Economia

Este é o maior desafio do Brasil depois da pandemia, segundo o FMI

O pós-crise da covid, escreve o FMI, não será como nas outras vezes: as transformações digitais geradas pela pandemia podem dificultar a retomada do Brasil

Vendedor ambulante: a informalidade vai dificultar a recuperação do Brasil mais do que nas outras crises (Nacho Doce/Reuters)

Vendedor ambulante: a informalidade vai dificultar a recuperação do Brasil mais do que nas outras crises (Nacho Doce/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 13h37.

Última atualização em 2 de dezembro de 2020 às 14h27.

A pandemia não tem data para acabar, mesmo depois que vacinas forem aprovadas. Os efeitos da crise para o Brasil, menos ainda. É o que indica novo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o Brasil divulgado nesta quarta-feira.

Para os diretores da organização que analisaram a situação do Brasil, um dos principais desafios será a recuperação do mercado de trabalho, com a taxa de desemprego já passando dos 14% mesmo com o auxílio emergencial ainda em vigor.

A recuperação, escreve o FMI, não será como nas outras crises: desta vez, as transformações digitais geradas pela pandemia podem fazer com que a geração de empregos não abarque toda a população que precisa voltar ao mercado. Os empregos vão voltar, mas não como antes: enquanto o número de desempregados subiu 36% no Brasil durante a pandemia, as vagas para tecnologia se multiplicaram.

"Os movimentos na direção de um trabalho mais intensivo em tecnologia, mais trabalho remoto e automação, intensificados pelo choque da covid-19, podem trazer complicações adicionais à recuperação do mercado de trabalho, à medida em que grupos vulneráveis são deixados para trás com a transformação estrutural", aponta o relatório, afirmando que os riscos dessa vez "vão além de recessões anteriores".

O cálculo do FMI com base no comportamento anterior do mercado de trabalho brasileiro aponta que o Brasil deve sofrer um "aumento duradouro do desemprego", ainda que o nível de atividade dos trabalhadores volte a melhorar em meados de 2021 -- a tendência é que muita gente volte a trabalhar, mas sem necessariamente maior empregabilidade. Antes da crise, o Brasil tinha mais de 40% da massa de trabalhadores no mercado informal.

“Essa herança de trabalhadores informais observada no Brasil ao longo dos últimos anos complica a situação do nosso mercado de trabalho [na crise]”, disse em entrevista anterior à EXAME o economista Helio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo. Trata-se de um contingente que, em momentos de crise, é mais sujeito a perder a renda de uma hora para a outra. Boa parte dos postos perdidos na crise de 2008 era de funções repetitivas ou que exigiam baixa capacidade cognitiva. Agora, a crise da covid acelerou como nunca o processo.

O número de desempregados saltou 36% durante a pandemia, segundo o IBGE.

O setor de serviços, em áreas como turismo e relacionados (como os serviços em cidades turísticas), pode ser afetado para muito além de 2020. O risco é que as pessoas e regiões que dependem desses setores fiquem desempregadas por muito tempo e sem conseguir mudar de setor. O setor de serviços é o que mais emprega no Brasil, mais de dois terços da população, segundo o IBGE.

O FMI também lembra no relatório que o Brasil sequer havia se recuperado da crise anterior que afetava o mercado de trabalho. Mesmo antes da pandemia, a taxa de desemprego já passava de 12% (nos EUA, a título de comparação, estava em menos de 4% antes da pandemia, uma baixa histórica, uma vez que o mundo desenvolvido já havia se recuperado da crise de 2008).

O relatório do FMI traz elogios à resposta brasileira à pandemia, apontando a importância de programas como o auxílio emergencial, a política de redução de juros do Banco Central e o crédito a pequenas empresas (ainda que, internamente, o programa tenha sido considerado insuficiente pelos empreendedores).

O FMI estima que, sem o auxílio emergencial, o contingente de pessoas em situação de pobreza teria ido de 6,7% para 14,6%; com o auxílio, a pobreza no Brasil na verdade diminuiu temporariamente, para 5,4%. O auxílio impediu entre 14 e 23 milhões de pessoas de ficarem abaixo da linha da pobreza.

Por isso, o Brasil terá ainda o desafio de garantir que a pandemia não amplie ainda mais a desigualdade no país. "Quando o auxílio emergencial espirar no fim do ano, uma melhoria substancial será necessária no mercado de trabalho para evitar um aumento elevado da pobreza e desigualdade".

O Brasil -- como os economistas daqui bem sabem --, vive uma encruzilhada entre manter ou não o auxílio emergencial ou alguma forma de auxílio parecida, como uma ampliação do Bolsa Família. A opção de ampliar o Bolsa Família em vez de criar um novo programa está agora no radar do governo. "Retirar as políticas públicas relacionadas à covid de forma prematura poderia enfraquecer a recuperação, enquanto manter o apoio por muito tempo pode exacerbar os riscos relacionados à sustentabilidade da dívida", aponta o FMI.

Enquanto a hora da decisão não chega para o governo, a economia brasileira colheu os benefícios do auxílio e de outras políticas e se recuperou "melhor do que o esperado" nos últimos meses, com crescimento de setores como varejo e indústria por cinco meses consecutivos a partir de maio após quedas bruscas em março e abril. O FMI também aponta que a inflação se manteve sob controle e que o Brasil tem nível alto de reservas internacionais.

A projeção do FMI é que a economia brasileira caia 5,8% neste ano, estimativa mais pessimista do que a do próprio governo brasileiro e dos analistas ouvidos para o boletim Focus desta semana, que projetam queda de 4,5%.

Apesar da resposta necessária à pandemia, os riscos fiscais seguem sendo uma preocupação. Diante do aumento dos gastos para atenuar os efeitos da pandemia, o déficit primário do setor público (excluindo o setor financeiro público) deve sair de 1% do PIB em 2019 para mais de 11% em 2020. A dívida pública também deve passar de 100% do PIB e se manter assim no médio prazo.

Além disso, o relatório chama atenção para um aumento da "polarização política" neste segundo semestre do ano e um atraso na agenda do Congresso para implementar reformas que eram esperadas para 2020.

A agenda do Congresso foi atrasada pelas eleições municipais, a proximidade das eleições para a sucessão da Presidência da Câmara e do Senado e a falta de um acordo entre as casas e a base do governo, majoritariamente formada por alguns partidos do Centrão. Antes das eleições, a Câmara passou semanas sem votar temas importantes. O relatório defende a urgência de uma reforma tributária e de agendas como as privatizações.


O que esperar da economia para o final do ano? Assista no Questão Macro, programa da Exame Research e do jornalismo da EXAME, todas as quartas às 13h30. 

yt thumbnail
Acompanhe tudo sobre:Crise econômicaDesempregoFMIMercado de trabalho

Mais de Economia

BNDES vai repassar R$ 25 bilhões ao Tesouro para contribuir com meta fiscal

Eleição de Trump elevou custo financeiro para países emergentes, afirma Galípolo

Estímulo da China impulsiona consumo doméstico antes do 'choque tarifário' prometido por Trump

'Quanto mais demorar o ajuste fiscal, maior é o choque', diz Campos Neto