja necessidade, o CMN avaliará, ainda neste exercício, a ampliação deste valor", disse o Ministério da Economia, em nota.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse publicamente ser a favor de alguma transferência, mas que era preciso prudência para que a operação não ficasse caracterizada como financiamento e, adicionalmente, que um colchão fosse preservado para a autoridade monetária fazer frente a eventuais oscilações cambiais à frente.
Na lei sobre as relações entre Tesouro e BC, de 2019, há uma brecha para a utilização desse repasse, mas desde que seja usado para pagamento de dívida.
A legislação estabelece que os ganhos cambiais devem em geral permanecer em uma reserva do BC para cobrir perdas futuras com a flutuação cambial, mas prevê a possibilidade de repasses pontuais ao Tesouro em caso de "severas restrições nas condições de liquidez" afetarem o refinanciamento da dívida pública.
A lei também prevê o repasse de títulos ao BC pelo Tesouro quando o patrimônio líquido do banco estiver próximo do limite mínimo de 1,5% do ativo total.
No primeiro semestre, o BC registrou saldo positivo de 478,5 bilhões de reais com operações cambiais, composto de ganho de 535,8 bilhões de reais com reservas internacionais, diante da alta do dólar frente ao real, e perda de 57,3 bilhões de reais com swaps cambiais. A maior parte desse ganho, contudo, é contábil, já que as reservas não foram majoritariamente vendidas, mas apenas marcadas a mercado conforme o novo patamar do dólar.
Nesta semana, inclusive, o Ministério Público protocolou uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) demandando que o órgão monitore a eventual operação de transferência de recursos do BC ao Tesouro para evitar o risco de "pedalada fiscal".
Na representação, o MP argumentou ser grande a probabilidade de a necessidade do socorro não decorrer de problemas de liquidez gerados por "oscilações espontâneas do mercado", mas sim representar um artifício para financiar expansão das despesas públicas no ano eleitoral.
Em falas públicas nesta semana, Campos Neto pontuou que, com o repasse de parte do resultado cambial ao Tesouro, evita-se que o Tesouro tenha de ir a mercado realizar emissão para pagar o vencimento de títulos.
Por outro lado, ele ressaltou que esse pagamento gera liquidez na economia e, para enxugá-la e manter a Selic na meta, o BC tem de agir via títulos públicos em operações compromissadas. O aumento do estoque de compromissadas tem impacto direto na dívida bruta, que subirá, portanto, com ou sem transferência do resultado cambial do BC ao Tesouro.
O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirmou nesta quarta-feira que o Ministério da Economia solicitou inicialmente a transferência de 445,2 bilhões de reais do resultado cambial do Banco Central (BC), mas o governo decidiu pelo valor de 325 bilhões de reais em razão de preocupação apresentadas pela autoridade monetária.
"O Banco Central mostrou uma preocupação quanto ao comportamento do balanço ao longo do segundo semestre, em particular com a possibilidade de ter um prejuízo superior ao saldo remanescente desse resultado por causa de uma variação cambial", explicou Funchal em coletiva de imprensa virtual do Conselho Monetário Nacional (CMN).
"E aí, a partir dessas discussões, a própria Comoc [Comissão Técnica da Moeda e Crédito], em unanimidade, sugeriu para o Conselho Monetário Nacional a transferência imediata de 325 bilhões de reais, mantendo a possibilidade de uma nova transferência até o final desse exercício, claramente ainda se tiver a manutenção das severas restrições de liquidez da economia", completou.
De acordo com o secretário, como resultado das consequências econômicas da pandemia de covid-19, as atuais condições de mercado são marcadas por severa restrição nas condições de liquidez, alimentada por uma forte migração para ativos líquidos e menos voláteis, justificando o pedido do Tesouro.
"O principal indicador do nosso risco de financiamento no curto prazo é justamente o percentual de dívida vencendo nos próximo 12 meses e a gente já consegue observar um aumento bastante significativo desse número, passando de 18,7% para algo em torno de 20 a 23%, provavelmente ainda um pouco maior do que isso."