Economia

Os dez anos de metas de inflação, segundo Armínio Fraga e Henrique Meirelles

Presidente e o ex-presidente do BC enumeram conquistas da economia brasileira na última década; Fraga sugere melhorias

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 13 de maio de 2011 às 18h39.

EXAME conversou com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e com seu antecessor, Armínio Fraga, sobre os dez anos de regime brasileiro de metas de inflação, que serão completados em junho.

Para Meirelles, o sistema de metas se provou bem-sucedido e contribuiu para que a economia brasileira tivesse um crescimento médio 75% maior nos últimos dez anos em relação à década anterior. Já Fraga afirmou que a economia brasileira evoluiu bastante, mas que o BC ainda precisa travar uma "batalha de comunicação" para mostrar à sociedade que também está preocupado com o nível de atividade econômica - e não apenas com o controle dos preços.

O ex-presidente do BC também defendeu que as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) voltem a ser mensais e que o Congresso aprove a independência formal do banco. Veja a seguir os principais trechos das entrevistas:

EXAME - Qual a importância da aprovação, pelo Congresso Nacional, da independência do Banco Central?

Armínio Fraga - A formalização do que tem sido na prática um razoável grau de autonomia operacional do Banco Central seria um passo muito positivo para o país. Não acredito que esse avanço seria por si só capaz de trazer grandes benefícios. Mas observando a experiência de vários outros países, a partir do momento que amadurece o entendimento de que o Banco Central é o guardião da moeda, quando se entende que ele é um bem público que precisa ser preservado, então uma formalização pela via de uma lei tende a defender essa conquista. E acho que no Brasil nós avançamos bastante nessa direção, embora ainda não totalmente. Portanto, acho que já cabe começar a discussão.

EXAME - Como o senhor explica a percepção popular de que o BC não seria de fato um órgão de Estado, e sim uma instituição a serviço do sistema financeiro?

Fraga - Esse é um tema importante e essa percepção negativa não acontece só no Brasil. Por alguma razão, se faz uma vinculação entre o sistema financeiro e o Banco Central. Eu acredito que no nosso caso esse vínculo é indevido. A minha experiência é que o Banco Central age como um fiscal do sistema e cumpre o seu papel. Tivemos problemas ao longo dos anos, como as crises bancárias. Também tivemos inflação, mas de muitos anos pra cá o Banco Central tem exercido o seu papel. Ao mesmo tempo, há uma impressão de que o sistema financeiro ganha muito dinheiro e que isso é culpa do Banco Central. Eu tendo a discordar. Historicamente, nosso sistema teve momentos de enormes prejuízos: muita gente quebrou. Todos os bancos públicos quebraram em todos os níveis de governo e vários bancos privados também quebraram - e de fato alguns ganharam. Independente disso, acho que a formalização da independência do BC seria um aprimoramento institucional importante. Talvez também fosse interessante separar a função de defesa da concorrência das demais funções que o Banco Central tem.


EXAME - Já existe um projeto de lei no Congresso propondo essa separação.

Fraga - Essa lei foi encaminhada por nós em 2002. É um projeto de lei complementar. O projeto foi aprimorado desde então e agora só falta votar. Eu acho que sua aprovação ajudaria a tirar essa imagem negativa do Banco Central. A questão da concorrência ficaria fora do banco, feita uma ressalva para lidar com condições de crise, como se vê hoje pelo mundo afora. Nosso projeto já previa isso.

EXAME - E como o senhor vê a acusação de outros setores do governo de que a política monetária tem um efeito de "abortar o crescimento"?

Fraga - Trata-se de uma percepção equivocada de que o Banco Central por si só consegue gerar uma taxa de crescimento para o país. Isso não é verdade. Nós já aprendemos com a nossa triste história de instabilidade, crise e inflação que se o Banco Central não cumprir o seu papel, na verdade ele pode é contribuir para uma taxa de crescimento menor. Mas de fato, ainda existe uma percepção de que o país não cresce porque o Banco Central não quer. Essa é uma batalha de comunicação. Creio que se o Banco Central for efetivamente duro durante um período, a inflação vai ficar abaixo da meta e esse erro se corrige logo no período seguinte, numa questão de alguns trimestres.

EXAME - De que forma o sistema de metas brasileiro pode ser aprimorado?

Fraga - O sistema é um ser vivo, mas seus princípios gerais continuam valendo. São os princípios da transparência e do alinhamento de objetivos de todas as esferas de governo, já que as metas são definidas pelo governo. Mas existem detalhes que podem ser discutidos, como por exemplo, a idéia de voltar a fazer as reuniões todo mês. São coisas que devem ser discutidas, mas sinceramente acho que são coisas de menor importância. Acho também que o BC ainda não conseguiu deixar claro que ele tem uma preocupação com o nível de atividade. Não é a toa que no ano passado a inflação ficou bem acima da meta. De certa maneira, o BC acomodou uma parte das pressões inflacionárias para não criar um impacto desnecessariamente recessivo. Essa é discussão que é parente da outra que eu já mencionei.

EXAME - Por que o senhor defende o retorno das reuniões do Copom para a periodicidade mensal?

Fraga - Acho que o Brasil ainda é uma economia emergente e sujeita a mais volatilidade que as economias maduras. E hoje em dia as economias maduras estão sendo fonte de incerteza no mundo. Penso que uma periodicidade menor do que os 45 dias faz sentido. O Banco Central utilizaria mais o fluxo de informação. Não significa que isso vá alterar, como muitos deduzem, o destino final da taxa de juros. Mas acho que seria bom, pois é uma prática comum no mundo afora.


EXAME - O senhor concorda que faria sentido aumentar o prazo para que a inflação alcance a meta?

