Maior temor dos mercados e de alguns argentinos é uma moratória, como ocorreu em 2001 (Marcos Brindicci/Reuters)
AFP
Publicado em 29 de agosto de 2019 às 17h20.
Última atualização em 29 de agosto de 2019 às 17h23.
Uma dívida que se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), um índice de inflação entre os mais altos do mundo e a incerteza política na corrida eleitoral são as principais chaves de uma combinação perigosa para a Argentina, em recessão desde 2018.
Uma corrida cambial em abril de 2018 detonou a crise econômica da Argentina e levou o presidente liberal Mauricio Macri a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), do qual obteve um empréstimo de 56 bilhões de dólares, em troca de um programa rigoroso de ajuste fiscal.
Em recessão, com mais de um terço da população na pobreza, desemprego em alta (10,1%) e consumo em baixa, a economia argentina mergulhou na incerteza após as primárias de 11 de agosto, nas quais o candidato peronista de centro esquerda Alberto Fernández saiu como franco favorito à Presidência com surpreendentes 47% dos votos frente a 32% de Macri.
Muito crítico ao programa do FMI, Fernández compõe chapa com a ex-mandatária Cristina Kirchner (2008-2015), que se caracterizou por políticas protecionistas, enfrentou produtores agrários e estabeleceu um controle cambial.
Embora Fernández tenha insistido em que, se virar presidente, não vai dar um calote e lembre com frequência que foi chefe de gabinete de Néstor Kirchner (2003-2007) - quando a dívida com credores privados foi restruturada, e a com o FMI, quitada -, os mercados demonstram sua ansiedade diante da eleição de 27 de outubro.
"Fernández está em uma situação muito complicada e delicada. Tem que criticar o acordo com o FMI para continuar sendo confiável diante dos peronistas mais radicais, mas também tem que adotar uma abordagem mais moderada na restruturação da dívida da Argentina", disse à AFP Michael Shifter, do centro de estudos Inter-American Dialogue.
O principal temor dos mercados e de alguns argentinos é uma moratória, como ocorreu em 2001. Os investidores começaram a deixar de comprar novos títulos, e os poupadores, a retirarem seus depósitos em dólares.
Embora a Argentina tenha reservas internacionais folgadas, de cerca de 57 bilhões de dólares, elas são insuficientes para respaldar depósitos e títulos e ainda intervir no mercado cambial para conter a desvalorização do peso.
Nesta quarta, o ministro da Fazenda, Hernán Lacunza, disse que "a Argentina não tem um problema de solvência, mas sim de liquidez a médio prazo", e anunciou que vai restruturar a nova dívida com o FMI e com investidores institucionais privados para adiar os pagamentos.
Lacunza insistiu em que sua prioridade é conter a desvalorização do peso, porque isso impacta diretamente na inflação - uma das mais altas do mundo, somou 25% até julho - e, por sua vez, no índice de pobreza.
A taxa de câmbio é crucial ainda na capacidade de pagamento da dívida, pois 80% estão denominados em dólar.
Nos últimos dias, o Banco Central interveio com montantes de mais de 300 milhões de dólares diários para evitar uma queda da moeda que perdeu, desde as primárias, 20% de seu valor e foi desvalorizada em 70% desde janeiro de 2018.
A taxa básica de juros está acima dos 70% ao ano, em uma tentativa de frear a fuga de divisas.
A estabilização precisa da vontade de três atores: o governo, a oposição e o FMI, opinou o economista Martín Vauthier.
A eleição presidencial é um desafio para ambos os candidatos, que precisam buscar um delicado equilíbrio entre atender às urgências do país e evitar uma deterioração econômica maior, ou ceder às tentações da campanha.
O fiel da balança pode ser o FMI, que deseja "tanto cobrar o empréstimo outorgado, como demonstrar que seu programa foi bem-sucedido", avaliou Vauthier.