Favela do Mandela, na zona norte do Rio, é uma das mais pobres da cidade, com esgoto correndo em meio às casas (Vladimir Platonow/Abr)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de junho de 2015 às 16h45.
São Paulo – Com a aprovação pela Câmara do fim das desonerações, o ajuste fiscal é cada vez mais uma realidade concreta – assim como suas consequências.
Ontem, o Ibge divulgou que o desemprego subiu para 6,7% em maio, maior nível em quase 5 anos - e a taxa deve continuar subindo.
Para Samuel Pessôa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), por enquanto é precipitado colocar isso na conta do ajuste, já que a economia vem de um processo longo de desaceleração.
“Nestes anos, nunca houve falta de demanda agregada, e sim desorganização da produção e queda da produtividade, o resultado de um ensaio nacional desenvolvimentista”.
Segundo ele, o ajuste se tornou inevitável: "nossos gastos são fruto de um modelo de contrato social, mas o nosso estado já não cabe dentro do PIB”.
Para Fernando Holanda Barbosa, também pesquisador do IBRE/FGV, a alternativa ao ajuste é uma “crise mais profunda e mais prolongada”.
Os dois economistas participaram nesta manhã do debate “O Ajuste Fiscal, Emprego e Produtividade”, promovido pela Fecomercio na sua sede em São Paulo.
Para os presentes, fazer o ajuste não é só controlar gastos, mas mudar o equilíbrio em uma economia com problema crônico de produtividade e que já esgotou a inclusão da força de trabalho como força de crescimento.
O Brasil vinha de um círculo virtuoso no qual a entrada na força e os aumentos de salário dos trabalhadores menos qualificados geravam demanda pelos serviços que empregavam mais este próprio grupo.
O aumento da renda das mães, em particular, permitiu que muitos jovens saíssem da força de trabalho para estudar, o que puxou para baixo a taxa de desemprego entre estes jovens – que sempre foi mais alta.
Por que essa dinâmica não continuou? Porque “é impossível um país dar reajuste de salário acima da produtividade para sempre”, diz Holanda.
E a produtividade brasileira mal se moveu na última década: hoje, um trabalhador brasileiro produz o mesmo que um chinês. Até pouco tempo, eram necessários dez chineses para fazer o trabalho de um brasileiro.
“E a partir do momento que e a renda de trabalho dos adultos começa a cair, termina essa dinâmica positiva e a taxa de participação dos jovens começa a subir um pouco”, diz Naércio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.
Desemprego
É esta pressão dupla que empurra o desemprego a partir de agora: corte de vagas no momento em que mais pessoas voltam ao mercado acuadas pela crise.
Mas se o salário real cai, o desemprego não sobe tanto, e vice-versa. Nesse sentido, os economistas notam que mercado de trabalho brasileiro tem se mostrado mais flexível do que o esperado.
Dados compilados por Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP, mostram que pela primeira vez em uma década, a variação anual na folha salarial está caindo.
Além disso, os acordos feitos já em 2015 entre trabalhadores e empresas têm consolidado reduções de jornada e de salários reais: "a dificuldade chegou à mesa de negociação”, resume Hélio.
Desigualdade
Neste contexto, a prioridade deve ser preservar os ganhos dos últimos anos entre os mais vulneráveis. Paradoxalmente, a ainda altíssima desigualdade brasileira faz com que isso não seja tão difícil.
Como os 50% mais pobres (100 milhões de brasileiros) tem apenas 15% da renda nacional, é possível – pelo menos na teoria – fazer com que a outra metade absorva a queda do PIB per capita sem maiores consequências para o equilíbrio macroeconômico.
“Os pobres estão hoje mais conectados ao carro chefe da economia brasileira, então também sentem mais a crise, mas agora é o momento de aproveitar a desigualdade que ainda existe para isolá-los. Você ainda tem 2 Brasis, o que é péssimo, mas no momento da crise é bom”, diz Ricardo Paes de Barros, professor do Insper.
Ele nota que como a pobreza no Brasil ainda é desproporcionalmente concentrada em municípios pequenos e áreas rurais, a interiorização do gasto público e dos recursos de transferência de renda pode ser um instrumento poderoso para preservar uma dinâmica positiva.
Os focos de cortes deveriam ser outros: a alta desigualdade de remuneração no setor público, os subsídios para grandes grupos e os desequilíbrios na Previdência.