Placa anunciando o fechamento de parques nacionais por conta da paralisação do governo em frente ao Capitólio, Washington (Kevin Lamarque/Reuters)
Da Redação
Publicado em 14 de outubro de 2013 às 16h35.
Londres - Renegar suas obrigações de dívida faria dos EUA o primeiro grande governo ocidental inadimplente desde a Alemanha nazista 80 anos atrás.
A Alemanha interrompeu pagamentos de empréstimos de longo prazo unilateralmente em 6 de maio de 1933, três meses após Adolf Hitler ser alçado ao cargo de chanceler. A moratória ajudou a cimentar a base do poder de Hitler, na sequência de anos de instabilidade política, em um momento em que a República de Weimar lutava contra dívidas esmagadoras.
“Esses geralmente são eventos econômicos catastróficos”, disse o professor Eugene N. White, historiador econômico da Universidade Rutgers em New Brunswick, Nova Jersey. “Não há final feliz”.
As reparações de dívidas acumuladas na Alemanha, que em 1913 era a terceira maior economia do mundo, provocaram hiperinflação, empréstimos, impasses políticos, que levaram os nazistas ao poder, e à moratória. Isso mostra o quanto um endividamento excessivo acarreta resultados imprevisíveis, como a guerra civil e o despotismo que devastaram Florença depois que Eduardo III da Inglaterra recusou-se a pagar suas obrigações com os bancos da cidade-estado em 1339, e a Revolução Francesa de 1789, resultante das moratórias da coroa em 1770 e 1788.
O fracasso da maior economia do mundo em pagar sua dívida em um mundo interconectado e globalizado pode provocar uma série de consequências devastadoras que poderiam respingar em mercados de ações do Brasil a Zurique e levar o mercado de US$ 5 trilhões em empréstimos apoiados em títulos do Tesouro a um impasse. Os custos de empréstimos subiriam, o papel do dólar como moeda de reserva do mundo estaria em dúvida e os EUA e as economias mundiais correriam o risco de mergulhar em uma recessão -- e potencialmente em uma depressão.
Conversas no Senado
Os líderes de ambos os partidos no Senado estão negociando para evitar uma moratória dos EUA após a perda da autoridade para tomar empréstimos, que terá efeito em 17 de outubro, enquanto os senadores bloqueiam a legislação para evitar que isso ocorra e as conversas entre a Casa Branca e os republicanos chegam a um impasse. Legisladores democratas disseram em 12 de outubro que a falta de movimento pode ter um efeito nos mercados financeiros. Após 17 de outubro, os EUA terão US$ 30 bilhões a mais de receita entrante e começariam a deixar de honrar pagamentos em algum momento entre 22 e 31 de outubro, segundo o Departamento de Orçamento do Congresso.
Devedor em série
Em 1922, a Alemanha, que cambaleava sob o peso de 132 bilhões de marcos ouro em reparações de guerra e não tinha permissão para exportar para os mercados vitoriosos, era um devedor em série, segundo Albrecht Ritschl, professor de História Econômica na London School of Economics. Isso forçou o país a tomar empréstimos para pagar seus credores, no que Ritschl chama de esquema Ponzi.
“As reparações estiveram no coração do problema nos anos entre guerras”, disse Ritschl em uma entrevista por telefone. “A grande questão é por que alguém emprestou um centavo para a Alemanha com aquilo tudo que havia sobre ela. Devem ter suposto que as reparações acabariam sumindo”.
Enquanto uma empresa inadimplente pode deixar o negócio, ser dividida, vendida a um concorrente ou até mudar sua forma, com governos inadimplentes é diferente. A Alemanha de Weimar adiou pagamentos, interrompeu transferências, reformou a moeda e depreciou dívidas, enxugando uma série de acordos de seus credores antes de os nazistas repudiarem as obrigações em 1933.
Os devedores em série Argentina e Grécia conservaram independência política, se não econômica. O país da América Latina não cumpriu seus compromissos cinco vezes desde 1951 e em 2001 ganhou o recorde da maior reestruturação da história, uma distinção que manteve até ser ultrapassada pela Grécia em 2012. Os detentores de títulos da dívida da Argentina ainda estão processando o país nos tribunais.
“A única situação que realmente tem paralelo com a situação dos EUA no momento é a situação dos EUA”, disse Ritschl, da LSE. “Não há realmente nenhuma dúvida sobre a solvência do Tesouro dos EUA”.