Um degrau por vez: "Única forma de atingir o crescimento sustentável é continuar a trajetória de reformas", diz o economista José Márcio Camargo (Dado Galdier/Bloomberg)
Ligia Tuon
Publicado em 15 de junho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 15 de junho de 2019 às 12h45.
São Paulo — Com a economia brasileira em ponto morto, opções de estímulos de curto prazo voltaram ao radar de economistas: liberação de saques do FGTS, uso do saldo do PIS/Pasep e um programa de renegociação de dívidas são algumas das ideias citadas para dar um empurrãozinho na atividade.
Mas a análise geral é de que, enquanto o governo não conseguir aprovar a reforma da Previdência e conter a evolução do rombo das contas públicas, não haverá trajetória de crescimento sustentável.
Os últimos indicadores de ritmo da economia brasileira são desanimadores. O setor de serviços, responsável por mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, acumula queda de 1,8% nos três primeiro meses do ano.
Em março, o setor teve seu primeiro resultado positivo do ano, com avanço de 0,3%, mas ainda não recupera sequer a perda de 0,8% registrada no mês anterior.
A indústria também está penando. Principal responsável pelo recuo na atividade econômica no primeiro trimestre, o setor começou o segundo trimestre com uma alta tímida (0,3%) e abaixo do previsto.
O último Boletim Focus, que compila as previsões dos economistas, mostra que a previsão para o crescimento da indústria no ano caiu de 1,49% para apenas 0,47% no espaço de uma semana.
Logo após a divulgação do PIB do primeiro trimestre, que teve sua primeira queda (-0,2%) desde 2016, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que estava em estudo a liberação de saques de contas ativas do FGTS.
A medida é parecida com a anunciada em 2016, no caso de contas inativas, mas com metade dos recursos previstos (R$ 20 bilhões, contra R$ 40 bilhões na gestão Temer) e só aconteceria depois da aprovação da Nova Previdência.
No início dessa semana, veio a público ainda a intenção do governo de usar os recursos que não forem sacados do PIS/Pasep para aliviar as contas públicas.
A medida poderia evitar a necessidade de um novo bloqueio de despesas ou até mesmo permitir a liberação de parte dos recursos contingenciados, que hoje chega a R$ 32 bilhões.
"Eu tenho dificuldade em falar sobre medidas de estímulo de curto prazo para a economia, porque eu diria que isso tem muito a ver com o desespero de quem está no governo", diz Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento.
Ele nota que experimentou essa sensação durante sua experiência na gestão pública, mas que "a economia não é um painel cheio de botõezinhos que você pode apertar para colher resultados".
O que poderia gerar frutos mais duradouros, na opinião de Velloso, seriam políticas voltadas para equacionar a crise fiscal de estados e municípios.
Velloso ressalta que os governadores que entraram agora estão herdando ao todo algo ao redor de 100 bilhões de reais de atrasados para pagar. A título de comparação, o déficit fiscal previsto para a União é de R$ 139 bilhões este ano.
"São muitos estados com dificuldades financeiras. Isso teria um impacto grande, não seria medida miúda", defende o economista.
No entanto, o relatório da reforma da Previdência divulgado na última quinta-feira (13) confirmou que os estados e municípios não serão incluídos na reforma.
José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos e coordenador econômico da campanha do ex-ministro Henrique Meirelles, não é contra estímulos pontuais de curto prazo.
Segundo ele, elas poderiam até fazer a economia crescer de meio a um ponto percentual no balanço do ano. Mas ressalta que seria o mesmo que corrigir uma dor de cabeça num paciente com câncer.
"Se o governo libera um dinheirinho aqui, outro ali, pode ser que a situação melhore um pouquinho, mas não vai resolver o problema estrutural do país, que para ser resolvido tem de passar pela abertura da economia e por ganhos de produtividade", diz.
A única forma de atingir o crescimento sustentável, para Camargo, é continuar a trajetória de reformas que começou com a gestão Temer e que está continuando agora: "Sem isso, esquece, o país não vai crescer estruturalmente", diz.
Nelson Marconi, coordenador executivo do Fórum de Economia da FGV, defende uma medida de curto prazo focada no endividamento das famílias e das empresas. O que, na opinião dele, pode ser muito mais do que um remédio paliativo para a retomada do crescimento.
"É uma questão de curto prazo, mas está inserida num problema relevante da economia e que ajuda a explicar bastante a nossa insuficiência de demanda. O número de pessoas endividadas continua muito alto, na casa de 62 milhões de pessoas", diz o economista.
A medida era defendida nas eleições de 2018, pelo então candidato à Presidência da República, Ciro Gomes (PDT), de quem Marconi foi colaborador.
"A ideia é começar o programa de renegociação pelos bancos públicos, como forma de sinalização para os privados, com prazo de parcelamento razoável e taxa de juro mais baixas", explica Marconi. "Pensamos até em ir reduzindo o limite do compulsório para aqueles que fossem aderindo."
O economista explica que o endividamento no Brasil foi agravado por conta dos juros muito altos no país, principalmente em 2015 e 2016, quando a Selic atingiu o pico de 14,25% ao ao.
"Juntando isso com a super desvalorização do câmbio que tivemos, houve aumento súbito do endividamento das empresas e famílias."
Para além da política fiscal e dos estímulos dirigidos, os economistas avaliam que reforço da atividade econômica pode vir de um eventual relaxamento da politica monetária.
O Copom se reúne na próxima quarta-feira (19) e Camargo avalia que ainda há espaço para reduzir a Selic, a taxa básica de juros.
"A taxa real hoje não é estimulativa, o que significa que dá para cair mais. Porém, dada a incerteza em relação à aprovação da reforma da previdência, que, se não ocorrer, pode gerar um desastre e uma reversão de expectativas muito importante, acho que ainda vale a pena esperar um pouco", afirma.
Nelson Marconi nota que uma taxa de juros menor também reduz o peso de encargos sobre a dívida de pessoas e empresas, diminuindo o custo de empréstimos. Porém, com o atual nível de endividamento das pessoas, a Selic menor teria um impacto limitado no aquecimento da demanda.
"Juros menores ajudam, mas não será isso que vai levar o empresário a tomar decisão de investimento", diz ele.
A moral da história: dinheiro na praça não significa dinheiro em movimento, porque gastos e investimentos dependem de confiança no futuro, algo para qual ainda não inventaram um substituto.