Adriano Pires: "Neste momento de excepcionalidade em que o petróleo beira os 80 dólares o barril, o caminho é reavaliar os impostos" (Alexandre Battibugli/Exame)
EXAME Hoje
Publicado em 22 de maio de 2018 às 20h23.
Última atualização em 22 de maio de 2018 às 20h31.
O governo brasileiro precisa tomar medidas que protejam o mercado local de combustíveis de fortes oscilações de preços como as vividas atualmente, diz Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura). Além de utilizar um regime de tributação federal e estadual que varie de acordo com a flutuação do petróleo, é preciso também rever a periodicidade com que a Petrobras ajusta a gasolina e o diesel, em sua opinião. Leia abaixo trechos da entrevista concedida pelo especialista à EXAME.
Como o senhor avalia a atuação do governo federal na atual crise dos combustíveis?
Esta situação não é exatamente nova. Em ano eleitoral sempre surge a discussão sobre os preços dos combustíveis, que afetam a popularidade do governo. O debate ganha força em momentos como o atual, de alta do barril de petróleo e de desvalorização do real ante o dólar. A Petrobras ganhou autonomia e liberdade para fixar os preços dos combustíveis de maneira correta em 2016, mas, enquanto o petróleo se encontrava na casa dos 30 ou 40 dólares o barril, estava fácil, e ninguém pensou no que aconteceria quando o cenário mudasse. A partir de meados de 2017, o petróleo começou a avançar por conta de questões geopolíticas como a ameaça do presidente dos Estados Unidos Donald Trump à Síria e a redução da produção por parte da Arábia Saudita, e o governo brasileiro não estava preparado. Com os problemas fiscais no Brasil, os impostos foram elevados. Agora estamos em uma sinuca, porque congelar os preços dos combustíveis seria um retrocesso.
Qual é a melhor saída então?
Neste momento de excepcionalidade em que o petróleo beira os 80 dólares o barril, o caminho é reavaliar os impostos. Deve-se reduzir ou zerar a Cide, estudar uma diminuição de PIS e Cofins e chamar os governadores para falar sobre a alíquota do ICMS, que varia a cada Estado. O governo federal pode pensar em um tipo de “hedge” para momentos como este que vivemos, estabelecendo um preço de referência para o petróleo acima do qual os impostos poderiam ser revistos. A política de preços da Petrobras é seguir as flutuações do petróleo no mercado internacional e do câmbio, mas uma segunda etapa nessa reavaliação é discutir com a empresa se a frequência dos seus ajustes de preços deve ser diária, semana ou quinzenal. Precisa-se ter muito cuidado para que essa medida não seja vista como uma intervenção, como no passado. O dever de casa para o próximo presidente, no ano que vem, é debater novas regras tributárias para os combustíveis, como proteção para momentos de grande volatilidade do petróleo. No curto prazo, temos que torcer para o petróleo não passar de 80 dólares o barril e o dólar parar de se valorizar ante o real. Como a taxa de câmbio diminui nos últimos dois dias, a empresa baixou um pouco o preço da gasolina e do diesel. Mas acho que o governo não vai ceder à tentação latino-americana populista de intervir nesse mercado e segurar os preços dos combustíveis para eleger o seu candidato nas próximas eleições, como governos anteriores fizeram, especialmente o da presidente Dilma Rousseff.
Mexer na tributação dos combustíveis não é uma estratégia do liberalismo à brasileira, que defende a autonomia dos mercados se o cenário é favorável mas pede a atuação do governo quando a maré fica ruim?
Ao governo cabe dar liberdade, porém fiscalizar. O governo precisa fiscalizar se a Petrobras, que detém o monopólio do refino, ou os revendedores estão abusando do seu poder econômico, e, se isso for verdade, punir. Ou seja, é preciso ter liberdade com responsabilidade. Acho que se deve mexer nos impostos porque estamos vivendo um momento excepcional para os preços do petróleo, e não é justo que o consumidor brasileiro pague sozinho pelas loucuras do Trump. Também não é justo interferir no negócio das empresas. Quem precisa arcar com isso é o governo, se o petróleo é uma mercadoria de volatilidade. Nos Estados Unidos, a política é ter impostos baixo o tempo inteiro; na Europa, ajusta-se de acordo com o momento. Se o Brasil quer ser um país liberal e moderno, o Estado não deve ser investidor e empreendedor como em anos passados, mas forte como fiscalizador.
Antes da atual crise, o discurso de potenciais candidatos a presidente era de liberalismo. O senhor espera ver um discurso mais intervencionista por conta do debate sobre os combustíveis?
Vai ter mais gente defendendo a intervenção nos preços e, maldosamente, dizendo, por exemplo, que a Petrobras vende gasolina mais barata no Paraguai. Mas isso é estelionato eleitoral, porque falta explicar que a empresa não exporta impostos. É essencial desmistificar esse assunto para o eleitor.
Quão vulnerável a Petrobras está neste momento de crise e mudança de governo?
É muito difícil saber para onde vai a Petrobras, que é uma empresa de capital abeto mas tendo o governo como acionista majoritário. Se for eleito um candidato como a Marina Silva ou o Ciro Gomes, o olhar sobre a empresa pode mudar em relação ao que é hoje. Pode haver uma guinada da companhia. A Operação Lava Jato foi muito importante para o país porque mostrou que o modelo de Estado investidor e empreendedor deu errado. O papel do Estado é criar agências reguladoras fortes, gastar com educação e saúde e deixar o resto para o setor privado. Em países mais avançados, esse debate sobre o controle de preços dos combustíveis sequer existe, não vai para a primeira página dos jornais, não cria convulsão nacional. A gente precisa usar esta oportunidade para andar para a frente.