Figueiredo, da Jive: "do lado macro, em fiscal, tributário, estamos vendo racionalidade" (Jive/Divulgação)
Repórter de Economia e Mundo
Publicado em 10 de abril de 2023 às 06h00.
Última atualização em 10 de abril de 2023 às 08h40.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em janeiro deste ano, muito do debate econômico girava em torno de como o governo "Lula 3" lidaria com o espaço fiscal para fazer cumprir o programa social do governo em um cenário de déficit primário acima de 2%. Nem toda essa incerteza se dissipou. Ainda assim, passados 100 dias de mandato, já é possível dizer que o governo está "andando para frente" na macroeconomia e que parte do risco foi equacionado, diz Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de administração da Jive Investments.
Para ele, o Brasil está melhor agora do que estava sem a apresentação de um plano de receita para reduzir o déficit e do arcabouço fiscal, encabeçado pelo ministro Fernando Haddad. "Estamos em uma situação de menos incerteza do que antes de o arcabouço ser anunciado", argumenta, afirmando que o desenho, "se não é o que os economistas queriam, ao menos reduz o endividamento no futuro".
"Não é que o mercado está muito otimista com o plano. Está mais positivo porque o risco, que era muito grande, saiu de cena — ou foi muito diminuído", diz Figueiredo, que foi diretor de política monetária do Banco Central — durante um dos momentos de maior incerteza do país, na transição para o primeiro governo Lula — e um dos fundadores da Mauá (hoje parte do mesmo grupo da Jive). "Do lado mais macro, fiscal, tributário, estamos vendo racionalidade. Estamos vendo as coisas andando para frente", conclui. Na outra ponta, para ele, há áreas de preocupação no micro, como os debates sobre lei das estatais ou saneamento. "Desse lado tenho mais medo, porque, se houver um retrocesso muito grande, pode gerar inclusive um problema macro."
Figueiredo fez à EXAME seu balanço dos primeiros 100 dias do governo Lula e falou sobre arcabouço fiscal, incertezas por vir, alguma melhora na curva de juros e o porquê de a Jive ter projeção de 1,5% de crescimento e na casa dos 2% para 2024, levemente acima da mediana do mercado. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Como o senhor lê este começo de governo, em relação à expectativa que se tinha e o que mostrou até o momento, como arcabouço fiscal ou outras sinalizações?
Lá atrás, logo que o presidente foi eleito, apareceu uma grande incerteza na incompatibilidade do ajuste fiscal e da responsabilidade social. E houve uma consequência nos ativos brasileiros. De lá para cá, vem ficando claro que o governo está, sim, buscando estabilidade fiscal. É um pressuposto para que as políticas sociais tenham efeito.
Como avalia o desenho do arcabouço?
A grande importância do novo arcabouço é deixar claro que há um arranjo fiscal, que não deixará que a dívida pública exploda. Está sanando uma grande incerteza que existia até então. A segunda coisa é como foi construído, mais baseado nas receitas do que no corte de despesas. Saímos de um modelo de teto de gastos para um modelo em que somos mais dependentes das receitas, não terá um Estado que ao longo do tempo vai diminuir e abrir espaço para a iniciativa privada. Só muito levemente, porque gasto tende a crescer menos que receita, no caso de um ambiente razoável. Então, do ponto de vista de alocação de recursos, é pior que o anterior, porque o Estado tende a ficar com uma parte maior do próprio PIB.
E há uma trajetória de recuperação fiscal muito gradual, que no final vai gerar sustentabilidade da dívida somente mais para frente, 2028, 2029. Ou seja, a dívida pública como proporção do PIB vai crescer até lá, a não ser que o país cresça bastante, o que é difícil de antecipar. Mas é um arcabouço que tirou o que muita gente chama de "risco de cauda", risco de estresse maior.
Nós estamos em uma situação hoje muito melhor do que antes do arcabouço. Existia um risco, uma incerteza — que alguns achavam grande, outros menor —, que foi sanada.
Essa incerteza maior foi sanada mesmo com o que ainda está por vir no Congresso?
Está ficando claro que o Congresso vai ser bem simpático ao arcabouço. Onde existe mais dúvida é no que precisa de aumento de receita, sobre o que vai passar, se vai precisar, isso não se sabe ainda. Mas, do arcabouço, o que está parecendo é que não é um formato que, dentro do Congresso, sofrerá grande resistência.
A gente está em uma situação de menos incerteza do que antes de ser anunciado. Tem muito mais para acontecer, aumento de receita para alcançar meta deste ano e conseguir zerar o superávit para o ano que vem. Tem aí alguns desafios. Mas os ativos brasileiros já tinham, embutidos em seus preços, algum risco de um problema maior na dívida. É por essa razão que o mercado está recuperando os preços.
Não é que o mercado está muito otimista com o plano. Está mais positivo porque o risco, que era muito grande, saiu de cena — ou foi muito diminuído. A curva de juros de mês para cá fechou algo como 80, 90 pontos base, o equivalente a 0,80%, 1% ao ano. O que é muita coisa.