Fraga - Logo que eu saí do Banco Central, eu escrevi um texto com o Ilan Goldfajn e o André Minella, defendendo que o tempo não deve ser fixo, ele tem que ser proporcional ao tamanho do choque. Se há um desvio grande da meta em função de algum evento, é natural que se demore mais do que um pequeno desvio, que pode ser absorvido mais rapidamente. Isso já aconteceu entre 2003 e 2004. Mas existe uma questão mais importante, de médio prazo, que é definir para onde o país quer caminhar. Isso não quer dizer que você vai definir onde o país vai chegar. É verdade que nós queremos ter como meta permanente 4,5% de inflação? Acho que essa discussão precisa acontecer, ainda que se mude no futuro. Ainda que se mude - se vai ser 2%, 3%. Creio que o patamar de 4,5% para a meta de longo prazo é um pouco alto.

EXAME - Como o senhor resumiria o legado de uma década do sistema de metas de inflação?

Fraga - Ele tem se mostrado uma forma boa de se conduzir as coisas. Há países que fazem isso de uma maneira mais formal e outros de modo mais informal. No fundo, isso tem a ver com alguns pontos básicos: o primeiro é a idéia de que o Banco Central trabalha permanentemente para manter a inflação sob controle. O segundo é que se dê ao Banco Central a autonomia operacional para perseguir esse objetivo. Terceiro, que a contrapartida da autonomia seja a transparência e a prestação de contas. Quarto, que a própria transparência enriquece o debate e, portanto, melhora a qualidade da política. Finalmente, o quinto ponto é que isso tem que ser feito procurando suavizar as flutuações econômicas de curto prazo.

EXAME - O senhor acredita que a reação do governo Lula à desaceleração econômica coloca em risco a integridade do sistema de metas?

Fraga - Eu temo que esteja acontecendo um certo retrocesso no caminho em direção a uma certa maturidade monetária, à medida que se percebe de maneira bastante explícita que o grau de pressão sobre o Banco Central vem aumentando. Na prática, isso subtrai credibilidade do processo e dificulta a trajetória de redução dos juros.


Abaixo os principais trechos da entrevista com Henrique Meirelles:

EXAME - Que o balanço o senhor faz de uma década do sistema de metas de inflação no Brasil? Quais os resultados dessa escolha?

Henrique Meirelles - O sistema de meta de inflação é uma experiência bem sucedida no Brasil. É um sistema que se mostrou eficiente não só em economias com um histórico de estabilidade, mas particularmente naqueles países que passavam por um processo de estabilização, como o Brasil. Neste período, o PIB cresceu a uma taxa média de 3,45% versus pouco mais de 2% nas duas décadas anteriores, a inflação consolidou-se em patamares civilizados e o câmbio flutuante, combinado com o regime de metas, permitiu a acumulação de 200 bilhões de dólares em reservas internacionais.

EXAME - O senhor acredita que o sistema de metas de inflação possa ser aperfeiçoado? Em caso positivo, de que maneira isso poderia ser feito?

Meirelles - Existe sempre campo para aperfeiçoamento em qualquer sistema. No caso do Brasil, o próximo passo deveria ser a inclusão do sistema de metas de inflação em uma modernização das normas constitucionais e legais que regem o Banco Central.

EXAME - Em função do agravamento da crise internacional - e de seu forte impacto deflacionário no Brasil - faria sentido alterar a periodicidade das reuniões do Copom, que voltariam a acontecer a cada 30 dias, e não mais a cada 45 dias?

Meirelles - É importante não entrar em pânico durante crises, não adotando medidas precipitadas e com visão de curto prazo e que possam gerar crises a médio e longo prazos. Já trabalhamos com reuniões mensais em períodos de crise e de estabilidade. Nossa conclusão é que o intervalo de 45 dias é adequado. Além disso, as decisões do Copom já levam em conta o intervalo entre as reuniões.


EXAME - Como o senhor recebe as críticas de que o Copom tem sido lento em cortar os juros em face do cenário de crise internacional?

Meirelles - O Copom agiu no momento adequado. A crise atinge cada país de maneira diferenciada. O canal de transmissão que atingiu o Brasil mais direta e rapidamente foi o da restrição de liquidez nas operações de empréstimos internacionais, o que gerou uma restrição de liquidez interna. O BC agiu rápida e decisivamente, em uma atuação mencionada como um modelo internacional. O Copom tomou decisões adequadas ao cenário a cada momento, como ficou claro na ata.

EXAME - O senhor tornou-se recentemente o mais longevo presidente do Banco Central do Brasil. Como o senhor explica sua longevidade no cargo?

Meirelles - Sempre acreditei em administração por resultados e pautei meu trabalho no BC tendo em vista o interesse do país, não apenas em curto prazo, mas principalmente visando, em primeiro lugar, criar condições para o crescimento sustentado, como ocorreu nos últimos. Em segundo lugar, trabalhamos para aumentar a resistência do país a crises. A avaliação de diversas organizações internacionais independentes é que o Brasil é um dos países melhor posicionados para enfrentar esta crise. Finalmente, a prerrogativa de definir a longevidade do Presidente do BC é do Presidente da Republica.

EXAME - É verdade que o senhor planeja deixar a presidência do BC até o próximo mês de outubro para concorrer ao governo do estado de Goiás?

Meirelles - Estou totalmente focado no trabalho de gerir a ação do BC nesta crise internacional sem precedentes e não há espaço neste momento para planos futuros.
 

Acompanhe tudo sobre:Armínio FragaBanqueirosEntrevistasExecutivos brasileirosGávea Investimentosgrandes-investidoresHenrique MeirellesInflaçãoPersonalidades

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo