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Da Redação
Publicado em 24 de setembro de 2014 às 06h31.
Gaza - Cansado de dividir uma pequena barraca de campanha com sua mulher e cinco filhos, Moussa Abu Asser olha com raiva e desespero os destroços do que era sua casa no bairro de Shahaiye, um dos mais castigados durante a última e devastadora ofensiva militar israelense em Gaza.
Os incessantes e duros bombardeios israelenses sobre este bairro do leste da Faixa, transformado em um dos principais campos de batalha, lhe obrigaram primeiro a fugir e depois a buscar refúgio em uma das escolas das Nações Unidas.
Interrompida a guerra, a própria ONU lhe proporcionou há três semanas essa barraca de campanha para atenuar um dos principais efeitos da guerra: a falta de moradia e uma crise imobiliária na qual as poucas casas que restam em condições habitáveis têm um preço proibitivo para a maioria dos habitantes de Gaza.
"Vivo nesta tenda com minha mulher e meus filhos, em frente ao que era minha casa, desde que acabaram os bombardeios. Não posso seguir assim, esperando que alguém decida vir me ajudar a reconstruí-la", explicou Asser à Agência Efe.
"Não tenho dinheiro para levantá-la de novo e tampouco para alugar um apartamento. Mas algo terei que fazer, ninguém vai vir em nossa ajuda", se queixa enquanto tenta retirar escombros com suas mãos.
"Alugar um apartamento se transformou em algo impossível, é muito caro. Além disso, quase não restam casas para alugar. Portanto a única coisa que posso fazer é tirar isto e tentar levantar algo provisório", acrescentou.
Asser não é o único. Cerca de 400 mil pessoas se viram obrigadas a abandonar seu lar e buscar refúgio em escolas da ONU, hospitais ou casas de familiares durante os 50 dias que duraram os bombardeios israelenses.
Cerca de 100 mil não puderam retornar ainda, e vivem em barracas de campanha ou em apartamentos saturados nos quais compartilham espaços com outros parentes ou com vizinhos para poder assumir os altos aluguéis.
Dados do governo de reconciliação nacional palestino afirmam que mais de sete mil imóveis ficaram completamente destruídos - entre eles grandes torres de apartamentos - e um número similar precisa de grandes obras para voltar a ser habitáveis.
A esta trágica situação se soma o fato de que três semanas após estipulado o cessar-fogo permanente, a entrada de materiais de construção na Faixa - que Israel se tinha comprometido a autorizar - ainda não flui.
Há apenas poucos dias que o governo israelense aceitou o mecanismo proposto pela ONU e pelo qual serão funcionários das Nações Unidas que vigiarão que estes materiais sejam utilizados apenas para fins civis.
Também não se iniciaram ainda os instrumentos financeiros para custear a reconstrução - cuja fatura os palestinos calculam que chegará a mais de 5 bilhões de euros - pendentes da conferência de doadores convocada para o dia 12 de outubro no Cairo.
Antes da guerra, um apartamento de três quartos em Gaza custava cerca de US$ 200 ao mês, mas agora é impossível encontrar algo similar por menos de US$ 400 mensais.
"Não só não posso pagar esse preço, é que não posso desperdiçar o pouco dinheiro que tenho em algo que não é meu, que vai se evaporar", insistiu Asser.
Especialistas como Omer Xá"ban, presidente de um dos centros de análise econômico da Faixa, consideram, no entanto, que além dos atrasos, o problema é que não existe uma verdadeira vontade de solucionar o drama de Gaza.
"Existem várias razões para que o tema da reconstrução não tenha sido resolvido ainda. Uma delas são as disputas internas entre o (partido nacionalista) Fatah, do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e (o movimento islamita) Hamas", que mantém ainda grande parte do controle da Faixa, explicou.
"Não há dúvida que esta queda de braço afeta negativamente o processo, e que o seguirá fazendo, já que os doadores advertiram que o dinheiro não chegará enquanto persista o conflito interno palestino e não haja uma autoridade clara em Gaza", ressaltou.
Outros apontam diretamente Israel, país ao qual acusam de explorar e fomentar a divisão palestina para que a reconstrução não avance e possa assim manter o bloqueio econômico e o assédio militar ao qual submete a Faixa desde 2007.
"O acordo de cessar-fogo incluía a demanda fundamental que se suspendesse o bloqueio e se autorizasse a entrada de material sem restrições", lembrou Aatef Odwan, membro do Hamas e do parlamento palestino.
"Passaram-se semanas e nada mudou. O acordo com a ONU não é suficiente", acrescentou, antes de advertir que, se não melhorar, essa situação "pode levar a uma nova explosão". EFE