Economia

DREX: o que é e como vai funcionar a CBDC brasileira

OPINIÃO | Nova moeda digital já está em fase de testes e será compatível com inovações tecnológicas demandadas por mercado de ativos virtuais

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 5 de março de 2024 às 12h18.

Última atualização em 5 de março de 2024 às 12h19.

Por Fabio de Almeida Braga, Fausto Muniz Miyazato Teixeira, Guilherme Inaba e Maria Eduarda Fontes*

A moeda digital de banco central (da sigla em inglês CBDC – Central Bank Digital Currency) é temática a que diversos bancos centrais têm se dedicado na busca da expansão ainda maior do uso de inovações tecnologias no dia a dia de mercados financeiros internacionais. Por seu intermédio, busca-se maior eficiência, segurança, inclusão e melhor atendimento de demandas voltadas para o interesse público.

De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), mais de 100 países já consideram em alguma medida a CBDC, tendo as autoridades monetárias de algumas jurisdições estudado, explorado e até mesmo testado projetos de um sistema de CBDC. Bahamas, Jamaica e Nigéria, por exemplo, já implementaram suas respectivas CBDCs; União Europeia, Reino Unido, China, Índia e Brasil encontram-se em fase adiantada desse processo.

A experiência brasileira começou em agosto de 2020, com a publicação da portaria nº 108.092, do Banco Central, tratando das primeiras diretrizes do projeto do real digital. Mais adiante, em 2023, o real digital foi renomeado “Drex” e atualizado, em linha com discussões entabuladas entre o BC e agentes do mercado.

Atualmente, o Drex está em fase de testes, com a criação do Comitê Executivo de Gestão (CEG) do projeto-piloto da Plataforma do Real Digital e do regulamento do projeto, de acordo com a Resolução BC nº 315, de 27 de abril de 2023.

Mas, o que significa Drex? É a combinação das letras D de ‘Digital’, R de ‘Real’ e E de  ‘Eletrônico’, com a remissão à ideia de conexão representada pela letra ‘X’. Assim, o BC faz referência implícita ao ambiente virtual e à forte simbologia que acompanha a evolução da moeda brasileira imersa no universo digital.

Drex como Moeda Fiduciária

O real é a moeda fiduciária brasileira, em forma de papel-moeda (cédulas), mas que também pode ser representada como moeda escritural (numerário em contas de depósitos) ou, ainda, como moeda eletrônica (nos termos da Lei nº 12.865/2013). Em breve, o real também será apresentado como uma moeda digital protegida por criptografia e inscrita em livro-razão distribuído (distributed ledger tecnology, acrônimo DLT).

O Drex, portanto, será a nova forma de representação do real, sem deixar de lado as características de moedas oficiais, isto é, instrumento de troca, reserva de valor e unidade de conta. A sua emissão será controlada pelo governo e contará com a estabilidade e o respaldo da política monetária nacional[1].

O Drex não se confunde com as criptomoedas (tokens de pagamento), como o Bitcoin e stablecoins de modo geral – criptomoedas essas que se enquadram a priori no conceito de ‘ativos virtuais’, como prevê o artigo 3º da Lei nº 14.478/2022[2].

A lei expressamente exclui a “moeda nacional” do conceito de “ativo virtual”.  Isso porque, ainda que determinados ativos virtuais (como o BTC e stablecoins de modo geral) possam por vezes exercer funções típicas de moeda fiduciária (ser instrumento de pagamento e reserva de valor, sob a perspectiva jurídica), faltam-lhes as características do curso forçado e do consequente poder liberatório de obrigações.

Só é considerado ‘moeda’ o que a lei definir como tal. No Brasil, apenas o real – unidade de conta oficial - tem curso forçado[3], ou seja, não pode ser recusado como instrumento de pagamento e de liberação de obrigações.

A Iniciativa do Drex

De acordo com o BC, o fenômeno da tokenização de ativos e a emissão de ativos digitais por meio do emprego da tecnologia de registro distribuído (DLT) fizeram surgir novos modelos de negócios, nos quais o uso de stablecoins — criptoativos de emissão e controle privados referenciados em uma moeda fiduciária — passou a servir os fins de liquidação de operações em ambiente virtual[4].

O uso dos criptoativos e da tecnologia DLT motivou a autoridade monetária nacional a desenvolver a iniciativa do Drex, oferecendo ao mercado a moeda fiduciária brasileira compatível com o ambiente de tecnologia de registro distribuído, em alternativa às stablecoins.

Destaque-se que as stablecoins apresentam natureza distinta das moedas fiduciárias que teoricamente representam. Ainda que na prática ofereçam maior segurança por serem cursadas em ambiente de tecnologia de registro distribuído ou blockchain, mesmo em sua função de meio de pagamento, as stablecoins atraem riscos como qualquer ativo financeiro não regulado.  A referência e os teóricos efeitos da paridade com uma moeda fiduciária por vezes podem não contribuir para a mitigação de riscos nas operações, como ficou evidenciado no colapso da stablecoin TerraUSD (UST), que fez o ecossistema Terra-LUNA ruir em maio de 2022.

A proposta do BC de criação do Drex revela-se alinhada às expectativas de uso do real em formato compatível com as inovações tecnológicas demandadas pelo mercado de ativos virtuais. Ao liderar esse processo, o BC ativamente coordena a instituição de um mercado, abrindo espaço e fomentando a criação de produtos e serviços financeiros inovadores, sem perder de vista um elevado nível de segurança jurídica e institucional para funcionamento de todo o sistema, que cada vez mais se vale dos instrumentos próprios do ambiente de DLTs para a concretização de suas transações.

