Operação Carne Fraca: as entidades que representam o lobby agrícola pedem "uma ação mais dura" contra os produtos brasileiros (Pablo Sanhueza/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de março de 2017 às 17h00.
Genebra - Às vésperas de uma reunião em Bruxelas entre os chefes dos serviços de saúde animal do continente, a Confederação Europeia de Agricultores e as maiores cooperativas do continente pedem que a União Europeia amplie as barreiras contras as carnes exportadas pelo país.
Numa carta à Comissão Europeia, as entidades que representam o lobby agrícola - COPA e Cogeca - pedem "uma ação mais dura" contra os produtos brasileiros e mesmo uma reavaliação do acordo que se negocia entre Mercosul e Europa.
No fim de semana, a Europa exigiu que o Brasil tirasse da lista de exportadores quatro empresas envolvidas na Operação Carne Fraca.
"Não é aceitável ter casos como esse de fraude em empresas certificadas para exportar por mais de dez anos", indicou o secretário-geral das entidades, Pekka Pesonen.
"Essa não é a primeira vez que as autoridades brasileiras tem de lidar com fraude. Mas, lamentavelmente, não vemos medidas suficientes", disse.
Para Pesonen, suspender as quatro unidades de exportação "não é suficiente para evitar que novos casos apareçam".
"Precisamos reconhecer que as missões enviadas por nós e os controles nas fronteiras da Europa não foram capazes de identificar os problemas no Brasil", disse.
Na carta, os produtores pedem que a Europa monitore a investigação no Brasil para garantir que nenhuma outra fábrica possa exportar. Além disso, querem o estabelecimento de um plano para lidar com a fraude no futuro.
Tradicionalmente oposto a um acordo com o Brasil, o setor agrícola europeu agora quer usar o caso para minar qualquer aproximação comercial.
"O fracasso do Brasil levanta sérias perguntas sobre as negociações com o Mercosul", disse Pesonen.
Ele alerta que, diante da fraude, o setor vai exigir que toda a carne exportada pelo bloco sul-americano tenha proveniência de um gado monitorado em todas as etapas de sua criação.
Nesta sexta-feira, 24, a UE se reúne em caráter de emergência para avaliar a situação brasileira.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou em sua edição de quarta-feira que Bruxelas pediu para que cada governo do bloco colhesse amostras de produtos que estão entrando no continente nesta semana para avaliar sua situação sanitária.
Se alguma irregularidade for encontrada, poderá haver uma decisão de ampliar o embargo.
A reportagem apurou que, na reunião desta sexta-feira, os veterinários vão examinar o resultado dos exames realizados pelo continente.
A pressão também veio do maior cliente das exportações de carnes do Brasil, a China.
Pequim pediu que as autoridades nacionais "punam de forma severa" as pessoas e empresas envolvidas na fraude do setor de carnes.
Ao contrário do que vinha apontando nos últimos dias, Pequim agora evita dar uma previsão de quando poderia voltar a importar o produto brasileiro.
Em uma coletiva de imprensa, o Ministério do Comércio da China insistiu na necessidade de que as autoridades no Brasil façam uma "investigação profunda" sobre o caso.
"Adotamos medidas temporárias e suspendemos a importação de carnes do Brasil", confirmou Sun Jiwen, porta-voz do Ministério.
Essa foi a primeira declaração pública do órgão responsável pelo comércio no país asiático.
"Esperamos que o governo brasileiro puna de forma severa empresas e indivíduos que violaram as regras", disse.
A China ainda defendeu uma maior cooperação entre os dois países para garantir que a carne fornecida esteja dentro de padrões adequados.
"Se colaborarmos, podemos prevenir e lidar com possíveis problemas que possam surgir no comércio de carne", indicou.
O alerta vem no momento em que o governo de Michel Temer está enfrentando uma onda de embargos pelo mundo e um impacto profundo nos embarques de carne.
China, Canadá, Hong Kong, México, Arábia Saudita, Catar, Trinidad e Tobago, África do Sul, Suíça, Chile, UE, Japão e Jamaica já suspenderam em parte a importação de produtos nacionais, enquanto dezenas de operadores interromperam compras até que os casos fossem esclarecidos.
Pelos mares, carregamentos com toneladas de carne brasileira estão sem saber se poderão desembarcar em seus portos de destino, enquanto restaurantes e supermercados pelo mundo disputam novos contratos com fornecedores alternativos.
Centenas de supermercados chineses ainda têm sido instruídos a retirar produtos brasileiros de suas prateleiras.
Em uma linguagem diplomática, o Brasil alertou na OMC nos últimos dias que iria examinar as barreiras impostas contra a carne nacional e que não iria aceitar exageros por partes dos parceiros.
A pedido do Palácio do Planalto, postos diplomáticos nas principais capitais estão sendo instruídos a dar explicações sobre o caso e insistir que não existe motivo para frear as importações.
Na OMC, o governo optou por insistir que o caso no Brasil se refere à corrupção, e não sobre a qualidade do produto.
Num documento circulado pelo governo, o Itamaraty indicou que está levando a sério os resultados da investigação, que Temer está pessoalmente envolvido no assunto e que considera que a operação da PF por si só é "prova da transparência e credibilidade" dos controles.
"Os controles sanitários do Brasil são sólidos e podem ser confiados", disse.
"Os procedimentos são eficientes e resultam em alimentos seguros para o consumo. Reiteramos nosso compromisso em continuar a melhorar as garantias de nosso sistema de controle sanitário", afirmou.