Bandeira brasileira (Henrique Westin/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 10 de março de 2020 às 17h31.
Última atualização em 10 de março de 2020 às 19h06.
São Paulo — A onda de cortes nas previsões para o crescimento brasileiro em 2020 parece não estar perto do fim. O que já parecia complicado com o risco do avanço do surto de coronavírus no mundo piorou consideravelmente — ao menos num primeiro momento — com a recente queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia, que derrubou os preços do petróleo.
As revisões mais recentes foram impulsionadas pela epidemia e pela divulgação, no último dia 4, do Produto Interno Bruto (PIB) referente a 2019, aquém do esperado pelo mercado, e não contam com esse último evento internacional. Nessa linha, o Goldman Sachs, que revisou sua projeção de alta de 2,2% para 1,5% na semana passada, vê uma probabilidade cada vez maior de um crescimento abaixo de 1% em 2020.
"Existem canais que impactam negativamente o Brasil nesse cenário: comércio, turismo, fluxo mais volátil de capital financeiro, deterioração dos termos de troca devido aos preços mais baixos das commodities, interrupções nas cadeias de fornecimento de bens / insumos intermediários que prejudicam a capacidade de alguns setores de produzir (por exemplo, automóveis , aparelhos, produtos farmacêuticos etc.), condições financeiras mais apertadas à medida que os spreads de crédito aumentaram e, eventualmente, também medidas para conter um eventual surto dentro do país, o que geraria restrições de movimentação e um impacto muito grande na atividade, principalmente nos serviços", diz Alberto Ramos, diretor de pesquisas do banco para América Latina.
Um crescimento abaixo de 1% seria um resultado desastroso e sugeriria que o país mal cresceu no ano, já que 2019 favoreceu um carregamento estatístico calculado em 0,8% para o PIB de 2020.
O cenário cogitado na análise de Ramos seria um dos mais graves para o país, já que considera a disseminação do coronavírus internamente, a exemplo do que acontece hoje na China, Itália e Irã. Se isso ocorresse, o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do PIB brasileiro, seria atingido em cheio. "As pessoas parariam de ir aos cinemas, teatros, shows, restaurantes", diz Luana Miranda, pesquisadora da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). A pesquisador ressalta por outro lado, que esse não é o cenário base do instituto, que revisou de 2,2% para 2% na semana passada, com perspectiva negativa.
Enquanto o vírus se mantiver longe de se espalhar no país, o setor mais afetado é a indústra, por conta da escassez de produtos importantes para produção nacional. Essa realidade já afeta alguns setores.
Sondagem realizada pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) aponta que 70% das entrevistadas já apresentam problemas no recebimento de materiais, componentes e insumos provenientes da China. "Esse resultado indica um agravamento da situação em relação às pesquisas anteriores. Na primeira pesquisa (5 de fevereiro), o número de empresas com problemas era de 52%, e, na segunda sondagem (20 de fevereiro), 57% das consultadas apontavam impacto negativo", diz a associação.
A situação de desabastecimento é observada principalmente entre os fabricantes de produtos de Tecnologia da Informação (celulares, computadores, entre outros). A pesquisa contou com a participação de 50 indústrias das diversas áreas do setor eletroeletrônico.
As previsões de cresicmento econômico têm se deteriorado numa velocidade maior que a observada em 2019, quando começaram o ano em 2,5% e foram caindo até 1,1%
Só na última semana, os bancos BTG, UBS, Daycoval, a MB Associados e o Ibre revisaram seus cálculos, que ficam dentro do intervalo entre 1,3% e 2,1%. Nas semanas anteriores, Barclays, Citibank, BNP Paribas, MUFG Brasil, JP Morgan e Santander já haviam revisado seus cálculos para valores dentro desse intervalo.
"É possível que o número seja novamente reduzido, de 1,7% para 1,5%, se a crise piorar", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB.
Já o Daycoval tem duas suposições: num cenário em que a China cresce 5%, o PIB brasileiro deve ter alta em torno de 1.3%. "Já se o país asiático tiver uma recuperação perfeita e crescer 5,75% neste ano, esse 1.3% pode virar 1.8%", diz Rafael Cardoso, economista-chefe da instituição. Até a semana passada, o cenário base do banco, de uma recuperação chinesa, contava com um avanço correspondente maior no Brasil, de 2,1%.
No último boletim Focus, o mercado passou a ver crescimento econômico abaixo de 2% neste ano pela primeira vez: de 1,99%, contra 2,17% antes. Na mesma época do ano passado, as expectativas para o PIB de 2019 convergiam para 2,28%.
O mesmo movimento é visto nas previsões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1,7% para 2020. Na mesma época do ano passado, a previsão da organização para o crescimento de 2019 era de 1,9%.
A opinião geral é de que o choque causado pelo coronavírus se dissipará no segundo semestre. Se não, o país terá um crescimento pífio pelo quarto ano seguido, o que deverá deixar o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, muito mais preocupado.