Bola de destruição de vírus prestes a colidir com uma pilha de moedas. dívida países) (Jorg Greuel/Bloomberg)
Ligia Tuon
Publicado em 4 de julho de 2020 às 08h05.
Última atualização em 4 de julho de 2020 às 15h56.
Após a pandemia, países do mundo todo terão de lidar com a dívida que contraíram para combater os impactos econômicos e sociais da covid-19. Para quem chegou à crise preparado, haverá pouca dificuldade. Mas entre os emergentes, poucos terão um desafio do tamanho do Brasil.
A dívida bruta do governo geral, que terminou o ano passado em 75,8% do Produto Interno Bruto (PIB), superou 80% pela primeira vez em maio. Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que a dívida pode ultrapassar a marca dos 100% até o fim do ano.
O receio é compartilhado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que destaca a piora fiscal com o auxílio emergencial de R$ 600, prorrogado até setembro. Só o valor que o governo previa gastar com três meses de auxílio (R$ 154 bilhões) já era maior do que o déficit do ano passado inteiro, de R$ 95 bilhões.
A previsão oficial do Ministério da Economia é que a dívida bruta brasileira chegue aos 98% do PIB em dezembro, em linha com a expectativa do mercado, mas sem superar o PIB no horizonte até 2029.
Veja no gráfico:
Já o Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento do Senado, vê a dívida superando 100% do PIB em 2022 ou já em 2020, no pior cenário. Independente do que aconteça, a certeza é que o desafio fiscal atingiu um novo patamar.
A dívida bruta importa, em outras coisas, poque é uma das principais referências usadas pelas agências globais de nota de crédito para avaliar a possibilidade de o país dar um calote em seus credores intenacionais.
A marca dos 100% do PIB, apesar de simbólica, não é inerentemente ruim. É o patamar que o Fundo Monetário Nacional (FMI) espera para países desenvolvidos neste ano, e parece pequeno em relação ao Japão, por exemplo, cuja dívida supera 200% do PIB.
Mas esses países têm condições mais favoráveis que o Brasil, tanto de crescimento quanto de financiamento. E mais do que o nível em si, o que importa é a trajetória da dívida ao longo do tempo.
No melhor momento da série, em dezembro de 2013, a dívida bruta brasileira era de 51,5% do PIB. Deste então, subiu mais de 30 pontos percentuais no espaço de 7 anos.
A dinâmica passou a piorar mais durante a crise de 2015 e 2016, quando se somaram a maior taxa de juros da nossa história, o crescimento inercial do gasto público federal e uma profunda recessão, seguida de uma fraca retomada.
O Brasil já tinha, antes da crise, uma das piores perspectivas de endividamento entre seus pares emergentes e latinoamericanos, cuja previsão do FMI é dívida média de 81% do PIB em 2020.
Mais recentemente, o que tem alimentado a dívida é o saldo negativo entre receitas e despesas públicas combinado à deterioração do PIB. Para estabilizar a dívida, será preciso voltar a ter um saldo positivo, o que não acontece há seis anos e pode levar mais 13 pelas contas da IFI:
"O superávit primário não volta tão cedo, não antes de 2030, sobretudo, porque a crise veio num contexto de crescimento muito baixo", diz Felipe Salto, diretor-executivo da IFI. O déficit primário em 12 meses já subiu de 1,24% do PIB em dezembro de 2019 para 3,91% em maio e pode passar dos 15% do PIB neste ano, como reconheceu Guedes.
O ministro destaca que a arrecadação federal já está melhorando, embora essa seja uma esperança insuficiente para especialistas, que cobram uma sinalização de que há planos concretos de controle:
"Para termos uma politica consistente, não vai dar para fazer como o Guedes prometeu na campanha, de gerar superávit em um ano. Você não consegue reduzir um deficit de 13% do PIB (R$ 912,4 bilhões), que é o que esperamos ter esse ano, para zero assim. O ideal é termos um horizonte", diz Salto.
Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, destaca em relatório que o crescimento da dívida e do déficit deixam a economia vulnerável a choques domésticos e externos:
"Abordar a dinâmica insustentável da dívida pública e criar amortecedores fiscais permanece, inquestionavelmente, o principal desafio macro enfrentado tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo, quando a pandemia for controlada", diz Ramos.
Além do PIB e do resultado primário, a taxa de juros também influencia a dinâmica da dívida bruta, já que influencia na trajetória do preço a ser pago a investidores. Atualmente, o juro básico em sua mínima histórica deixa o peso dessa obrigação menor. Mas não será assim para sempre:
"O juro baixo, a 2,25% ao ano, está ajudando. Se fossem os 14% de 2016, já estaríamos com uma dívida insustentável. Mas é um quadro arriscado, já que o próprio secretário do Tesouro disse que a consequência é a dívida ter seu prazo médio encurtado", diz Salto, da IFI.
Isso significa que com mais riscos no horizonte, os investidores vão querer uma remuneração maior se o prazo da dívida for longo. Além disso, economistas avaliam que a Selic em seu atual nível não é sustentável e deve subir no médio prazo:
"A frágil recuperação esperada para o ano que vem poderá ser prejudicada pela necessidade de conter o aumento da percepção de risco e da alta do dólar. A resposta acabaria redundando em alta dos juros, prejudicando a dinâmica da dívida pública", prevê o IFI.
Segundo Bruno Funchal, que substituirá Mansueto à frente do Tesouro, a questão fiscal será o maior desafio da sua gestão, mas há um período de dois anos de juros baixos para ser aproveitado: "É a janela de oportunidade que nós temos", disse Funchal nesta sexta-feira, 3, em live organizada pelo Itaú BBA e da qual também participou Mansueto.
(Com a colaboração de Alex Halpern)