Luigi Zingales, professor da Universidade de Chicago (Flickr/USV)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de junho de 2015 às 12h11.
São Paulo - Fazer o livre mercado funcionar para que as pessoas acreditem nele.
É esta a mensagem do trabalho de Luigi Zingales, italiano radicado nos Estados Unidos e professor da escola de negócios da Universidade de Chicago, meca do pensamento liberal.
Ele acredita que o capitalismo americano está sucumbindo diante de uma relação promíscua entre empresários e governo que leva a distorções econômicas e perda de apoio ao sistema.
Zingales está vindo para o Brasil para lançar seu último livro, "Um Capitalismo para o Povo - Reencontrando a chave da prosperidade americana", pela editora BEI.
Nesta segunda-feira, ele debate André Lara Resende e Claudio Haddad no Insper em São Paulo. Na terça, o encontro é com Pedro Malan e Gustavo Franco na PUC do Rio de Janeiro.
Veja a entrevista concedida por telefone para EXAME.com:
EXAME.com - O prefácio brasileiro diz que seu livro é sobre tornar o capitalismo mais a favor do mercado e menos a favor dos homens de negócios. Você concorda?
Luigi Zingales - Sim, esta é a essência. As pessoas muitas vezes confundem as duas coisas e igualam capitalismo com capitalistas. Mas os homens de negócios só são pró-mercado quando querem entrar em uma indústria nova. No momento em que suas companhias estão estabelecidas, eles querem criar barreiras de entrada.
EXAME.com - Ainda precisamos salvar o capitalismo dos capitalistas, como dizia o título do seu livro de 2003?
Zingales - Sim, ainda mais. Quando escrevi aquele livro, estávamos mais preocupados com países em desenvolvimento como o Brasil. Esse livro de 2012 é infelizmente sobre os EUA parecendo mais com os emergentes, e não o contrário.
Acho que estamos na direção errada se você olhar para o crescimento nulo da produtividade, os privilégios, o gasto com lobby e o favoritismo. Estamos tendendo para uma sociedade mais dividida como no Brasil, com alguns ultra-ricos e todo o resto caindo pra trás. Esse não é um bom ambiente para apoiar uma economia de mercado.
EXAME.com - O que deveria ter sido feito de diferente na resposta à crise financeira?
Zingales - Primeiro: intervenção para reestruturar hipotecas comprometidas, o que teria recuperado mais rápido a economia local.
Segundo: uma reforma financeira já naquele primeiro momento em 2009, com o setor bancário ainda fraco, ao invés de quando eles estavam em posição mais favorável ao lobby.
Terceiro: sou a favor do sistema de saúde universal, mas o timing e a forma como foi atingido não foi ideal. Houve uma decisão política de Obama de atingir esse objetivo acima de tudo.
EXAME.com - Na época, havia a sensação de que a crise poderia favorecer a esquerda e a volta do estado grande. Por que isso não aconteceu?
Zingales - Vimos isso mais na Europa do que nos EUA. Partidos como Syriza na Grécia ou o Podemos na Espanha são anti-mercado em muitos aspectos, assim como Marine Le Pen, na França.
Nos EUA essa pressão foi contida, mas não desapareceu. Há muita insatisfação com o capitalismo atual, mas ninguém está apresentando de fato uma alternativa ou uma forma de mudá-lo que seja viável. É esse o foco do meu livro e do meu trabalho.
EXAME.com - Você vê uma mudança no curto prazo, com multas históricas para bancos e gente como a senadora Elizabeth Warren ganhando poder dentro do Partido Democrata?
Zingales - A maior parte das multas recentes é pela razão certa: comportamento criminoso. O sistema financeiro tende a ser menos honesto do que eu pensava, o que vai e deve gerar rejeição.
O problema que eu vejo é que as multas são pagas pelos acionistas, a ovelha sacrificada nesta brincadeira, mas não há acusação formal contra indivíduos. Mas companhias não fazem atos criminais sem que indivíduos cometam atos criminais. Se os acionistas são forçados a pagar, isso não muda as decisões dos gerentes. Se eles tiverem que pagar pessoalmente, isso muda a equação.
EXAME.com - Mas depois da crise os bancos não foram desmantelados e o pagamento aos CEOs continuou subindo. Qual foi, afinal, a consequência para o setor financeiro?
Zingales - É difícil de ver de fora a corrupção que surge da regulação. Havia uma demanda forte e justa para dividir os bancos comerciais e de investimento, como nos tempos do Glass-Steagall Act. Mas como o lobby era contra, o que fizeram foi introduzir a regra Volcker.
Ela diz que os bancos podem fazer trading para ajudar clientes, mas não com a intenção de ganhar dinheiro no processo. Mas essa intenção é difícil de determinar, então cria-se camadas de regulação sem abordar o ponto fundamental: os bancos estão tomando muito risco.
A pressão popular levou a uma regulação que só criou mais oportunidades para lobby. A regulação deve ser simples, mesmo que não seja a mais sofisticada, porque é isso que torna mais difícil para os lobistas a manipular.
EXAME.com - Você se diz um grande defensor do livre mercado e que o governo deve focar sua atuação em corrigir falhas de mercado. Mas a desigualdade continua crescendo. É possível combatê-la com uma perspectiva de livre mercado?
Zingales - Se todo mundo sobe, esse não é um problema tão grande. Quando o crescimento é baixo e está indo para uma parcela pequena da população, sem aumento do padrão de vida da maioria, aí se torna uma grande questão.
No meu livro eu falo de como o governo pode equalizar oportunidades e nivelar o campo ao invés de igualar resultados. Uma grande coisa é a educação – e nos EUA, o maior obstáculo é o sindicato dos professores, que não permite recompensar professores que estão fazendo um bom papel e assim melhorar a qualidade.
Outra ideia é um sistema de cupons. Se você é rico, já sai com vantagens, então receberia um cupom padrão. Se você tem pais pobres e/ou mora em um bairro ruim, já sai com desvantagem, então receberia um voucher mais alto, o que serviria como um incentivo para que queiram educá-lo.