MADURO NA CONSTITUINTE: dissolução da assembleia, eleições imediatas e libertação de presos políticos são exigências da oposição para um acordo / Miraflores/ Reuters
Da Redação
Publicado em 16 de setembro de 2017 às 07h56.
Última atualização em 16 de setembro de 2017 às 12h48.
São Paulo - O regime chavista está sentindo o impacto das sanções financeiras impostas no dia 25 pelos Estados Unidos. O governo venezuelano anunciou a substituição do dólar por uma cesta de moedas e a intenção de se integrar às redes financeiras da China e da Rússia. Além disso, enviou uma delegação de alto nível a Santo Domingo, para tentar negociar um acordo com a oposição.
As reuniões ocorreram na quarta e quinta-feira, com a mediação do governo dominicano e do ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero. O processo, no entanto, é lento. “Avançamos na definição de uma agenda sobre os grandes problemas venezuelanos”, festejou, ao final do encontro na quinta-feira, o presidente da República Dominicana, Danilo Medina.
Está sendo formada uma comissão de seis “países amigos” para participar da mediação. Já está confirmada a presença de México, Chile, Bolívia e Nicarágua. Ou seja, dois críticos do regime chavista e dois aliados, respectivamente. A próxima reunião ficou marcada para o dia 27, também em Santo Domingo.
A delegação venezuelana, encabeçada pela presidente da Assembleia Constituinte e ex-chanceler Delcy Rodríguez, saiu sorridente da reunião. “Um diálogo de paz está sendo instalado para que a Venezuela possa resolver seus assuntos entre venezuelanos”, declarou Jorge Rodríguez, irmão de Delcy, prefeito de Libertador, um dos municípios da capital, Caracas, e dirigente do Partido Socialista Unido da Venezuela, no poder.
A oposição foi mais cautelosa. Um comunicado da Mesa da Unidade Democrática (MUD) explicou ter aceitado um convite do presidente Medina e das Nações Unidas para participar de um “encontro preparatório”, na esperança de apressar a saída do presidente Nicolás Maduro, por meios constitucionais.
“Somente por mudança democrática e não violenta será possível superar a atual tragédia social e econômica que aflige todos os venezuelanos”, afirma o comunicado. A MUD reiterou suas condições para um acordo: eleição presidencial imediata, reforma do Conselho Nacional Eleitoral (dominado pelos chavistas), libertação dos presos políticos e autorização para entrada de ajuda humanitária. A oposição acrescentou que um eventual acordo terá de ser submetido a referendo.
A delegação da MUD foi liderada pelo deputado Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. Borges acaba de voltar de uma viagem pela Europa, onde foi recebido pelos governantes da Alemanha, França e Espanha.
Várias tentativas de negociação, inclusive com a mediação de Zapatero, deram em nada. Agora as chances parecem um pouco maiores, diante do estrangulamento econômico do país.
Na tentativa de atenuar o impacto das sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos, Maduro anunciou no dia 7 um “Plano Constituinte para o Desbloqueio Econômico da Venezuela”. Com oito medidas, o plano foi apresentado na Assembleia Constituinte.
Chantagem do dólar
Para se livrar do que chamou de “chantagem do dólar”, Maduro disse que quer realizar transações em outras moedas importantes, como yuans chineses, rublos russos, rúpias indianas e euros. “Não vão nos asfixiar, nos afogar”, dramatizou o presidente. “Temos que criar um novo sistema de pagamentos. Isso é de imediato. Isso é uma ordem.”
O programa recebeu o nome Dicom (Divisas Complementares). O ministro de Economia e Finanças, Ramón Lobo, anunciou na segunda-feira 11 que vai se reunir com os bancos e outras instituições financeiras para acertar os detalhes dessas operações.
“Temos que ir rompendo essa dependência do dólar como moeda de intercâmbio”, disse Lobo à emissora estatal VTV. “E as moedas alternativas ao dólar cobrem aproximadamente 30% das transações mundiais”, acrescentou, citando o euro, yuan, libra esterlina e iene japonês.
Lobo explicou que a decisão foi motivada pelo “bloqueio econômico” imposto no dia 25 de agosto pelo presidente Donald Trump contra transações financeiras com a Venezuela. Mas afirmou que, além da moeda, o país precisa sair também da rede digital de transações vinculada ao sistema financeiro americano. E citou a Rússia e a China como redes alternativas para a Venezuela pagar a seus fornecedores internacionais.
Ao apresentar o plano na Assembleia Constituinte, Maduro afirmou que o “bloqueio” — mesmo termo usado em Cuba para se referirem ao embargo americano que já dura mais de cinco décadas e justificar as mazelas econômicas da ilha — tem impedido o pagamento da importação de alimentos e remédios, mesmo quando o dinheiro está disponível na conta.
A ideia de substituir o dólar pelo yuan ou por uma cesta de moedas não é nova entre os populistas de esquerda. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também andou falando nisso. Ainda nesse espírito, de criar fontes de financiamento alternativas aos organismos multilaterais, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) chegaram a criar um banco, com fundos soberanos desses países, em 2014, já no governo Dilma Rousseff.