O desenvolvimento do Drex poderá contribuir para que o BC:

  • continue a acompanhar o dinamismo da evolução tecnológica da economia brasileira;
  • promova a eficiência do Sistema de Pagamentos Brasileiro;
  • incentive o surgimento de novos modelos de negócio e inovações baseadas em avanços tecnológicos recentes e
  • propicie a integração do Brasil aos cenários econômicos regional e global por meio do aumento da eficiência nas transações transfronteiriças (embora, nesse caso, o BC tenha explicitado que a prioridade será o uso em transações nacionais [5]).

Além disso, a plataforma Drex está sendo desenvolvida para ampliar a rapidez e a praticidade das transações, bem como oferecer menor custo de acesso e de uso de produtos e serviços financeiros, como crédito, investimento e pagamentos, preservando-se a segurança e a estabilidade do SFN e do SPB.

Nesse contexto, o projeto não deve alterar a dinâmica própria da intermediação financeira, mantendo-se o papel relevante das instituições reguladas no funcionamento do Drex. O acesso de usuários ocorrerá por meio das instituições financeiras e de pagamento, as quais poderão disponibilizar a seus clientes e usuários o acesso ao Drex. Nesse contexto, o Drex corresponderá a “versões tokenizadas de depósitos à vista em instituições financeiras (IFs) e de moedas eletrônicas em instituições de pagamento (IPs).”[6].

Casos de uso do Drex

Segundo o BC, dentre as inovações que poderão ser alcançadas com o Drex, está o chamado “dinheiro programável”, por meio do uso de contratos inteligentes (smart contracts) na plataforma Drex, desde que respeitadas as regras do BC.

Na prática, trata-se de transações registradas em DLT que são autoexecutáveis, de acordo com as condições previamente programadas, capaz de conferir maior segurança às partes envolvidas em determinada transação, por possibilitar a chamada “liquidação atômica”. Por exemplo, a venda de um veículo tokenizado que se realize via contrato inteligente (smart contract) na plataforma Drex poderá ser implementada de forma instantânea (atômica). Ou seja, cada parte – vendedora e compradora – acessará a plataforma pela via do sistema bancário ou de pagamentos e dará, de um lado, a ordem de transferência do token do veículo mediante o pagamento com Drex vindo da carteira digital do comprador e, de outro, efetivará a ordem pagamento com Drex da carteira digital do comprador mediante recebimento do token do veículo.

Os testes do projeto-piloto da plataforma Drex trazem, ainda, as seguintes características:

  • Plataforma DLT Multiativo (baseada na tecnologia DLT) — permitirá o registro e a realização de transações entre diferentes tipos de ativos;
  • Ativos — dentre os ativos registráveis na plataforma estão os depósitos de contas de reservas bancárias, as contas de liquidação, a conta única do Tesouro Nacional, os depósitos bancários à vista, as contas de pagamento de instituições de pagamento e os Títulos Públicos Federais. Os critérios de acesso a essas contas serão embasados na ordem jurídica existente;
  • Transações — poderão ser realizadas via plataforma as transações de emissão, resgate e transferência de ativos, além dos fluxos financeiros resultantes de eventos de negociação. As transações serão liquidadas de forma condicionada e simultânea entre os ativos registrados, garantindo-se a entrega contra pagamento (delivery versus payment - DvP) até o nível do usuário final. Os registros dos ativos e das transações devem permitir a fragmentação, respeitando-se o sistema de apreçamento centesimal; e
  • Funcionalidades essenciais — as funcionalidades essenciais da plataforma contemplam camadas de registro de ativos, liquidação de transferências, protocolos e contratos inteligentes necessários para a execução das transações propostas no projeto-piloto, de forma que não serão permitidos saldos negativos em nenhuma transação envolvendo os ativos registrados.

O Regulamento do projeto-piloto foi publicado pelo BC por meio da Resolução BC nº 315, de 27 de abril de 2023, a qual determina que os trabalhos serão coordenados pelo Comitê Executivo de Gestão (CEG) e que o ambiente de testes será construído de maneira conjunta e colaborativa entre os seus participantes.

Os testes no âmbito do projeto-piloto foram iniciados ao final de julho de 2023. Durante os primeiros cinquenta dias de testes, foram conduzidas 500 operações. Dos dezesseis grupos selecionados, a iniciativa contou com onze pontos de operações de instituições em funcionamento na rede, envolvendo atacado, varejo, criação de carteiras, emissão, destruição da moeda e transferências simuladas entre bancos e entre clientes.

Espera-se, portanto, a criação de uma solução confiável e segura que funcionará como alternativa complementar às representações do Real hoje existentes. Com isso, novos casos de usos em ambiente DLT surgirão, privilegiando-se a inclusão financeira por meio da redução da burocracia e da realização de transações eficientes e ágeis, sem renunciar-se à segurança e à transparência das operações[7].


* Fabio de Almeida Braga é sócio do Demarest Advogados. Fausto Muniz Miyazato Teixeira, Guilherme Inaba e Maria Eduarda Fontes são advogados do Demarest e todos e atuam na área de Banking & Finance , Meios de Pagamento e Ativos Virtuais.

[1] PINTO, A. E.; EROLES, P.; MOSQUERA, R. Q. (coord.). Criptoativos: Estudos Regulatórios e Tributários. 1ª ed. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2021. p. 114.

[2] Lei nº 14.478/2022, Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:

I - moeda nacional e moedas estrangeiras;

II - moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;

III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e

IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

[3] Lei 10.192/2001, artigo 1º.

[4] Voto 31/2023-BCB, de 14 de fevereiro de 2023, disponível em:

[5] Vide FAQ do BC, “Pagamentos internacionais com o Drex”, em:

[6] Voto 31/2023-BCB, de 14 de fevereiro de 2023, disponível em:

[7] Disponível em: < https://www.bis.org/publ/bppdf/bispap123_c.pdf>

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