Langoni: "No Brasil, houve uma fuga maior, porque já havia uma valorização forte da Bolsa" (FGV/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 8 de junho de 2020 às 08h59.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 09h21.
O economista Carlos Langoni, de 75 anos, conhece como poucos os meandros da área externa do País. Diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central (1980-1983), Langoni se opõe aos analistas que atribuem a fuga do capital estrangeiro da Bolsa, a alta do dólar e a redução dos investimentos internacionais na produção a uma rejeição dos investidores ao governo Bolsonaro. Nesta entrevista ao Estadão, ele diz que tudo isso se deve muito mais a fatores externos, em razão da "aversão global ao risco" gerada pela pandemia, do que internos.
Nos últimos meses, houve uma grande saída de capital estrangeiro da Bolsa. Só em 2020, foram cerca de R$ 75 bilhões. Muita gente relaciona isso com a instabilidade política do País e com uma rejeição dos investidores externos ao governo Bolsonaro. Como o sr. explica isso?
O que está acontecendo é resultado direto do impacto de um choque global sem precedentes históricos, que não tem relação com a política econômica liberal que vinha sendo implementada no País. No mundo todo, houve uma aversão ao risco que se refletiu numa fuga de capitais, principalmente de economias emergentes. Os investidores foram buscar refúgio nos títulos do Tesouro americano, mesmo com juros reais praticamente negativos.
Na sua visão, essa saída de capitais da Bolsa tem mais a ver, então, com fatores externos do que internos? É isso?
Sem dúvida. Nesta crise, as expectativas de curto prazo estão sendo dominadas por fatores externos. Mas é lógico que há também um componente interno. A fuga pode ser maior ou menor, conforme as condições de cada país. No Brasil, houve uma fuga maior, porque já havia uma valorização forte da Bolsa, com a melhora na percepção de risco País ao longo do ano passado. É até natural que, com esse choque, houvesse uma saída forte de capitais do mercado acionário. No curto prazo, a percepção de risco é sempre muito sensível a qualquer turbulência, seja ela econômica, política ou mesmo uma perturbação externa.
Apesar de o sr. dizer que os fatores locais estão contando pouco o índice de risco país também teve queda forte. Isso não seria um indicador de que o cenário local teve um peso maior?
Até o choque, havia uma tendência de queda nos CDS (credit default swaps) do Brasil, que funcionam como uma medida do risco país. Os CDS chegaram a ficar abaixo dos 200 pontos-base e dispararam com a pandemia. O choque global pegou a economia brasileira ainda numa fase de transição, em que uma nova arquitetura fiscal sustentável ainda estava sendo desenhada e implementada. Quando o mercado percebeu que o Brasil teria de abandonar, ainda que de forma transitória, a estratégia de controle de gastos públicos, para atender a uma emergência de saúde, econômica e social, o componente doméstico também pesou. A questão é saber se esse desequilíbrio fiscal será um fenômeno episódico e se a rota será corrigida após a pandemia, para que esse processo volte a ter uma trajetória sustentável.
Nos últimos dias, o dólar, que chegou a quase R$ 6, já deu uma boa recuada. Mas ainda acumula uma alta de cerca de 30% no ano.
Isso também reflete mais o cenário global do que o local?
Como eu falei, no mundo todo houve uma aversão global ao risco, que se refletiu também numa valorização do dólar em nível mundial. Em economias emergentes, qualquer fator de desequilíbrio, seja econômico, político ou mesmo externo, reflete-se rapidamente na taxa de câmbio. No Brasil, muitas vezes o real se desvaloriza de forma exagerada. Costumo chamar isso de overshooting cambial. Aí o Banco Central tem de intervir no mercado, para tentar amenizar a trajetória do câmbio.
Mesmo o investimento estrangeiro direto, considerado mais estável, teve queda significativa nos últimos meses. Em abril, ficou em US$ 234 milhões, o menor nível para o mês desde 1995. O investidor de longo prazo não está com o pé atrás com o Brasil?
Todo mundo está no modo standy by, aplicando recursos em ativos de grande liquidez. As decisões de investimento estão sendo postergadas. Isso é um fenômeno mundial. Agora, no Brasil, como eu disse, você tem essa incerteza econômica, por causa dos efeitos colaterais da pandemia sobre as contas públicas e o mergulho recessivo que deverá se acentuar no segundo trimestre. Antes do choque, havia uma melhora nos índices de confiança, em decorrência da aprovação da reforma da Previdência e da expectativa de que seria implementada uma agenda de reformas em 2020. No início do ano, havia uma sensação de que a economia podia decolar e as projeções todas eram de um crescimento na faixa de 2,5% a 3%.
O sr. não está subestimando a importância dos fatores internos nessa questão? A instabilidade política não afasta também os investidores externos?
Em qualquer democracia, nas crises econômicas, há aumento das tensões políticas. Isso não é só no Brasil. Aconteceu na França, na Itália, na Alemanha e está acontecendo nos Estados Unidos. Agora, de novo, é claro que há um fator de risco país, apesar de eu achar que temos uma democracia consolidada, que é um dos nossos trunfos frente a outras economias emergentes. Veja o que aconteceu nesta semana. Houve uma correção do overshooting cambial, com o dólar caminhando de novo para R$ 5, sem que tenha ocorrido qualquer mudança significativa no plano interno. O lançamento de títulos do Tesouro de 5 e 10 anos, por taxas de 3% e 4% ao ano, foi um sucesso. É uma prova de que o investidor de mais longo prazo continua confiante no Brasil. Isso mostra que existe uma assimetria entre a percepção de risco de curto prazo e a de longo prazo. Ao mesmo tempo, é uma aposta de que o desequilíbrio fiscal necessário para mitigar o impacto do coronavírus será corrigido, ainda que gradualmente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.