O dólar, no entanto, continua sendo a moeda de referência — até mesmo para o cálculo do valor do euro frente a outras denominações. Se já era algo pouco realista nos tempos de vacas gordas e contas ajustadas, que dirá na desorganizada economia venezuelana.
“Só existem 11 moedas consideradas de livre conversibilidade: os dólares americano, canadense, australiano e neozelandês, euro, libra esterlina, iene, franco suíço e as coroas sueca, dinamarquesa e norueguesa”, enumera Asdrúbal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica, de Caracas.
“Essas moedas cumprem os requisitos básicos para serem aceitas em qualquer lugar do planeta para cobranças e pagamentos. Elas são as verdadeiras moedas livremente conversíveis”, explicou Oliveros a EXAME.
“A moeda da Venezuela claramente não cumpre isso. Na história republicana da Venezuela, jamais se divulgou uma paridade cambial com outra moeda que não o dólar”, recorda o economista. “Para passar do bolívar para a rúpia, yuan, euro ou iene, primeiro será preciso converter os bolívares em dólares americanos e depois desses para a moeda desejada.”
Portanto, conclui o consultor, “esses anúncios recentes carecem de qualquer fundamento econômico ou financeiro”. Para ele, “o que o governo almeja é fazer pagamentos em bancos em outros países que não os EUA, e isso tornará o processo mais arrastado e caro, porque terá de incorporar o risco cambial pela flutuação da moeda”. Que não é pequena: somente este ano, a cotação do dólar no paralelo saltou de 3.000 para 22.000 bolívares.
Oliveros fez um prognóstico sombrio, considerando a escassez e a carestia extremas já existentes na Venezuela: “Vamos ver nos próximos meses uma redução de importações e produtos, muitos deles dos países aliados do governo, especialmente Rússia e China. Isso gerará mais problemas de abastecimento e escassez, pressionando a inflação”.
De acordo com Henkel García, diretor da consultoria Econométrica, também de Caracas, a medida prejudicará o usuário final: “A maioria das empresas e pessoas tem suas contas em dólares e isso encarecerá o custo transacional das operações”.
O outono do dólar?
O ceticismo dos analistas venezuelanos se refere aos fundamentos da economia do país, não necessariamente ao curso do dólar no longo prazo no cenário internacional. Em outubro do ano passado, o Fundo Monetário Internacional incluiu o yuan em sua cesta de divisas, junto com o dólar, o euro, o iene e a libra esterlina.
Paralelamente, vem ocupando espaço no mercado o bitcoin, moeda digital criada em 2009. André Miceli, coordenador de MBA em marketing digital da Fundação Getúlio Vargas, define o bitcoin como “uma ordem alfanumérica em que se reconhece valor”.
Miceli diz que ele funciona como um “livro caixa”, em que um montante “passa de A a B”. Seu uso vem crescendo junto com o processo de “desbancarização”. Assim como acontece com tantos outros serviços, os contratos no mundo físico vão dando lugar às operações em aplicativos.
Por meio do dispositivo chamado blockchain, um sistema de gestão de código aberto, os usuários podem rastrear a autenticidade da moeda sem invadir a privacidade de outras pessoas. Mas, no combate à corrupção, as autoridades poderão mais facilmente investigar os caminhos do dinheiro.
Estima-se que, no Brasil, entre 200.000 e 250.000 pessoas têm ou já tiveram bitcoins. Esse número pode chegar a 1 milhão até o final do ano. Segundo Miceli, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários ainda não reconhecem o valor das chamadas moedas virtuais. A Câmara dos Deputados tem realizado audiências públicas sobre o tema.
O pacote do regime chavista tem o intuito de conter os aumentos de preços, intermediários e especuladores, fenômenos causados pelas distorções da inflação, do desabastecimento e da escassez de dólares, mas que o governo atribui a uma suposta “guerra econômica” da “direita” contra o regime socialista.
Ele inclui a elaboração de uma lista de 50 produtos e serviços com preços máximos para o consumidor; criminalização do comércio de dólar paralelo; criação de mais casas de câmbio oficiais em todo o país, não só nas fronteiras, baseadas na cesta de moedas; aumento da produção de petróleo e da clientela de países que o importam da Venezuela; novas rodadas de negociações com portadores de títulos da dívida venezuelana prejudicados pelas sanções americanas; plano de incentivo do turismo e das exportações, envolvendo 300 empresas; incentivos fiscais para o setor minerador da Bacia do Orinoco; e um aumento de 40% no salário mínimo integral (soma do salário e benefícios), para 325.000 bolívares, ou 15 dólares.
“Quero fazer por bem, mas se tenho que fazer por mal e me converter em um ditador para garantir os preços ao povo, vou fazer por mal”, empolgou-se Maduro ao apresentar o plano. É ele quem está dizendo.