O ministro Fernando Haddad, principalmente na última semana, deu mais detalhes sobre o que pretende fazer para aumentar a arrecadação, focando em três frentes: e-commerce irregular, apostas eletrônicas e base de cálculo da CSLL nos estados. Como vocês recebem a possibilidade de arrecadar R$ 100 a R$ 110 bilhões com essas três frentes?
Tem um pouco de "chute" nesse tipo de coisa. A parte de tributação do comércio eletrônico e apostas aparentemente é mais fácil. Essa com relação à CSLL parece a mais difícil. No final, esse é um menu inicial. Tem várias outras coisas, toda a isenção tributária, que hoje chega a R$ 400 bilhões por ano. Ali tem espaço, devem ter "jabutis" entre elas, como disse o ministro. É difícil dizer o que vai prevalecer. Não dá para imaginar que tudo vai passar, mas algumas coisas, sim.
Existe hoje uma visão mais realista sobre o ajuste do que existia em janeiro? Uma aceitação maior do mercado de que, embora agentes considerem ideal um corte de despesa, o ajuste virá via receita?
É claro que estamos longe do ideal, que seria ter um Estado que gaste menos. O Brasil gasta 30% do PIB nas três esferas de governo, países emergentes gastam pouco mais de 20%.
O que precisávamos era escolher melhor os gastos prioritários. Agora, não dá para esperar que um governo de esquerda vá reduzir o tamanho do Estado. Isso é contra a própria ideologia.
Dito isso, estamos falando de um piso de crescimento de despesa de 0,6% do PIB. No período do PT, a média tinha sido de 6% ao ano. É uma situação melhor do que tivemos lá atrás.
Chegando aos 100 dias, o governo já consegue ter uma marca na economia? Há pontos positivos ou negativos o senhor destacaria?
Na parte mais macro, o governo está andando para frente. Criou o novo arcabouço, que se não é o que economistas gostariam, no mínimo, reduz o endividamento; teremos uma reforma tributária; e tem sim uma expectativa de melhora fiscal, melhora no orçamento público. Vai ter um déficit menor esse ano, e se o governo conseguir, no ano que vem vai ser zero, depois superávit, e assim por diante.
Agora, no lado micro, é muito ruim. Desde a discussão sobre saneamento, empresas públicas, bancos públicos, o que está acontecendo na Petrobras.
Desse lado mais micro, acho que estamos andando para trás, e não é pouco. Uma série de coisas que foram avanços, estão retroagindo.
Em termos de crescimento, é relativo consenso que teremos desaceleração neste ano e crescimento fraco também para 2024. Como balancear isso com um ajuste via arrecadação?
O mundo está pagando conta da inflação mais alta neste ano e ano que vem. Não é só o Brasil que está assim, é o mundo inteiro. Nossa projeção é de 1,5% de crescimento do PIB para esse ano, e ano que vem pode chegar a 2%, até acima. Então, a minha preocupação está justamente na parte microeconômica, que se houver muito retrocesso, o investimento sobre o PIB, que foi para perto de 19%, 19,5% ano passado, pode cair mais.
Vocês têm projeção de crescimento em 1,5%, um pouco acima do Focus. Estão mais "otimistas"? Por que essa projeção?
Eu vejo o risco fiscal arrefecendo, uma coisa muito importante. Se nós não tivermos muito retrocesso com relação ao lado micro, temos contratado volume grande de investimentos em micro, uma série de reformas foram feitas, isso tudo vai trazer mais crescimento. E nós somos mais animados com crescimento na área agrícola — o Brasil está indo muito bem e não há razão para achar que vá menos bem no ano que vem. E também nossa projeção não é muito a mais, é um pouco [a mediana do Focus na última semana ficou em 0,9%]
Essa frente de gasto público, como Bolsa Família em R$ 600, Minha Casa, Minha Vida e outros programas, vai ajudar em crescimento? Ou o risco fiscal anula um pouco o efeito?
Isso ajuda, sim, desde que do lado do endividamento você não traga uma grande incerteza, desde que seja feito concomitantemente com responsabilidade fiscal, que é o ponto que comentei antes. Vai ajudar o consumo, principalmente das coisas mais básicas.
Havia muita discussão sobre como seria o "Lula 3". Embora ainda seja pouco tempo para avaliar, que balanço podemos fazer do rumo desse terceiro mandato?
Para mim, o que está acontecendo é gradualmente um governo que está colocando para frente o seu programa. Tinha uma bateção grande de cabeça e não estava claro. Agora, há reforma tributária caminhando, arcabouço. A briga com o Banco Central, também, aparentemente arrefeceu, embora precisemos esperar um pouco mais. Isso é muito importante. Mesmo algumas medidas que o governo ensaiou, como questionar a própria independência do BC, ele desistiu. Está com uma cara de uma coisa um pouco mais alinhada, está ficando mais claro um pouco a cara do governo.
Do lado mais macro, fiscal, tributário, estamos vendo racionalidade. Estamos vendo as coisas andando para frente. O problema tem sido mais no lado micro. Muitas coisas que não deram certo lá atrás sendo reanalisadas — até o Fies, que foi um desastre. Desse lado tenho mais medo, porque, se houver um retrocesso muito grande, pode gerar um problema macro.