Economia: a onda de gastos já está ajudando a recuperar alguns setores. (Laetitia Vancon/The New York Times)
Mariana Martucci
Publicado em 27 de julho de 2020 às 15h40.
Última atualização em 27 de julho de 2020 às 18h08.
Paris – Clémentine Sebert percorria uma loja de móveis Ikea durante seu intervalo de almoço, enchendo o carrinho com almofadas, uma nova mesa de cabeceira, luminárias e um tapete pequeno. Depois de ficar presa por dois meses durante a quarentena do coronavírus da França, ela voltou a trabalhar na empresa em que é conselheira legal – e está pronta para gastar.
"Não estou tão preocupada com o futuro", disse Sebert, que voltou ao escritório no mês passado depois que o bloqueio da França foi suspenso, e estava se mudando para um novo apartamento alugado.
Por causa de um programa do governo para apoiar as empresas durante a crise, Sebert manteve seu emprego e a maior parte de seu salário enquanto estava de licença – uma grande ajuda no pagamento das novas compras. "Se eu estivesse desempregada, não estaria gastando tanto", frisou.
Os consumidores na Europa voltam às compras à medida que o comércio reabre, proporcionando a esperança de que uma recuperação frágil da profunda recessão induzida pela pandemia possa estar em curso.
As vendas no varejo na zona do euro, que caíram a níveis mínimos recordes enquanto milhões de pessoas estavam confinadas, aumentaram 17,8% em maio em relação ao mês anterior, pois muitas começaram a sair para comprar móveis, eletrônicos, roupas e equipamentos de informática, relatou recentemente a agência de estatísticas da Europa. Os maiores ganhos estão na França e na Alemanha, onde os gastos se recuperaram para níveis próximos ao período pré-pandemia.
A atual corrida às compras aplacou algumas preocupações de que os europeus poderiam se sentir abalados demais para gastar novamente, como aconteceu na China, onde muita gente optou por reduzir os gastos depois de perder o emprego ou ter o salário reduzido.
"Os consumidores estão impulsionando a recuperação em grande parte da Europa mais do que o esperado. Há um alívio com o fim dos bloqueios", explicou Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank.
Mas se as pessoas vão continuar abrindo a carteira ainda é uma incógnita. Os gastos estão cerca de 7% mais baixos do que eram antes da chegada do coronavírus. Recentemente, a Comissão Europeia alertou que a economia se contrairia 8,7% na zona do euro este ano, uma recessão significativamente mais profunda do que a prevista há apenas dois meses. O estudo da comissão não assumiu nenhuma segunda onda de coronavírus fechando as economias da Europa – possibilidade descrita como um "grande risco".
Por enquanto, pelo menos, os clientes não pararam de se reunir em volta de mesas na calçada, mantendo o distanciamento social, em cafés e bistrôs na França. Fornecedores neerlandeses de flores e plantas relatam uma demanda recorde, com compradores lotando lojas do estilo "faça você mesmo" em toda a Europa para embelezar a casa. Na Alemanha, as famílias estão indo a shoppings para comprar novos eletrodomésticos, pois o governo reduziu o imposto sobre o valor agregado para estimular as vendas.
Os gastos do consumidor são cruciais para a retomada da Europa, representando mais da metade de sua atividade econômica. Durante as recessões anteriores, o investimento empresarial e as exportações foram os principais impulsionadores de uma recuperação. Mas o fechamento de fronteiras e de vastas áreas da economia na crise do coronavírus atingiu os gastos e enfraqueceu o comércio, tornando incerta uma recuperação orientada pelos negócios.
Os governos estão gastando bilhões de euros para limitar os danos, concentrando-se principalmente em políticas para brecar o desemprego em massa. França, Alemanha, Dinamarca, Itália e a maior parte da Europa vão estender até o fim do ano o esquema de apoio ao trabalho, como o que ajudou Sebert a continuar a receber um salário.
"É uma recuperação dos gastos subsidiada pelo governo, mas essa é exatamente a intenção. Se isso não tivesse sido realizado, o efeito seria desastroso. É uma confirmação de que a política está funcionando como pretendido", disse Bert Colijn, economista sênior da zona do euro no ING.
A onda de gastos já está ajudando a recuperar alguns setores. Na Adecco, uma das maiores agências de recrutamento temporário da Europa, a demanda por trabalhadores de varejo e restaurantes – muitos dos quais perderam o trabalho durante os bloqueios – vem se recuperando acentuadamente desde meados de maio.
"O consumo está retornando provavelmente devido ao fato de que o governo colocou muito dinheiro na mesa. Como resultado, a contratação está voltando", declarou Christophe Catoir, presidente da Adecco para a França e o norte da Europa.
Alguns gastos não são surpresa: as pessoas não podiam fazer compras ou jantar fora durante os confinamentos, e agora podem.
Ainda assim, com os programas de apoio governamental em vigor, o dinheiro dos consumidores poderia voltar quase ao que era antes dos bloqueios até o fim deste ano, de acordo com Schmieding, que agora revisou suas perspectivas de uma recessão desastrosa para uma meramente ruim. "No segundo trimestre, temos agora uma queda de 13% em vez dos 15,1% previstos para a zona do euro", afirmou ele.
Esses números ainda são ruins, e os economistas não esperam um retorno aos níveis normais até que os riscos para a saúde diminuam, tornando improvável uma recuperação econômica completa até que uma vacina para o coronavírus seja produzida.
Atentos aos riscos, os consumidores continuam cautelosos. Apesar dos muitos gastos desde que os bloqueios foram relaxados, os consumidores também economizam a uma taxa recorde, fazendo aumentar os depósitos bancários em todo o continente, caso as coisas tenham outro rumo para pior. A Comissão Europeia espera que esse aumento de dinheiro poupado, que poderia estimular uma recuperação, continue se expandindo.
E nem todo mundo tem sido capaz de tirar proveito de programas de apoio à renda. Os bloqueios e o fechamento de empresas atingiram especialmente os trabalhadores mais vulneráveis da Europa, de acordo com um relatório divulgado esta semana pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Centenas de milhares de pessoas, especialmente as autônomas e aquelas com contratos temporários ou de meio período, foram expostas a uma perda acentuada de renda. Elas não conseguem se juntar às fileiras de consumidores que têm dinheiro separado para apoiar uma recuperação.
Muitas estão em países ao longo da orla sul da Europa, onde o coronavírus foi bem agressivo – especialmente na Espanha e na Itália –, levando a longos períodos de quarentena que se mostraram um empecilho às perspectivas de recuperação econômica.
"Estamos vendo uma grande divisão entre os países que tiveram um bloqueio mais severo e os que não tiveram. Isso coloca o sul em risco de uma queda prolongada em comparação com seus vizinhos do norte", disse Colijn, do ING.
Para muitos consumidores europeus, a ausência de novos surtos de coronavírus sustenta a confiança.
Em um dia de semana recente, Toni Kehler, administrador de uma empresa sediada em Munique, visitou o Alexa Mall, em Berlim, para conferir uma nova tevê de alta definição em que ele e sua família estavam de olho.
Com o governo alemão liderando a Europa em programas de apoio a empresas e trabalhadores, um grande fator por trás de sua compra foi a sensação de segurança de que não perderia o emprego, contou Kehler. "Planejamos comprar isso já há algum tempo. Não há razão para não fazê-lo agora", observou.