O economista Nelson Barbosa é hoje professor da FGV e da UnB (Reinaldo Ferrigno/Agência Câmara)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de setembro de 2018 às 11h07.
Última atualização em 26 de setembro de 2018 às 11h28.
Um dos economistas do PT mais próximos a Lula e bastante conhecido no mercado por ter ocupado ministérios no governo de Dilma Rousseff, o professor da FGV e da UnB Nelson Barbosa aponta caminhos para o país que não se alinham completamente às propostas de Fernando Haddad, candidato à presidência pela sigla.
A principal divergência parece ser a priorização do que vem primeiro: ajuste fiscal ou estímulo ao crescimento.
A reforma do gasto público, incluindo a Previdência, é um requisito decisivo para que a economia volte a se expandir com maior força, diz Barbosa, em entrevista no escritório da Bloomberg em São Paulo.
Já o programa de governo do partido protocolado no TSE defende uma ação de curto prazo para retomada da economia via aumento do gasto público com uma recomposição tributária, ambos com foco em elevar a arrecadação para equalizar as contas.
Barbosa enfatiza que a hierarquia na implementação das mudanças é importante. “Em política econômica, não é só a qualidade, é a sequência das medidas”, diz. “Para fazer investimento, antes tem que mudar as regras fiscais”.
O economista elenca que a alteração nas regras do sistema previdenciário tem de ser enfrentada imediatamente. Segundo ele, a deterioração fiscal não é o grande problema econômico do país, mas, sem resolvê-la, o maior calvário nacional, que em sua visão é o desemprego, hoje em 12,4%, não terá trégua.
“É uma pré-condição necessária”, afirma o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento do governo Dilma Rousseff. Ele estima que o ajuste fiscal necessário ao país é de 4 pontos percentuais do PIB .
Há também convergência de posições do economista e as propostas do PT — afinal, ele é um dos contribuidores para o programa oficial.
As "regras do jogo", como a regra de ouro, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos, deveriam ser revistas e aperfeiçoadas pelo próximo governo em uma emenda constitucional — posição semelhante à do partido.
Isso daria flexibilidade ao investimento para lidar com a questão imediata do crescimento baixo e desemprego alto. Ele pondera, no entanto, que isso só dá certo ao mesmo tempo forem atacados "os problemas estruturais do gasto, que é fazer a reforma da Previdência”.
O uso de reservas internacionais para investimento, por exemplo, só poderia ser discutido após um equacionamento fiscal, ainda mais na atual conjuntura de volatilidade internacional. Já o controle de capitais só poderia ser empregado na entrada excessiva de fluxo, nunca na saída, que deve ser sempre livre.
Apesar de ter proposto pontos ao programa do partido, como a taxação de grandes heranças e a progressividade da carga tributária, Barbosa afirma não integrar a campanha do PT.
"Acho que PT cumprirá as promessas que colocou na campanha, e várias dessas promessas foram colocadas com cuidado necessário para serem administradas e adaptadas na sua implementação, eu concordando ou não", diz ele, sobre eventual prática econômica do partido.
Também sustenta que sua participação em eventual governo petista não está colocada no momento, mas que seu voto será no candidato do partido.
Para além da economia, Barbosa cita um desafio ainda maior para o próximo presidente de normalizar o funcionamento dos poderes e a negociação política. “Nossa crise é institucional e política”, afirma. E, no jogo de acordos do Congresso, o presidente vai enfrentar dificuldades e terá de montar uma base de coalizão mínima para o seu projeto, seja ele qual for.
O PT, na visão dele, seria o mais capaz de estabelecer diálogo com uma base de parlamentares por estar acostumado à negociação política. Poderia, assim, arregimentar aliados para implementar reformas estruturais.
Ele ressalva, no entanto, que após o impeachment sofrido por Dilma em agosto de 2016, a base governista teria de ser diferente da daquele período.
Para Barbosa, o receio "ideológico" do mercado quanto à eventual condução de política econômica de um novo governo do PT é exagerado. Ele diz que houve "equívocos de política econômica" durante a gestão de Dilma, mas que "o próprio governo começou a corrigi-los".
Os governos do PT, diz, "foram governos relativamente responsáveis e quando se reconheceram que as políticas não eram mais sustentáveis se pensou em mudar".
Para o economista, há ainda uma dificuldade de comunicação entre gestos políticos e sua interpretação por parte do mercado. "A Faria Lima não entende Brasília, e Brasília não entende a Faria Lima."
Barbosa trabalha com um cenário em que o Banco Central elevará a taxa básica Selic muito gradualmente.
"Questão é quando o ciclo começa: se é este ano, por causa das incertezas externas, ou se vai ser ano que vem", diz. Ele acredita que os juros têm de flutuar para controlar a inflação. "Ninguém gosta de juros altos, mas gostam menos ainda de inflação alta."
O dólar deverá continuar em depreciação até o fim da eleição, diz o ex-ministro. "Depois da eleição, quem ganhar normalmente demonstra que tem apoio político, que tem base mínima, e real se aprecia", afirma.
O BC, em sua opinião, tem acertado ao usar swaps para reduzir a volatilidade decorrente das crises cambiais na Turquia e na Argentina.