Economia

Dolarização embala consumo de artigos de luxo na Venezuela

Enquanto boa parte da população sofre, há bairros em Caracas com uma dezena de novos serviços de entrega, que trazem tigelas de poke de salmão trufado

Dívida nos EUA: empresas exportadoras são as principais candidatas (Antara Foto/Hafidz Mubarak/Reuters)

Dívida nos EUA: empresas exportadoras são as principais candidatas (Antara Foto/Hafidz Mubarak/Reuters)

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Bloomberg

Publicado em 3 de novembro de 2020 às 11h55.

Duas jovens curtem um dia de sol na piscina, rindo despreocupadamente enquanto derramam Prosecco sobre um sorvete de manga.

Peça de uma campanha publicitária veiculada no Instagram, a imagem é a epítome da opulência hedonística — pelo menos em Caracas, a cidade profundamente empobrecida onde foi encenada. A dissonância entre o anúncio e a dura realidade aparentemente não incomoda. Nos comentários, a rede de sorvetes alcóolicos Lits ganha emojis de coração.

Enquanto a pandemia amplia as desigualdades entre ricos e pobres no mundo inteiro, a Venezuela talvez seja o caso mais gritante. O presidente Nicolás Maduro reforçou seu poder ao promover uma dolarização darwiniana durante a quarentena.

O enorme setor petrolífero do país entrou em colapso. Falta água, eletricidade e gasolina. Boa parte da população passa fome. A última pesquisa realizada por uma universidade mostrou que quatro em cada cinco venezuelanos não conseguiam comprar uma cesta básica no ano passado.

Enquanto isso, há bairros em Caracas com uma dezena de novos serviços de entrega, que trazem para a porta das pessoas tigelas de poke de salmão trufado, cigarros eletrônicos e bolos sem glúten para comemorações de aniversário que custam US$ 50.

“O governo não perturba mais o pequeno setor privado e tem permitido que a dolarização avance”, observou o economista Omar Zambrano. “Isso cria uma bolha de conforto que reduz a pressão política para manter uma economia capaz de fornecer o mínimo, especialmente com as sanções dos EUA.”

Entraram no país mais de US$ 2 bilhões — parte do dinheiro ligado a negócios de luxo e parte não relacionada aos bebedores de Prosecco, mas oriunda de remessas enviadas por 5 milhões de venezuelanos que fugiram do colapso muito antes da chegada do coronavírus. Os dólares criaram uma realidade paralela. Após a economia nacional encolher 65% de 2015 até o ano passado e recuar 20% este ano, negócios baseados em dólar estão prosperando.

O que começou no ano passado na forma de pequenas lojas de artigos de luxo importados evoluiu para empórios com vários andares. Onde faltava papel higiênico e açúcar hoje há infinitas opções para quem pode pagar.

No sudeste de Caracas, encontra-se garrafas da cerveja Sam Adams Octoberfest por US$ 2,45, 150 gramas de queijo manchego espanhol La Cueva del Abuelo por US$ 12, pão cetogênico por US$ 20, e carnes Omaha Steaks, incluindo meio quilo de lombo suíno vendido por US$ 23.

“Antes, o maior problema era a escassez”, disse Risa Grais-Targow, analista do Eurasia Group. “As pessoas que não têm acesso a dólares ainda estão sofrendo.” Mas para quem tem moeda americana, o quadro “tem sido um grande impulsionador da estabilidade”.

Devido à pandemia e às sanções impostas pelos EUA a muitas figuras associadas ao governo, viagens sofisticadas praticamente acabaram para a elite venezuelana. Em seu lugar, surgiu um mercado de luxo local onde reina a criatividade reprimida. A eleição presidencial dos EUA não deve mudar a situação, seja qual for o vencedor.

“Com uma mínima abertura na economia, vimos maneiras inovadoras e imaginativas de criação durante uma crise”, disse Graciela Beroes, gerente-geral da sorveteria Lits.

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